Conteúdo editorial apoiado por

Ainda pequena, indústria de games no Brasil começa a “virar jogo” no cenário global

Segmento dá passos largos em profissionalização dos negócios e reconhecimento no exterior

Daniela Rocha

Publicidade

O Brasil é top 5 no mundo em número de jogadores de games e top 10 em receitas de jogos – cuja esmagadora maioria vem de empresas estrangeiras, segundo levantamento mais recente da consultoria Newzoo, que monitora o segmento globalmente. A categoria movimentou US$ 2,7 bilhões em 2022 no país e a previsão é de chegar a US$ 3,5 bilhões em 2025.

Leia mais: Como a Asus quer vencer o jogo dos notebooks gamers no Brasil

Os jogos digitais tornaram-se uma das formas mais populares de entretenimento no Brasil. A Pesquisa Game Brasil 2024, desenvolvida pelo Sioux Group e Go Gamers, em parceria com a Blend New Research e ESPM, indica que 73,9% dos brasileiros têm o costume de jogar jogos eletrônicos, um crescimento de 3,8 pontos percentuais em relação à edição do ano passado. Hoje, os dispositivos preferidos para jogar são smartphones (usados por 48,8% das pessoas), seguidos por consoles de videogame e computador ou notebook.

Continua depois da publicidade

Indústria de games. Crédito: Getty Images

O país é vencedor em demanda, mas do lado da oferta, o jogo começa a mudar. A indústria brasileira de games, que ainda é pequena, pavimenta o caminho para também ganhar relevância na produção dentro do cenário global.

Existem 1.042 estúdios de desenvolvimento de games ativos no país, que tiveram um faturamento estimado de US$ 252,6 milhões em 2022. Para dimensionar, isso representa quase 10% do consumo total dos jogadores brasileiros, o que demonstra grande espaço para evolução. No entanto, chama atenção que 65% dessas empresas também tem receitas do exterior. Os dados são de um mapeamento da Abragames (Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Games) divulgado em 2023. Nos últimos 5 anos, o número de estúdios avançou 177%.

“Vemos um crescimento no Brasil de forma sustentável. Estamos em um momento de amadurecimento, de um setor cada vez mais profissionalizado, diferente do que era há 10, 15 anos”, diz Rodrigo Terra, presidente da Abragames.

Continua depois da publicidade

Rodrigo Terra, presidente da Abragames. Crédito: Divulgação

Foi feito um estudo com amostra significativa de estúdios que revela um nível maior de maturidade dos negócios. De acordo com a Abragames, as empresas estão mais longevas, de modo que 45% delas têm entre 5 e 15 anos. O levantamento destaca ainda que a maioria dos estúdios nacionais (93%) desenvolveu propriedades intelectuais próprias (PIs).

Além de desenvolver seus próprios jogos, 51% dos estúdios brasileiros prestam serviços para terceiros. Com a crise das techs e os layoffs lá fora, a demanda por terceirização foi uma saída posterior. “A gente começa a ocupar espaços. Para uma companhia americana, é mais fácil contratar empresas brasileiras, ainda mais com o real desvalorizado frente ao dólar”, analisa Fernando Chamis, sócio e diretor da Webcore Games.

O setor tem alto nível de formalização (86% têm CNPJ), sendo que 60% destes são microempreendedores individuais (MEIs) ou microempresas e faturam até R$ 360 mil por ano. A faixa de faturamento entre R$ 360 mil e R$ 1,8 milhão subiu de 23% para quase 28% das empresas, de 2021 para 2022.

Continua depois da publicidade

Apesar desses avanços, a principal fonte privada de recursos dos estúdios de games vem dos fundadores, família ou amigos, representando uma fatia de 46% e seguida por investimentos de publicadoras internacionais (16%). Apenas 8% tiveram investimento anjo e 5% receberam aportes de fundos de venture capital.

Assim, o setor busca entrar no radar dos investidores. “Fazemos um trabalho educativo no mercado de capitais. O setor de games precisa ser desmistificado, pois existem investidores, mas a quantidade de aportes e volumes de recursos ainda são incipientes”, ressalta Terra, da Abragames.

