“Canalhas”, “ladrões”, “ratos”: as reclamações de escolas de samba do Rio sobre notas

A Grande Rio perdeu apenas um décimo e ficou com 269,9 pontos, e depois percebeu uma diferença entre as notas divulgadas na quarta-feira e as registradas pela Liesa

Estadão Conteúdo

Um folião da escola de samba Grande Rio se apresenta no Sambódromo durante o Carnaval no Rio de Janeiro, Brasil, em 5 de março de 2025. REUTERS/Tita Barros
Um folião da escola de samba Grande Rio se apresenta no Sambódromo durante o Carnaval no Rio de Janeiro, Brasil, em 5 de março de 2025. REUTERS/Tita Barros

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A apuração das notas do Carnaval do Rio de Janeiro, que sagrou a Beija-Flor como campeã, causou indignação a diferentes escolas, que reclamaram de tratamento diferenciado e de descontos mal justificados. As seis primeiras colocadas voltam a desfilar neste sábado, 8, no Sambódromo da Marquês de Sapucaí.

A Grande Rio, que ficou com o vice-campeonato, entrou com recurso junto à Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), organização responsável pelos desfiles, por ter percebido diferença entre as notas registradas pela Liesa no mapa de notas e as divulgadas na quarta-feira de cinzas. A agremiação de Duque de Caxias entendia que deveria dividir o primeiro lugar com a escola de Nilópolis.

A Liesa respondeu na sexta-feira, 7, que as notas seriam mantidas e que a Grande Rio continuaria vice-campeã; de acordo com a organização, houve erro de digitação no mapa de notas das escolas.

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A Unidos de Padre Miguel, que ficou em último lugar e foi rebaixada para a Série Ouro, também entrou com recurso na Liesa. A escola havia sido campeã do grupo de acesso em 2024. A agremiação da zona oeste do Rio apontou inconsistências nas justificativas apresentadas pelos jurados, como descontos dados por problemas em carros de som sob responsabilidade da organização do carnaval.

A Unidos também apontou “racismo religioso” na nota de uma jurada que reclamou do excesso de palavras em iorubá no samba-enredo. A escola disse que usou o dialeto africano em representação à sua cultura.

A Acadêmicos do Salgueiro, que ficou em 7° lugar e portanto não participa do Desfile das Campeãs, publicou críticas contundentes aos jurados. A escola do Andaraí disse que há “canalhas”, “ladrões” e “ratos” entre os julgadores.

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Mocidade, Vila Isabel e Tijuca também reclamaram do sistema de notas da Liesa. O Estadão entrou em contato com a Liesa, mas não recebeu resposta até a publicação deste texto. Veja abaixo as reclamações de cada escola.

Grande Rio pediu revisão das notas e primeiro lugar

O resultado do Carnaval carioca foi bem apertado: a Beija-Flor não teve descontos e ficou com 270 pontos; a Grande Rio perdeu apenas um décimo e ficou com 269,9 pontos. Ocorre que a agremiação de Duque de Caxias percebeu uma diferença entre as notas divulgadas na quarta-feira e as registradas pela Liesa no mapa de notas.

A discrepância seria no quesito bateria, o único em que a Grande Rio teve desconto. Na leitura dos resultados na quarta-feira, a escola levou duas notas 10 e duas 9,9. Como há descarte da nota mais baixa, a escola ficou com 29,9 no quesito – a Beija-Flor levou 30 pontos.

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Porém, no mapa de notas da Liesa, ficou registrado que a Grande Rio levou três notas 10 e uma nota 9,9. A agremiação reivindicava que essa nota 9,9 fosse descartada, o que levaria a um empate com a concorrente de Nilópolis.

A Liesa disse que houve erro de digitação no mapa de notas e que o resultado seria mantido. Os jurados devem apresentar justificativas por escrito dos descontos atribuídos às escolas e de fato, nesses documentos ficou claro que a agremiação levou duas penalidades.

As duas notas 9,9 foram atribuídas à bateria da Grande Rio pelos jurados Ary Jayme Cohen, que estava no módulo 2, e Geiza Carvalho, no módulo 4.

