Publicidade
Se você foi criança entre os anos 1980 e 1990, é provável que se lembre dos primórdios do mercado de videogames brasileiro – e da Tec Toy. A companhia, que nadou de braçada no segmento com a licença da Sega para fabricar o Master System no País, saiu dos holofotes em meio a uma grave crise financeira e à deslistagem de suas ações da bolsa – mas, sem aviso prévio, voltou ao noticiário na semana passada. E por um motivo inusitado.
Foi na alvorada da terceira geração de consoles – quando se jogava videogame usando um controle com dois botões e um conjunto de quatro setas ligado por fio à máquina que lia cartuchos de fita – que a empresa brasileira nasceu, explodiu em faturamento e foi ao chão.
A febre era tanta que o faturamento da companhia saltou de US$ 8 milhões em 1988, seu primeiro ano de operação, para US$ 66 milhões em 1989 – um crescimento de 725% para uma companhia que tinha 50% do faturamento atrelado ao Master System.
Continua depois da publicidade
Por trás da Tec Toy, criada em 1987, estavam o empresário e diretor da companhia, Daniel Dazcal, com uma participação societária minoritária; e a sócia majoritária Evadin, indústria brasileira de tecnologia da família Kryss que produzia marcas como Mitsubishi e Akai.
Léo Kryss – bilionário brasileiro que vendeu uma mansão nos Estados Unidos a Jeff Bezzos sem saber – era um dos executivos da Evadin nos anos 1990, junto do irmão Abe. Filho do fundador da Evadin, Kryss também foi um reconhecido operador de mercados daquele período.
O embate entre Kryss e Bezzos, tornado público na última semana pelo jornal The Wall Street Journal, levou uma onda de nostalgia e de interesse pelos rumos da Tec Toy: afinal, que fim levou a empresa? Conheça a saga da companhia em cinco atos:
Continua depois da publicidade
Primeiro ato: a alvorada dos videogames
Além dos sucessos da marca Sega produzidos pela Tec Toy na Zona Franca de Manaus, que incluíram ainda consoles como o Mega Drive, a empresa adotava uma forte estratégia de lançamentos, com um acumulado de 696 unidades diferentes de produtos chegando ao mercado entre 1988 e 1993. Embora os videogames fossem, de longe, as principais linhas da companhia, com cerca de 85 mil unidades vendidas em 1989, outros sucessos como os brinquedos Cante Comigo e Pense Bem também compunham seu portfólio.
Em uma entrevista ao Estadão em 1988, Daniel Dazcal previa que o mercado em que estava entrando – de brinquedos com mais tecnologia agregada – ainda era inexplorado no Brasil, o que levaria a empresa a navegar livremente por algum tempo. No ano de 1992, o faturamento da Tec Toy bateu o da Estrela, líder no mercado de brinquedos do Brasil à época.
Em outra reportagem do Estadão, de 1992, Mario Adler, presidente da Estrela, argumentava que uma comparação entre as empresas seria injusta – já que, pelo seu cálculo, 80% do faturamento da Tec Toy viria da linha de brinquedos. Stéfano Arnhold, vice-presidente da Tec Toy à época, argumentava que esse número seria de 60%.
Continua depois da publicidade
Discussões sobre cálculos à parte, não demorou para que a própria Estrela fizesse o seu movimento em direção ao promissor mercado de videogames – as projeções eram de que ele poderia ser de US$ 250 milhões no Brasil, sozinho, o equivalente a quase um quarto do mercado de brinquedos.
Em 1993, a companhia fechou uma parceria com a Gradiente, uma das principais indústrias de eletrônicos do Brasil, para criar a Playtronic, licenciada da Nintendo para fabricar consoles como Super Nes, Nes e Game Boy.
As empresas protagonizaram a principal disputa pelo mercado de games naquele período, com elevados investimentos em marketing. Para se ter ideia, em 1995, a Playtronic já tinha o segundo maior volume de consoles de 16 bits vendidos no mercado brasileiro e investiu US$ 8 milhões do seu total de US$ 10 milhões dedicados a lançamentos em marketing. Com apenas 18 meses, a companhia já tinha um faturamento 20 vezes superior ao seu investimento inicial.
Continua depois da publicidade
Enquanto isso, a Tec Toy era dona da maior quantidade de aparelhos de videogame instalados no país: 1,7 milhão do total de 2 milhões, segundo reportagem. Diferentemente da Playtronic e sua parceria com a Nintendo, a Tec Toy mantinha uma estratégia de alto volume de lançamentos associado aos igualmente elevados gastos com marketing.