De acordo com ele, tem empresas formadas por 3 a 10 pessoas, já com jogos ganhando visibilidade no mercado e que, por exemplo, a partir de investimentos-anjo, que não precisam ser tão elevados, poderiam se desenvolver ainda mais.

Continua depois da publicidade

Em relação às principais fontes de financiamento públicas, destacam-se editais de jogos digitais (27% das empresas), editais públicos de audiovisual (18%), editais de outras áreas como tecnologia (11%) e incentivos fiscais como leis de apoio à cultura e inovação (4%).

Virando o jogo

Mesmo ainda pequeno, o setor de estúdios de games começa a ganhar mais visibilidade no contexto global, a partir de cases de sucesso. A Wildlife se tornou o primeiro unicórnio do Brasil nesse mercado em 2019 e tem hoje um portfólio com mais de 60 games, entre eles o Tennis Clash, de partidas de tênis, o Zooba, uma batalha com animais do zoológico, e o Sniper 3D.

Recentemente, algumas desenvolvedoras brasileiras captaram recursos de grandes empresas estrangeiras. Por exemplo, em 2023, a Aquiris recebeu investimento da americana Epic Games – gigante que opera o Fortnite, um dos maiores jogos do mundo –, e se tornará o primeiro estúdio da marca na América Latina. Fundada em 2007 em Porto Alegre, a Aquiris é mais reconhecida pela franquia Horizon Chase, jogo de corrida de carros. Em 2022, a Room 8 Group, desenvolvedora global com base no Chipre, adquiriu o estúdio brasileiro Puga, com sede em Recife.

Leia mais: Vale investir em ações de games? Papéis vão de disparada a “game over”

Somado a esses movimentos, o Programa Brasil Games de Exportação, em parceria com a Apex, já leva há mais de uma década os produtores de jogos para dialogar com companhias estrangeiras e novos mercados.

“Game é a mídia mais fácil de ser internacionalizada, mais do que livros ou música. A barreira de entrada para vender um jogo globalmente é muito baixa, principalmente para jogos mobile. O desafio é ter games bons para vender diante da elevada concorrência”, diz Chamis, da Webcore Games. Segundo ele, mesmo quem produz jogos para brasileiros já costuma fazer versões em inglês visando o exterior.

As empresas brasileiras estão ativas em feiras, congressos e rodadas internacionais de negócios, segundo Rodrigo Terra, presidente da Abragames. Na outra ponta, as feiras brasileiras têm atraído players globais. E, pela primeira vez, o Brasil foi sede da Gamescom, o maior evento de games do mundo, que aconteceu em junho na São Paulo Expo, passando a fazer parte do calendário anual como uma vitrine também dos estúdios brasileiros.

Legislação própria e incentivos

Outro avanço é que, em maio deste ano, foi publicado no Diário Oficial da União o Marco Legal dos Jogos Eletrônicos (Lei 14.852/24), que é considerado uma base para o desenvolvimento do setor e atratividade de mais recursos.

A lei define que a indústria de games está inserida no contexto da economia criativa, inovação, cultura, arte e tecnologia de ponta, totalmente desvinculada da categoria de jogos de azar, caça-níqueis e ou apostas. Entre outros pontos, as empresas de games podem se enquadrar no Inova Simples, processo simplificado de formalização de indutores de avanços tecnológicos, e dá maior transparência sobre a possibilidade de uso de benefícios da Lei do Audiovisual (8.685/93) e da Lei Rouanet (8.313/91).

O Marco legal também determina que o Estado deverá apoiar a formação de recursos humanos para a indústria de jogos. “Game é cultura e o Brasil demorou para entender isso. O Marco Legal é um passo importante para indústria, tanto pelo reconhecimento institucional quanto pelo fomento”, avalia Ricardo Justus, CEO da Arvore, que é desenvolvedora.  

Indústria de games. Crédito: Getty Images

Para Matheus Vivan, CEO da Hermit Grab Game Studio, a regulamentação do setor traz mais confiança. “No caso de recursos públicos, o impacto pode ser mais rápido. Com relação aos recursos privados, ainda existe uma necessidade de os estúdios brasileiros elaborarem planos de negócios mais consistentes com indicadores. Essa indústria já movimenta capital consequente, mas é preciso mostrar de que forma pode multiplicar o dinheiro”, destaca.

