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CI&T aposta em Inteligência Artificial, expansão global e mais aquisições para sair da ‘ressaca pandêmica’

Empresa brasileira, que provê soluções de tecnologia para grandes companhias e é listada nos EUA, enfrenta ‘tempestade perfeita’ e vê receita desacelerar

Lucas Sampaio

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A brasileira CI&T, que provê soluções de tecnologia para grandes empresas como AB Inbev, Coca-Coca, Johnson & Johnson e McDonald’s, está passando por um inverno atípico em 2023, com desaceleração na receita, e vai tentar virar o jogo reduzindo a participação de Brasil e América Latina em seu faturamento e com desenvolvimentos em Inteligência Artificial.

Fundada em Campinas em 1995, a CI&T está acostumada a dobrar de tamanho a cada três anos, nunca teve prejuízo anual e conseguiu acelerar seu crescimento a partir de 2021, quando abriu capital nos Estados Unidos. O objetivo era fazer aquisições e ampliar sua atuação global. O crescimento anual da companhia saiu de 30% no período entre 2006 a 2016 para 49% nos últimos quatro anos, com a compra da sua principal rival no Brasil, a Dextra, antes mesmo do IPO, e de empresas nos EUA, no Reino Unido e na Austrália.

Mas a “ressaca” do pós-pandemia e o cenário macroeconômico adverso, com alta dos juros no mundo inteiro, inflação em disparada e guerra na Ucrânia, fizeram com que as grandes empresas reduzissem seus orçamentos em tecnologia, atingindo a CI&T. O crescimento da receita desacelerou para um dígito no segundo trimestre e a companhia reduziu seu guidance de faturamento para o terceiro trimestre, para uma retração de 2%, e para o acumulado do ano, que saiu de um crescimento de 13% a 17% para uma alta mais modesta, de 4% a 8%.

O CEO da companhia diz que o caminho para a empresa voltar aos trilhos envolve criar soluções de Inteligência Artificial para seus clientes e fazer um follow-on em 2024, para voltar às aquisições estratégicas e acelerar seu crescimento no exterior. “Já temos uma estrutura mais madura. Compramos uma empresa no Reino Unido e outra na Austrália, e a Europa já representa 10% das nossas receitas. Está crescendo, mas precisa crescer mais rápido, por isso faz parte do nosso quebra-cabeça de investimento focar em novas geografias, em particular no Reino Unido e na Austrália”, afirmou o fundador e CEO da CI&T, Cesar Gon, ao IM Business.

A maior parte da receita da empresa já vem do exterior, com 45,6% concentrados na América do Norte, 9,6% na Europa e 5,1% na Ásia. Mas a América Latina ainda representa 39,7% do total. Só que o faturamento no Brasil e nos países vizinhos caiu 6% no segundo trimestre, enquanto o crescimento foi de 17,1% nos Estados Unidos e no Canadá, de 22,4% na Europa e de 86,6% na Ásia.

Primeiras aplicações em IA

Gon, que é engenheiro da computação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e fundou a CI&T junto com Bruno Guiçardi e Fernando Matt há 28 anos, acaba de se mudar para Londres, onde vai morar até janeiro porque a CI&T está lançando sua estratégia de Inteligência Artificial e ele está viajando o mundo para apresentá-la aos clientes. “Já lançamos nos EUA, vamos apresentar o produto aqui na Inglaterra no dia 14 e depois vamos para a Austrália e para a China. Londres funciona como um hub muito melhor com essa agenda complexa de lançamento”.

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O CEO diz que a Inteligência Artificial é “imparável e inevitável”, “porque os benefícios econômicos e de escala e personificação são tão poderosos que as empresas e os consumidores vão aderir”.A CI&T já está trabalhando com mais de 15 grandes clientes em soluções com a tecnologia. Ele pondera que o investimento é de longo prazo e a verdadeira revolução tecnológica deve vir mais para o fim da década, mas diz que os primeiros casos da empresa deverão vir a público até o fim do ano e “causarão um efeito manada no mercado”, fazendo com que outras companhias também passem a investir em IA. “2024 vai ser o ano em que as empresas vão ser levadas a um investimento muito maior na tecnologia, porque teremos casos de uso provado de que ela tem valor e causa impacto na experiência do cliente e no negócio, de que vale o investimento. Por isso a nossa expectativa [para o próximo ano] é muito positiva”.

Cesar Gon, fundador da CI&T
Cesar Gon, fundador da CI&T (Divulgação)

Gon diz que os primeiros produtos virão de algumas indústrias “icônicas” das áreas de educação, serviços financeiros, varejo e health care e, sem revelar o cliente, dá como exemplo uma tecnologia “que vai sair em outubro ou novembro”. “É um situational commerce que interfere na experiência do cliente. No e-commerce atual você escolhe os produtos, vai jogando no carrinho e depois faz o check-out. Essa é a melhor experiência. Vamos lançar uma tecnologia nos Estados Unidos em que o cliente vai descrever a sua necessidade para uma Inteligência Artificial, que vai montar um carrinho com o que a pessoa deveria comprar, de uma maneira totalmente humana. O primeiro vai ser por texto, por chatbox, mas para transformar isso em uma relação por voz é fácil”, conta o executivo. “Ainda não são grandes revoluções, mas são evidências do potencial da tecnologia, se aplicada da forma correta em negócios”.