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“Na última convenção apresentada ainda no módulo do julgador no final da bateria com os atabaques, a resposta das caixas sugeriu uma imprecisão com efeito de (flam)”, justificou Cohen, ao descontar um décimo. No jargão dos ritmistas, flam significa que faltou sincronia na bateria, que “sobrou” algum naipe na retomada após bossas ou paradinhas.

Já Geiza reclamou dos curimbós: “Mestre Fafá, os curimbós soaram baixíssimos na apresentação da bateria no módulo 4. É importante adequar melhor os instrumentos inseridos no arranjo para que a perfeita execução das eventuais bossas e paradinhas possam ser executadas. Não houve projeção sonora do instrumento em questão, por isso foi descontado em 0,1”, justificou.

Nas redes sociais, o mestre Fafá, que comanda a bateria da escola, disse que o problema registrado por Geiza era das caixas de som da Sapucaí, não de seus instrumentistas. Ele postou um vídeo da arquibancada, em que Fafá afirmava que os curimbós podiam ser ouvidos perfeitamente. “Isso é uma falha mecânica e não da bateria”, disse ele.

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No manual dos julgadores da Liesa, a recomendação é que os jurados não levem em consideração “eventual pane no carro de som e/ou no sistema de sonorização da Passarela”.

Depois, mestre Fafá publicou outra mensagem, “de cabeça fria”. “Eu vi minha escola fazer o seu desfile mais lindo de sua história e ao mesmo tempo vi esse desfile perder, em uma disputa décimo a décimo, justamente no quesito que defendo”, escreveu. “Ao corpo de jul

O desfile da Grande Rio foi uma homenagem às águas do Pará: “Pororocas Parawaras: As Águas dos Meus Encantos nas Contas dos Curimbós”. Um dos destaques foi a rainha de bateria Paolla Oliveira, em sua despedida da passarela.

Os carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora esbanjaram luxo nas fantasias e alegorias e fizeram um desfile favorito ao título, de acordo com o repórter do Estadão Fábio Grellet.

Unidos de Padre Miguel questiona rebaixamento

A Unidos de Padre Miguel comemorava a volta à Sapucaí pela primeira vez desde 1972, depois de ser campeã da Série Ouro, o grupo de acesso do Carnaval carioca. A escola apresentou enredo sobre Iyá Nassô, uma das fundadoras do candomblé da Casa Branca do Engenho Velho, o primeiro terreiro do País.

O repórter do Estadão Fábio Grellet, que acompanhou os desfiles, afirmou que a agremiação era uma das que tinha chance de estar no Desfile das Campeãs deste sábado pelas fantasias luxuosas e alegorias caprichadas.

A agremiação da zona oeste do Rio, porém, sofreu com muitos descontos, principalmente nos quesitos de harmonia, alegorias e adereços, fantasias e comissão de frente. A pontuação final foi de 266,8, 1,1 ponto atrás da 11ª colocada, a Mocidade Independente de Padre Miguel.

O resultado causou indignação na escola e nas redes sociais. No X (antigo Twitter), usuários compartilharam a hashtag #FechadoscomPadreMiguel em apoio à agremiação.

A Unidos de Padre Miguel afirmou que entrou na avenida com a confiança de que seguiria no Grupo Especial, a elite do carnaval carioca. A escola comunicou que a competição principal é o seu lugar, pois apresentou um “desfile digno, vibrante e emocionante reconhecido pelo público e por tantos apaixonados pelo Carnaval”.

“Sabíamos que não seria fácil, reconhecemos que cometemos algumas falhas, mas nada que justificasse as notas tão baixas e injustas que recebemos”, afirmou a Unidos em nota. “O resultado do julgamento é inaceitável e não condiz com o que apresentamos na Avenida”.

A escola afirmou que entrou com recurso junto à Liesa para pedir revisão das notas. “A agremiação reforça que seu objetivo não é prejudicar qualquer outra escola, mas garantir uma avaliação justa e transparente”, comunicou.

Entre os questionamentos da Unidos, está o desconto por elementos alheios à responsabilidade da escola, como a falha técnica de um carro de som. A direção de Padre Miguel disse que houve “inconsistências graves” diante do “desfile grandioso” que apresentaram.