Segundo ato: a chegada ao mercado
No primeiro semestre de 1993, a Tec Toy fez a sua Oferta Pública Inicial (IPO), se lançando à Bolsa de Valores com a emissão de 20 bilhões de ações preferenciais, em uma injeção de cerca de US$ 20 milhões embalada pelos bons resultados dos anos anteriores.
A jornada como uma empresa listada, no entanto, logo começou a desandar. Em 1997, a empresa apresentou um pedido de concordata preventiva, justificando desempenhos ruins em função de aspectos da economia brasileira, como quedas de receitas, aumento das taxas de juros e dificuldade na obtenção de financiamento.
Apesar das alegações, a empresa já apresentava prejuízos subsequentes antes do pedido de concordata. Em 1994, o prejuízo foi de R$ 2,7 milhões; no ano seguinte, de R$ 9,3 milhões, e de R$ 13,5 milhões em 1996.
Na época, os irmãos Kryss ainda tinham 30% do capital da companhia. A família Dazcal, do fundador Daniel, possuía 25% das ações e a Steluc Participações, do fundo de investimentos estrangeiro Eagle, era dona de 46,67% das ações.
Terceiro ato: um plano de reestruturação
Como parte do seu plano de reestruturação, em 1998 a companhia reduziu seu quadro de funcionários em 70% e passou a focar esforços nas linhas de CD-Rom, brinquedos educativos e videogames. A planta de fabricação, que ocupava quatro praças, foi restrita a São Paulo e Manaus. O programa ainda levou a um aumento de capital de R$ 7,26 milhões, para R$ 10,11 milhões. Naquela altura, a fabricante lançava o Dreamcast no Brasil, em uma tentativa de concorrer com o Nintendo 64, fabricado pela Gradiente.
A disputa pelo mercado de games, no entanto, logo deu espaço para outros tipos de produtos. Eletrônicos como DVDs e karaokês aparecem em anúncios da Tec Toy em jornais no início dos anos 2000. A empresa, inclusive, mudou sua marca para TecToy, como parte de um esforço de reestruturação de imagem.
Quarto ato: o adeus à Bolsa
No documento de Oferta Pública de Aquisições (OPA) publicado em 2019, quando fechou seu capital, a então TecToy afirma que reformulou sua linha de produtos nos anos 2000 para se dedicar à comercialização de itens mais inovadores e de maior valor agregado, como tablets e baby care. “Em decorrência disso, a comercialização de tablets tornou-se seu principal segmento de atuação”, afirma o documento.
“Durante os exercícios de 2014 a 2018, a Companhia foi afetada por diversos aspectos desfavoráveis das conjunturas macroeconômicas brasileira e mundial, em um cenário econômico evidentemente instável”, diz o documento. Em 2016, realizou uma primeira tentativa de fechamento de capital – porém, sem sucesso.
Em 30 de junho de 2018, a empresa anotava um patrimônio líquido negativo de R$ 15,35 mil e capital circulante líquido negativo de R$ 14 mil na controladora e R$ 14,8 mil no consolidado. As principais dívidas eram com as sócias Eagle Brazil e Steluc Participações.
De 30 de outubro de 2017 a 13 de setembro de 2018, o preço médio ponderado das ações ordinárias da companhia era de R$ 2,19; para as ações preferenciais, R$ 1,79.
Quinto ato: volta por cima?
Nada menos que 35 anos depois de sua fundação, a Tec Toy seguia fabricando videogames como o Master System em sua única fábrica restante, em Manaus, além de consoles como Atari e Mega Drive, segundo uma entrevista de seu presidente em 2022, Valdeni Rodrigues. Na onda de produtos “vintage”, a produtora desenvolvia mais de 200 mil consoles por ano.
Na entrevista, Rodrigues afirmava que a empresa estava se lançando no segmento de automação, com a produção, por exemplo, de quiosques de check-out para varejistas, no momento em que os videogames e brinquedos já entravam em segundo plano para a produtora que foi o sucesso dos anos 1980 e 1990.
Ricardo Bellino ensina
Como negociar e Persuadir
Aprenda a arte da persuasão com um negociador de elite; saiba como influenciar e convencer pessoas com as estratégias de Ricardo Bellino, um dos maiores dealmakers do Brasil.