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A afinidade com a aviação vem desde criança. Em sua infância, ainda no México, Roberto Alvo tinha o hábito de subir até o terraço do edifício onde morava para ver os aviões passarem no final da tarde. “Sabia até de onde vinham”, relembra. Mas o que ele não sabia era que, dali a décadas, tendo o Chile como nova casa, se tornaria presidente da maior companhia aérea da América Latina. Já são mais de 20 anos na Latam, quatro como CEO.
O percurso no alto comando da empresa começou turbulento. Alvo assumiu o cargo logo no começo da pandemia da Covid-19, que praticamente impossibilitou a aérea de voar. E estava há menos de dois meses na presidência quando a companhia pediu proteção contra credores pelo Chapter 11 da lei de falência dos Estados Unidos, o equivalente a uma recuperação judicial no Brasil.
“Ninguém quer ficar no Chapter 11. Os nossos acionistas perderam tudo, foi terrível. Mas certamente a companhia saiu fortalecida”, diz Alvo.
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Ter apostado em uma reestruturação logo no início da pandemia – e antes da concorrência aderir a movimentos semelhantes – deixou a Latam mais vantajosa, avalia o executivo. Com o respaldo do Chapter 11, a companhia ganhou poder para desfazer contratos de forma unilateral, num momento em que as aéreas buscavam reduzir suas frotas, mas os “lessores” (arrendatários) não queriam receber as aeronaves de volta. O movimento também foi crucial para que a companhia conseguisse reduzir custos.
“Hoje, outras companhias que entram no Chapter 11 não têm mais essa oportunidade, porque a dinâmica de oferta e demanda de aviões mudou completamente”, destaca o executivo. Pelo contrário, no momento atual, as aéreas têm dificuldades em ampliar capacidades por conta de atrasos nas entregas de aeronaves.
A Latam saiu do Chapter 11 em novembro de 2022 e, desde então, tem conseguido obter lucro trimestre após trimestre. Mas ainda faltava voltar com os ADRs (recibos de ações negociados em Bolsa nos Estados Unidos) para a New York Stock Exchange (Nyse), o que ocorreu há pouco tempo, no último mês de julho. Algumas horas antes de falar ao InfoMoney, Alvo havia tocado a campainha que dá início às negociações do pregão americano junto com a alta cúpula da Latam.
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“Negociar ações na Bolsa de Nova York possibilita que a maior comunidade de investimentos do mundo invista na companhia”, afirmou. A quase meia hora de conversa com a nossa reportagem, porém, teve a operação brasileira – que responde à metade dos negócios da Latam – como principal tema.
Esta entrevista faz parte do Guideline, série de entrevistas do InfoMoney com executivos e especialistas de referência sobre visões estratégicas em diferentes setores. Confira as entrevistas já publicadas:
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InfoMoney: De que forma buscar proteção contra credores para reestruturar a companhia, antes das concorrentes fazerem o mesmo, deu vantagem competitiva à Latam?
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Roberto Alvo: A reestruturação interna que fizemos deixou a companhia muito mais simples. Aproveitamos as circunstâncias para reduzir o nosso custo de maneira significativa, ao mesmo tempo em que saímos muito mais focados em nossos clientes. Vou ser muito honesto com você: acho que a Latam não era uma companhia muito consciente de seus clientes antes da pandemia. Como muitas empresas, 80% do nosso esforço era venda, 20% era servir. Hoje estamos mais equilibrados, mas ainda não estamos onde gostaríamos de estar. Peço desculpas, inclusive, por nem sempre fazermos o melhor trabalho. Esse é o desafio mais profundo que temos hoje.
InfoMoney: Você acredita que o ganho de participação de mercado da Latam pode ser impactado por uma fusão entre Gol e Azul?
Roberto Alvo: Não acho que uma coisa esteja, necessariamente, relacionada à outra. O market share não é o fim, é a consequência de uma proposta de valor melhor para os clientes. Nosso avanço é consequência de muitas decisões pequenas que tomamos no dia a dia, para melhorar a nossa posição. Sobre os rumores que escutamos no mercado [a fusão entre Gol e Azul], eu prefiro não comentar. Vamos ver o que vai acontecer primeiro. A Gol está no Chapter 11, a Azul, em uma situação financeira complexa. Acho que não vale a pena especular.
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IM: Como você olha para possíveis impactos da reforma tributária brasileira nos negócios da Latam?
RA: Acho que a simplificação tributária é necessária, mas os impactos sobre o nosso setor seriam bem diferentes do que ocorre no resto do mundo. O Brasil teria um dos impostos mais caros para essa indústria no mundo, o que se somaria ao combustível de aviação mais caro e a judicialização gigantesca que existe no país. Além de não colaborar com o desenvolvimento da indústria, esses fatores reduzem a mobilidade dos brasileiros. E o pior: a reforma tributária afeta mais as empresas brasileiras do que as estrangeiras. O nosso percentual de venda no Brasil, por exemplo, é maior que o da American Airlines ou Lufthansa. Elas vendem passagem na Europa, onde não tem imposto. Mas tenho confiança de que os legisladores vão olhar para as dificuldades dessa indústria.
IM: Qual é sua visão sobre a ajuda às aéreas que o governo brasileiro propõe via Fundo Nacional da Aviação?
RA: Nós ficamos no Chapter 11 porque o governo não ajudou as companhias aéreas. Por que ajudar agora que a demanda se recuperou? Se a ajuda de fato vier, vamos avaliar o que faz sentido ou não para a Latam. Hoje, acho que faz mais sentido uma política pública para desenvolver o mercado de SAF [sigla em inglês para combustível sustentável de aviação] do que ajudar as companhias aéreas. O Brasil tem, provavelmente, as melhores características do mundo para produzir SAF de maneira eficiente, com muita experiência com a produção de biocombustíveis. O Congresso estabeleceu que 1% do combustível de aviação do mercado doméstico seja com SAF a partir de 2027 e chegue a 10% em 2035. Mas o SAF tem o dobro do preço do combustível tradicional e isso vai aumentar os nossos custos, e termina sendo repassado para as passagens, afetando sobretudo os brasileiros com menos capacidade de voar. É algo que vai no sentido contrário do que quer o Voa Brasil – fazer com que o brasileiro com menos recursos possa viajar. O SAF é, sim, o caminho que mais faz sentido para a descarbonização do setor aéreo, mas políticas públicas são necessárias para o desenvolvimento dessa indústria.
IM: E como você avalia os estímulos do governo à aviação regional e à compra de aeronaves da Embraer?
RA: Nós estamos olhando sempre para alternativas. Eu gosto muito da Embraer e acho que é uma possibilidade real que, no futuro, a Latam tenha uma de suas aeronaves na frota. Hoje nós temos o Airbus A319, que é do mesmo tamanho, e o Airbus A220. Pensamos nas melhores alternativas para o grupo e temos, sim, capacidade de investir no desenvolvimento da aviação em mais cidades do Brasil.
A reportagem viajou para Nova York a convite da Latam
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