“A escola busca os meios adequados para contestar a decisão, sempre pautada no respeito, na isonomia e na valorização do trabalho de toda a sua comunidade”, afirmou. “A luta é por justiça e pelo reconhecimento do esforço de cada integrante que se dedicou para levar à Avenida um desfile digno da história da Unidos de Padre Miguel”.

Outra reclamação compartilhada pela escola é a de racismo religioso nos descontos dados por uma jurada em samba-enredo. Ana Paula Fernandes tirou 3 décimos da agremiação nesse quesito; uma das justificativas dela é que haveria um “excesso de termos em iorubá”, um dialeto africano.

Segundo ela, isso dificultaria o entendimento. Ana Paula também reclamou que a letra do samba era muito linear e que havia trechos confusos. Como 9,7 foi a nota mais baixa da Unidos em samba-enredo, essa nota foi descartada na pontuação final.

Diante da justificativa da jurada, a escola compartilhou um texto que aponta marginalização da cultura afro-brasileira.

“Nossa oralidade sagrada não é erro, não é excesso e muito menos pode ser silenciada! O que vimos foi a punição de uma escola que exaltou a história e resistência do primeiro terreiro de Candomblé do país”, diz o texto compartilhado. “O glossário enviado aos jurados pela Liesa demonstrava que havia total possibilidade de compreensão do enredo”.

De acordo com o manual da Liesa, os jurados devem considerar, ao analisar a letra do samba, “a adequação ao enredo; sua riqueza poética, beleza e bom gosto; sua adaptação à melodia, ou seja, o perfeito entrosamento dos seus versos com os desenhos melódicos”.

Salgueiro chama jurados de canalhas, ladrões e ratos

A Acadêmicos do Salgueiro foi a escola que usou as palavras mais fortes ao reclamar das notas dos jurados. A agremiação apresentou o enredo “Salgueiro de Corpo Fechado”, que percorreu as diferentes expressões de espiritualidade e rituais de proteção brasileiros.

A ala de passistas da escola venceu o prêmio Estandarte de Ouro do jornal O Globo e a agremiação tinha sido apontada pelo Estadão como uma das que tinha chance de voltar ao Desfile das Campeãs.

Mas a escola ficou em 7° lugar, com 269,2 pontos – dois décimos atrás de Viradouro, Portela e Mangueira, que desfilam neste sábado entre as Campeãs. O Salgueiro foi descontado em enredo, alegorias e adereços, fantasias e samba-enredo.

Em nota publicada após a apuração dos resultados, a escola não poupou palavras ao reclamar dos jurados. “Aos ladrões de plantão fica o aviso: o Salgueiro não irá se intimidar com essa quadrilha de canalhas que está tentando acabar com o Carnaval, prejudicando aqueles que trabalham com seriedade”, escreveu a diretoria.

“O Salgueiro, junto com outras escolas de samba, vai trabalhar para um Carnaval claro, limpo e justo, em respeito ao Carnaval e a todos os amantes da festa”, completou.

Depois, a agremiação do morro do Salgueiro publicou uma nova nota, esclarecendo que seus alvos não eram o presidente da Liesa Gabriel David, nem o coordenador de jurados, Thiago Farias. Ainda assim, a diretoria da escola voltou a usar termos contundentes.

“Confiamos plenamente na idoneidade do presidente Gabriel e de Thiago, e temos certeza de que a Liesa identificará e eliminará os ratos que estão manchando a imagem e a credibilidade do Carnaval Carioca”, escreveu.

O Salgueiro pediu que a liga das escolas reformule completamente o quadro de jurados e que implemente critérios de avaliação que permitam um “julgamento justo e transparente”.

“O Salgueiro acredita em mudanças reais para o Carnaval de 2026 e confia que, em breve, a Liesa tomará as providências necessárias para impedir que a maior festa popular do Brasil volte a ser alvo das canalhices que prejudicaram a nossa escola este ano”, comunicou. “Não aceitaremos, sob nenhuma circunstância, que o Carnaval continue refém de julgamentos sem critério, conduzidos por jurados amadores e despreparados”.

Mocidade questiona rejeição ao ‘novo’ e ao ‘diferente’

A Mocidade Independente de Padre Miguel amargou o 11° lugar, penúltimo na tabela do Grupo Especial. Os quesitos que mais perderam décimos foram enredo, fantasias, alegorias e adereços e comissão de frente.