Tudo isso pavimenta o caminho para o futuro. Após o setor ter sido impactado pela crise global das empresas de tecnologia, em meio à inflação resistente e juros elevados nas economias desenvolvidas, sobretudo nos Estados Unidos e Europa, a expectativa é de retorno de um fluxo maior de recursos de investidores, a partir do ciclo de flexibilização de políticas monetárias adiante.

De todo modo, há movimentos positivos por conta do forte componente inovador e do grande mercado brasileiro. Por exemplo, a Bossa Invest criou um comitê de games, em parceria com referências do setor, para se posicionar por meio de um fundo de venture capital focado em early stage (startups em estágio inicial). “Desde 2023, já avaliamos mais de 100 oportunidades e realizamos investimentos em duas empresas”, afirma Paulo Tomazela, da Bossa Invest. As empresas que receberam aportes são a QUByte, um estúdio independente que já desenvolveu mais de 100 jogos próprios e terceirizados, e a Mooney Edu, que oferece uma plataforma digital gamificada de educação financeira para escolas. A Bossa Invest planeja mais oito investimentos em desenvolvedoras de games até o final de 2025.

Hoje, a maior origem de receita da indústria de games no Brasil é entretenimento (86%), mas há outras avenidas de oportunidades como jogos educacionais, treinamento corporativo e advergames, desenvolvidos para divulgar marcas.

Conexão entre games e esporte

Há quase nove anos na estrada, a Hermit Crab Studio possui 90 profissionais. Ela foi fundada pelo ex-jogador de futebol Matheus Vivan, que às vésperas de se aposentar dos campos, vislumbrou o potencial de conectar as audiências de games e esportes. Ele teve atuação no Grêmio, Botafogo e grandes times europeus.

Matheus Vivan, CEO do Hermit Crab Studio. Crédito: Divulgação

“Trabalhamos com a temática de esportes sempre com uma marca licenciada. Por exemplo, nosso primeiro grande jogo foi o do Paris Saint-Germain, com a marca PSG e todos os atletas, incluindo o Neymar e depois entrou o Messi”, conta Matheus. Posteriormente, vieram os jogos do Barcelona, Arsenal e Manchester City.

Outra via de crescimento foi a entrada no metaverso, com um novo modelo de marcas de esportes. De 2021 para 2022, com o início dessa atuação, o faturamento saltou quase 400%. Já em 2023, o avanço foi de 15%.

“Por exemplo, somos a agência oficial de games do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), colocando o Time Brasil, o mascote Ginga e os patrocinadores nesse universo. Criamos um ponto de encontro e experiências dentro do Roblox”, diz. Segundo ele, o passo com o COB faz parte da estratégia de olhar para produtos mais voltados ao mercado nacional, usando os games como um canal de mídia, não só como entretenimento. “As empresas anunciam na TV, nas redes sociais e podem ter exposição nos games. É um canal interessante, as estatísticas mostram o tempo gasto pelos jogadores e o forte engajamento”, explica.

Hermit Crab Studios, agência oficial de games do Comitê Olímpico Brasileiro. Crédito: Divulgação

Segundo Matheus Vivan, a Hermit Crab Studio nasceu com investimentos que ele mesmo fez, conseguindo se tornar rentável. “Hoje, buscamos a consolidação de novos modelos mais escaláveis. No momento que forem validados, pode fazer sentido a busca por aporte financeiro de fundos”, avalia.

Referências do terror a treinamento no fast-food

A Webcore Games, que tem 20 anos e mais de 20 jogos lançados, nasceu como uma divisão de empresa de projetos para web e acabou se tornando um estúdio independente. “Hoje, trabalhamos com um mix de prestação de serviços e desenvolvimento de produtos autorais”, conta Fernando Chamis, sócio e diretor. A terceirização é uma base de segurança, bancando parte do desenvolvimento de produtos próprios. “O risco de lançamentos de produtos é maior, embora o potencial de retorno também seja grande”, comenta. O estúdio começou a funcionar com investimentos dos sócios e foi crescendo com suas próprias receitas.

