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A construtora Tenda terminou 2023, ano que marcou o turnaround financeiro imposto pela crise vivida pela companhia entre 2021 e 2022, com algumas lições bem aprendidas. A mais fundamental delas – especialmente em um país como o Brasil – é que é preciso manter uma dose de cautela nos períodos em que o mercado está muito otimista.
O que pegou a Tenda no contrapé foi a virada de cenário abrupta provocada pela pandemia, que chegou em um momento em que a empresa operava a pleno vapor. A inflação, cuja projeção em 2020 estava na casa dos 5%, disparou: no caso da inflação efetiva da construção civil, para algo entre 30% e 40%. Por atuar em um segmento onde a demanda é muito forte — a baixa renda, atendida principalmente pela faixa 1 do programa Minha Casa, Minha Vida –, a Tenda estava com os lançamentos todos vendidos e tinha pela frente três anos para construí-los e entregá-los. Só que o custo, ao longo da construção, ficou muito mais alto do que a receita.
“Em todo projeto, toda unidade que eu construí, eu perdi o dinheiro. Eu olhava para frente e sabia que iria perder dinheiro durante três anos”, lembra ao IM Business o CEO da Tenda, Rodrigo Osmo. A saída foi uma renegociação de dívida junto aos credores e uma contração importante no número de lançamentos. “Não tinha o que fazer, porque a alternativa era a gente dar um default nos clientes, que é algo que a gente não faria”, diz Osmo.
Ao longo de 2023, a empresa colocou a casa em ordem: reduziu a alavancagem, retomou os lançamentos e , mais importante, criou “guard rails”, mecanismos de proteção com o objetivo de evitar crises semelhantes no futuro e, ao mesmo tempo, recuperar a confiança do investidor. “ A gente tem um exercício de gestão que a gente fez muito nesse momento, que é o post mortem. A gente junta uma quantidade de pessoas inteligentes na sala que participaram do problema para entender o que fizemos de errado e o que poderíamos ter feito diferente”, conta Osmo. Ao final de mais de 20 sessões desse tipo, a empresa criou as novas regras de negócio e controles. Os mais importantes são: definir uma velocidade de vendas que não seja excessivamente rápida; uma margem bruta mínima para os lançamentos de novos projetos; e a estratégia de adquirir terrenos com o compromisso de pagamento vinculado ao lançamento.
“Como a gente tem uma demanda infinita, a nossa velocidade de vendas era altíssima. E aí não tínhamos estoque. E a gente chegou à conclusão de que era importante que possam ajudar a recuperar a margem caso haja algum descalibramento rápido dos custos”, explica o executivo. Do lado da margem, a empresa inverteu a lógica que, antes, era de uma margem baixa e um giro muito alto. “Hoje, eu prefiro ter uma margem alta e um giro baixo do que o contrário”, diz Osmo. A empresa definiu como margem bruta rasa mínima de 28%, acima dos 22% ou 23% praticados em 2021.
Para enfrentar os problemas gerados na virada de cenário pós-pandemia, a empresa fez uma série de ajustes que ajudaram a reduzir o nível de alavancagem em quase 100 pontos percentuais: a companhia começou 2023 com um índice de 130% de dívida líquida sobre ECT e terminou o ano perto de 40%. “Ainda não é o patamar que a gente entende como sendo ideal, a gente gostaria de estar abaixo de 10%, mas já é uma evolução”, afirma Osmo.
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Para isso, a empresa fez um esforço operacional, reduziu o capital social, passou a vender recebíveis – a Tenda chegou a vender liquidamente cerca de R$ 300 milhões de recebíveis. “Conforme a gente foi provando para o mercado que a nossa tese de turnaround era uma tese vencedora, a gente foi muito premiado em termos de preço de ação”, diz Osmo. Isso viabilizou o follow-on em setembro, a última operação desse tipo no mercado no ano, na qual a companhia levantou R$ 235 milhões. Os recursos foram destinados à quitação de dívidas mais caras, que foram substituídas por outras de custo mais baixo e prazo maior.
Com a casa em ordem, a Tenda tem mais fôlego para surfar a onda que hoje parece uma das mais favoráveis do setor: o foco que o atual governo tem no programa MCMV. “A gente teve, no terceiro trimestre deste ano 63 % das nossas vendas para famílias de até um salário mínimo. Quando a gente olha as outras empresas de capital aberto, esse número está mais próximo de 10%”, diz Osmo. “Isso é importante porque o foco deste governo é incentivar o segmento voltado para essa renda. A gente está super bem posicionado.”
Osmo relativiza o risco político dessa estratégia: uma mudança de governo ou de incentivo para o programa que hoje coloca a empresa em uma maré positiva. “A nossa vocação é ser o player mais acessível do mercado. Então, se em algum momento a faixa 1 se mostrar um mercado inviável, a gente provavelmente não vai atuar nesse segmento. Mas vamos sempre ser a opção mais acessível do mercado”, diz. “O nosso target de renda é R$ 400, R$ 500 abaixo da renda média atendida pelo nosso concorrente mais próximo.”
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Nesse contexto, a Tenda vê como um projeto promissor a Alea, empresa de off-site construction, também voltada para casas populares. Trata-se de uma empresa que constrói as casas em uma fábrica para depois montá-las com mais agilidade. “Cerca de 90% do trabalho acontece na fábrica e 10% ou 20% no canteiro de obras”, explica. Segundo Osmo, a demanda por casas é muito mais alta fora dos grandes centros. “Fora de São Paulo , cerca de 70% da demanda é para casas, não para prédios”, diz.
A solução da construção off-site resolve um problema de custo do projeto – que não tem a vantagem da escala que se tem na construção de um prédio. “Num prédio você tem um gabarito, que é a unidade no térreo. Mas cada casa está em cima de um terreno diferente. Só que quando você tira toda a complexidade e joga numa fábrica que produz o tempo todo a mesma coisa, você tem replicabilidade, tem padronização, consegue ter qualidade numa execução que você não conseguiria ter no canteiro. Então essa é a grande aposta estratégica da Tenda”, diz
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