A comissão havia chamado atenção do público na terceira noite de desfiles, com um robô gigante e painéis de LED. O componente venceu o prêmio Estandarte de Ouro do jornal O Globo.

O enredo “Voltando para o futuro – não há limites para sonhar” trouxe fantasias high-tech e referências à família Flintstones, aos Jetsons e a videogames. O conceito foi idealizado pelos carnavalescos Renato Lage e Márcia Lage. Ela morreu em janeiro, vítima de leucemia.

Depois da apuração, a escola demonstrou insatisfação em uma postagem nas redes sociais. De acordo com a diretoria, os jurados favoreceram visões mais tradicionais do Carnaval.

“É desmotivante ter um julgamento com olhar que não aceita o que é novo e o que é diferente. Ter quesitos aclamados por todos e, que mesmo assim, ainda são penalizados na hora das notas, dói no coração da nossa Estrela”, escreveu.

Na nota, a Mocidade se apresenta como diferente, inovadora e pioneira.

“Se, anos atrás, inventamos a paradinha, se fomos os únicos campeões contando a própria história, reinventamos a estética, mudamos paradigmas e criamos tendências, não vai ser agora que deixaremos de erguer nossa bandeira e plantar nossa raiz. Aos Independentes, provamos que toda Estrela pode Renascer”, comunicou a escola.

Outra reclamação da agremiação foi a diferença no tratamento entre escolas, especialmente no quesito evolução. A Mocidade recebeu uma nota 9,9 e outra 9,8 nesse componente. Uma das juradas afirmou que a escola evoluiu de forma irregular e que faltou empolgação aos destaques. Outro reparou em um “claro espaço” entre um carro e uma ala.

O quesito evolução, de acordo com o manual da Liesa, deve julgar “a fluência da apresentação”, “a espontaneidade, a criatividade, a empolgação e a vibração dos desfilantes” e “a coesão do desfile”.

A Mocidade se apresentou na terceira noite de desfiles; pela primeira vez, as escolas foram divididas em três apresentações. Os jurados deviam lançar suas notas na mesma noite, o que pode dificultar a comparação entre escolas.

Vila Isabel diz estar triste e insatisfeita

A Unidos de Vila Isabel desfilou com um enredo sobre assombrações e apresentou curupiras, sacis-pererês, boitatás, cucas e outras figuras assustadoras do folclore brasileiro. O conceito é do carnavalesco Paulo Barros.

Com 269,1 pontos, a escola ficou em 8° lugar e de fora do Desfile das Campeãs. As penalizações foram em samba-enredo, enredo e mestre-sala e porta-bandeira.

A agremiação do bairro de Noel Rosa disse que entregou um carnaval de excelência, que contradisse as notas atribuídas pelos jurados.

“A administração compartilha de um sentimento de tristeza e insatisfação diante do resultado. Entendemos que o grandioso espetáculo que apresentamos não condiz com o julgamento e a colocação recebida”, afirmou a diretoria.

Carnavalesco da Tijuca reclama da ‘estrutura’

A Unidos da Tijuca foi outra escola que ficou de fora do Desfile das Campeãs. A agremiação do morro do Borel ficou em 9° lugar, com 268,8 pontos. Alegorias e adereços, evolução e fantasias foram os mais penalizados.

A escola contou a história do orixá Logun-Edéz, desde sua origem na África até o renascimento no Brasil. A cantora Anitta foi uma das compositoras do samba-enredo. A cobertura do Estadão destacou a Tijuca como uma das escolas favoritas a voltar no sábado das Campeãs; a escola venceu o Estandarte de Ouro de melhor ala das baianas e melhor puxador.

O carnavalesco Edson Pereira foi às redes sociais para agradecer à comunidade do Borel por fazer um “lindo carnaval”. Ele fez críticas veladas ao julgamento dos desfiles.

“Não vou esmorecer, não vou deixar isso abalar a minha vontade de fazer cada vez mais pela nossa escola. Tenho certeza que nós venceremos toda essa estrutura que não nos favorece. Não deixaremos que nos calem, que nos deixem em posições que não nos cabem”, disse.