A Webcore já ganhou alguns editais públicos. Um dos seus jogos mais famosos, o My Night Job, recebeu recursos da Spcine, empresa de cinema e audiovisual da cidade de São Paulo. É um game de ação inspirado no terror dos anos 80, com referências visuais e musicais de filmes como Hellraiser, A Hora do Pesadelo, Gremlins e Os Caça-Fantasmas.

Em serviços, o estúdio faz conteúdo, suporte e marketing para o jogo mobile Magic: Puzzle Quest. Outro case é a criação de jogos para treinamento dos funcionários do McDonald’s globalmente. “São simuladores para que aprendam, de forma rápida e divertida, a preparar batata frita e hambúrgueres”, destaca.

Fernando Chamis diz que depois de um 2022 estável, o faturamento dobrou em 2023. “Para 2024, nossa previsão é dobrar novamente, se não surgirem mais projetos até o final do ano. Por exemplo, estamos com projetos no Fortnite, fizemos para a Nike recentemente um jogo nessa plataforma”, conta.

Leia mais: O metaverso ruiu? Não, continua vivo em games e aplicações industriais

A Animus também mescla a produção de games autorais com outsourcing, atendendo companhias dos Estados Unidos, Emirados Árabes e China, entre outros. Até hoje, a empresa rodou com investimentos do fundador e sua geração de caixa. “Estamos crescendo, tanto que vamos contratar cinco novos profissionais, chegando a 40”, afirma Douglas Coelli, diretor de arte.

Entre os projetos, o Lavrynthos – experiência em realidade virtual no labirinto cretense, criado para esconder o Minotauro, com narração da atriz Alice Braga – foi finalista em 2021 no Festival Internacional de Cinema de Veneza. Em parceria com a Tencent, responsável pelo backend, a Animus desenvolveu o game Moon Tropica.

Com foco em realidade virtual e aumentada, o estúdio Arvore foi fundado em 2017 e, hoje possui 90 profissionais. Até o momento, já lançou cinco games de realidade virtual para plataformas como Meta Quest, PlayStation VR, HTC Vive e Steam VR, e também tem prestado serviços como a criação de “mundos” no Horizon Worlds, para a Meta.

Empreendendo na realidade virtual

Ricardo Justus, CEO da Arvore, afirma que ele e seu sócio trabalhavam na área de comunicação de uma empresa e, ao notarem o alto potencial do segmento, decidiram empreender. Antes de chegar ao mercado, fizeram um plano de negócios e buscaram investimento. O empresário já testava o Oculus Rift em 2013 quando foi lançado, antes da aquisição da empresa, o Oculus VR pela Meta.

“A gente conseguiu investimento de um fundo de venture capital. Nossa empresa foi avançando com rodadas da Indicator Capital até passar a crescer com receita gerada”, diz Justus. Ele destaca que para dar os cheques, o fundo analisou a qualificação dos fundadores e da equipe, bem como se tinham visão ambiciosa. “Eles queriam diferenciação e inovação, sendo que a realidade virtual estava ‘borbulhando’”, comenta.

A empresa tem três jogos da série Pixel Ripped, na qual o jogador vira uma criança que entra no mundo dos jogos. O estúdio lançou também a experiência interativa A Linha (The Line), uma história de amor entre dois bonecos em miniatura na cidade de São Paulo em 1940, narrada pelo ator Rodrigo Santoro, que conquistou o Leão do Festival de Cinema de Veneza em 2019 e o Emmy Awards na categoria Inovação em Mídia Interativa em 2020. Já o jogo de VR Yuki, no qual o jogador entra na imaginação de uma criança e controla um boneco, chegou a ser finalista em 2022 do D.I.C.E Awards da Academia de Artes e Ciências Interativas, considerado o Oscar dos Games.

Empreendedor de Alta Performance

CURSO ONLINE

Rian Tavares revela o segredo para gestão empresarial baseada em método de atletas de alto desempenho.