Habilidade em surfar ondas

A CI&T tem atualmente 6,2 mil funcionários em todo o mundo, dos quais 1,6 mil estão envolvidos com GenAI (Inteligência Artificial generativa). Rodrigo Nasser, sócio fundador da Aster Capital, afirma que o grande diferencial da empresa brasileira “é a qualidade na engenharia de software, que fez ela surfar nas ondas de tecnologia dos últimos 20 anos”, além do seu quadro de funcionários e a sua cultura interna, tanto de retenção de talentos quanto de desenvolvimento de carreiras.

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“Nos anos 2000 teve a bolha da internet, depois vieram os dispositivos mobile, o crescimento do e-commerce no Brasil, o uso de big data e a transformação digital que isso trouxe e agora a Inteligência Artificial. E a CI&T vem surfando todas essas ondas”, afirma Nasser, que foi CTO da Netshoes e diretor de desenvolvimento da Totvs antes de fundar a gestora. A Aster Capital tem um fundo long only que investe em empresas “de crescimento e qualidade”, principalmente na área de tecnologia, como CI&T, Nubank, Mercado Livre e Totvs. Mas investe também na Equatorial.

Nasser dá como exemplo da qualidade da CI&T o BEES, a plataforma de B2B da Ambev. A CI&T começou o projeto do zero em 2017 e chegou a ter cerca de 700 pessoas trabalhando no desenvolvimento do produto (número que chegou a passar de mil, se incluídos os funcionários da cervejaria). A tecnologia que liga a Ambev aos seus clientes e parceiros foi sendo ampliada para incluir o BEES Delivery, voltado aos motoristas da Ambev, e o Zé Delivery, aplicativo de entrega de bebidas que explodiu no Brasil durante a pandemia. A solução também foi exportada para outros países e continentes onde a AB InBev atua, como EUA, Europa e China.

“A CI&T compete nos EUA com empresas americanas e mundiais. A Audi é cliente deles, os bancos americanos são clientes. Alguma coisa certa eles estão fazendo”, afirma Nasser. “E eles têm um empreendedor como o Cesar [o CEO da companhia], que conseguiu empreender em uma área difícil que é prestação de serviço com valor agregado. Não à toa ele está no conselho de administração do Itaú, o maior banco da América Latina”.

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A maioria das casas do sell side têm recomendação de compra para a CI&T (como Morgan Stanley, Goldman Sachs, Bradesco BBI e Itaú BBA), mas ao mesmo tempo estão atentas aos desafios de curto prazo. O ItaúBBA manteve a empresa como top pick, citando o valuation descontado das ações, mas reduziu o preço-alvo de US$ 7 para US$ 6,60 depois que a empresa revisou seu guidance. ”Vemos as ações sendo negociadas em um múltiplo P/L ajustado de 12,8x para 2024, abaixo da média dos pares de 10 anos de 26,4x”, escreveu o analista Carlos A. de Legarreta. O Citi, que assim como JP Morgan tem posição neutra para o papel, diminuiu seu preço-alvo de US$ 7 para US$ 5,50 após o último balanço, alegando “um trimestre relativamente desapontador” e “ventos contrários relacionados à macroeconomia nas empresas recentemente adquiridas”, além do corte de custos do maior cliente da CI&T (a AB Inbev). “Do lado positivo, a execução operacional foi relativamente sólida, com uma margem acima das expectativas e a empresa vendo um bom desempenho da sua plataforma de AI”.

Follow-on em 2024

O CEO da CI&T diz que o ano de 2023 foi para digerir as aquisições pós-IPO e focar em Inteligência Artificial, mas que para o próximo ano o objetivo é voltar ao mercado para captar dinheiro e retomar as compras. “2023 está sendo um ano bem complexo, vindo de uma ‘ressaca pandêmica’, de over investimento, com guerra na Europa e troca de governo no Brasil. Foi uma tempestade perfeita. Mas estamos nos adaptando, continuamos crescendo e estamos fazendo o rollout da nossa transformação em Inteligência Artificial. E preservando a rentabilidade”.

Gon afirma que “M&A é um acelerador de crescimento”, por isso a empresa abriu capital em 2021, e que tanto o IPO quanto as aquisições feitas foram muito benéficos à empresa. Para as novas compras, o executivo diz que existem “algumas coisas óbvias”, como novas verticais nos EUA – “que é o nosso maior mercado e tem muito espaço para crescer” – e uma maior presença na Europa. “Falamos que 10% da receita vem da Europa, mas estamos apenas no Reino Unido e em Portugal. Ainda temos grandes mercados para explorar”.

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Apesar da intenção de fazer um follow-on, as ações da CI&T ainda acumulam uma queda de cerca de 70% desde o seu pico, logo após a abertura de capital. A empresa foi listada a US$ 15 em novembro de 2021 e o papel subiu 20% no primeiro dia, mas o humor do mercado mudou completamente e a ação hoje é negociada na casa dos US$ 6, depois de ter batido nos US$ 3,50 em maio. O CEO minimiza o tombo e diz que a tendência é de recuperação. “Voltando para condições mais normais, a gente volta para parâmetros mais corretos de precificação também. O que a gente consegue controlar é a performance, a geração de caixa, e no longo prazo o valor da ação vai refletir a qualidade da empresa. Apesar de no curto prazo ter um descasamento, a gente equaciona isso com mais alguns bons trimestres de crescimento”.

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.