Governo exagera impacto da MP de Liberdade Econômica

Integrantes da equipe econômica prometem crescimento de 7% no PIB per capita e 3,7 milhões de empregos, mas os estudos nos quais estas estimativas se baseiam tem problemas metodológicos graves. Caso os exageros não se confirmem, eles podem se voltar contra a necessária agenda reformista.

Pedro Menezes

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Como diz um velho samba, falador passa mal. E se a população cobrar as promessas recentemente feitas pelo Ministério da Economia? Como ficará a reputação da agenda reformista?

A MP da Liberdade Econômica traz boas ideias. É muito importante ressaltar este ponto. A dispensa de alvarás para estabelecimentos de baixo risco não deveria ser alvo de controvérsia ideológica. É óbvio, banal: todos devem ter o direito de produzir valor econômico, de contribuir por um país mais rico. O princípio da livre iniciativa, não por acaso, está na Constituição.

Avançamos um pouco com a MP da Liberdade Econômica. O país avançou. Mas nenhuma boa ideia justifica o uso oportunista da ciência para gerar manchetes favoráveis ao governo.

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Me refiro ao estudo da Secretaria de Política Econômica que aparece nas palavras de diversos integrantes da equipe econômica, como os Paulos Uebel e Guedes. O leitor pode acessa-lo na íntegra através deste link e ler, na fonte primária, tudo o que aqui critico.

Com base nos resultados, o governo tem dito que a MP de Liberdade Econômica deve trazer 7% de crescimento no PIB per capita e 3,7 milhões de empregos. Trata-se de um exagero considerável, que não resiste a uma análise atenta do estudo associado.

Como o Ministério da Economia chegou nesses números

O estudo da Secretaria de Política Econômica que chegou a tais estimativas foi apresentado em apenas 5 páginas. Trata-se de um exercício estatístico muito simples, tão simples que não consegue fornecer qualquer estimativa sobre o caso.

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A primeira parte do estudo foi a realização de uma regressão em painel, buscando estimar a correlação entre o PIB per capita dos países e 5 dimensões de liberdade econômica afetadas pela MP. Nenhum outro fator inerente aos países foi considerado.

Isto é, o modelo parte da premissa de que todo o PIB per capita dos países é determinado por 5 fatores. Uma hipótese claramente absurda. Para fins de comparação, vale notar que economistas como Carlos Góes, meu colega no Instituto Mercado Popular, estudaram recentemente a relação entre a liberdade econômica de um país e seu PIB per capita.

A mera comparação entre as metodologias de Carlos Góes (cujo estudo está disponível aqui, no site do FMI) e do governo deixam claro quão maltratadas foram aquelas estimativas.

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A própria nota técnica da Secretaria de Política Econômica reforça a fragilidade dos números. Na parte final, a menos lida, referente a análise e metodologia do estudo, lê-se:

“Se mudanças nos indicadores de ambiente de negócios são sistematicamente acompanhadas de uma melhora mais abrangente no contexto institucional, nossas estimativas irão atribuir toda a melhora à variação do indicador. Acreditamos que o coeficiente apresentado na tabela 1 para o trabalho noturno deve estar sobrestimado exatamente por essa razão.’

Ou seja, o próprio governo reconhece que a regressão escolhida superestima o impacto da liberdade econômica no PIB. Mesmo assim, os resultados da regressão tem problemas claros: a correlação entre flexibilidade de trabalho noturno e PIB é estatisticamente igual a zero segundo o próprio modelo, caso se adote um nível de significância igual a 5%. A maioria das correlações encontradas não resistem a testes mais rígidos.

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Mesmo assim, como o governo encontrou estimativas tão elevadas? Por um motivo simples: apesar de todos os problemas até agora apontados, o estudo da Secretaria de Política Econômica faz uma barbeiragem injustificável para chegar nos números desejados.

Exagerar números ajuda o país?

Adicionalmente, o estudo da Secretaria de Política Econômica aponta que, com a Medida Provisória, o Brasil se igualaria em termos de liberdade econômica à média de Chile, Espanha, Itália, Coreia do Sul, Portugal e Uruguai. Esta hipótese absurda justifica os resultados.

Não há qualquer letra explicando porque a MP seria suficiente para levar o Brasil a este nível nos índices de liberdade econômica. Até porque o texto da MP mudou diversas vezes desde que o estudo da Secretaria de Política Econômica foi publicado, mas o governo continua usando os mesmos números para defender o projeto.

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Com base nesta hipótese improvável de que o Brasil passará a Espanha em liberdade econômica após a aprovação da MP, chega-se ao resultado final sobre PIB per capita com base nas precárias correlações anteriormente encontradas. Através da relação entre PIB e emprego, chega-se a quase 4 milhões de empregos.

Comecei o texto afirmando que concordo com o espírito da MP de Liberdade Econômica, mas preocupa o uso de estimações tão precárias para justificar a aprovação do projeto.

O estudo não sustenta sequer a afirmação de que o Brasil cresceria isso tudo caso avançasse em liberdade econômica, com essa MP e outras medidas. Na próxima medida na mesma direção (várias serão necessárias para avançar tanto quanto Paulo Guedes quer), novos estudos serão necessários.

O que dirá a população, quando notar que o governo lhe promete milhões de empregos a cada novo projeto? Quanto tempo dura a paciência?

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Pedro Menezes

Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.