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Uma das primeiras publicações técnicas do Ministério da Economia no governo Bolsonaro aponta que, caso a reforma da previdência não seja aprovada nos próximos anos, uma forte recessão abaterá a economia brasileira a partir de 2020. A nova crise teria dimensão semelhante à de 2014-16.
A nota, publicada pela Secretaria de Política Econômica, não é assinada nominalmente. Pode ser lida aqui. O órgão, um dos mais estratégicos da equipe econômica federal, atualmente é comandado por Adolfo Sachsida.
As previsões do cenário sem reforma são catastróficas:
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- A taxa de crescimento anual tenderia a ser, em média, quase 3 pontos percentuais menor do que no cenário com reforma, ao longo dos próximos 4 anos;
- Sem reforma, “o Brasil já entraria em recessão a partir do segundo semestre de 2020, caminhando para perdas comparáveis às ocorridas no período 2014 a 2016.
- A renda média do brasileiro seria quase 6 mil reais menor, caso a reforma não passe.
- A diferença na geração de empregos entre os cenários é de 8 milhões de vagas. A taxa de desemprego sobe, no cenário sem reforma, de 12,3% para 15,1% entre 2018 e 2023; com reforma, cai para 8%.
- Sem reforma, os gastos seguem maiores que as receitas, com déficit primário de 1% do PIB em 2023. Com reforma, o orçamento é equilibrado em 2021 e o superávit primário chega a 1,1% do PIB em 2023.
- Taxa básica nominal de juros mais do que dobra em menos de 2 anos, chegando a 13,4% em 2020, no cenário sem reforma. A SELIC chegaria a 18,5% em 2023, nesse caso. Com aprovação da reforma, a previsão para 2023 cai para 5,6%.
- Sem reforma, a dívida pública entraria em trajetória explosiva, chegando a 102,3% do PIB em 2023. Com reforma, a dívida passaria a cair já em 2021, chegando a 76,1% do PIB em 2023.
- Traduzindo o economês, todos os itens acima significam a mesma coisa: sem reforma, a gente vai se ferrar; com reforma, a gente vai se dar bem.
Vale a pena parar para entender o que a equipe econômica está dizendo, e quanta credibilidade esse estudo merece.
Os números são resultados de uma simulação com base num modelo muito usado por economistas, conhecido pela sigla DSGE, que em português significa modelo estocástico e dinâmico de equilíbrio geral.
A não-aprovação da reforma da previdência levaria a uma piora do déficit público, e consequentemente a aumentos da dívida pública, do risco-país e da taxa de juros, o que tende a reduzir a taxa de crescimento econômico, o que levaria a uma piora do déficit público, e consequentemente a aumentos da dívida pública, do risco-país e da taxa de juros, o que tende a reduzir a taxa de crescimento econômico… Para prever o impacto da reforma na economia, é preciso levar em conta as múltiplas e simultâneas interações entre várias variáveis.
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Um modelo de equilíbrio simula uma economia de forma genérica e resumida, levando em conta a relação de diversas variáveis relevantes, umas com as outras. O objetivo é simular muitos fenômenos econômicos interdependentes.
O modelo é inicialmente calibrado com dados já consolidados do passado e, a partir dessa base, tenta entender como a economia reagiria a diversos cenários possíveis no futuro.
Modelos de equilíbrio geral são comuns em todos os grandes bancos centrais e departamentos de economia do mundo. O Banco Central brasileiro, por exemplo, usa um modelo cujo nome é meio que uma piada: nossa moeda é gerida conforme o SAMBA, sigla para “Stochastic Analytical Model with a Bayesian Approach” – ou modelo estocástico analítico com uma abordagem bayesiana.
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Adolfo Sachsida, secretário de política econômica, afirma que o estudo usa “o que há de mais moderno tecnicamente”. Ele tem razão, desde que se façam duas ressalvas.
A primeira é que existem uma série de críticas boas a modelos DSGE. O último vencedor do Prêmio Nobel, Paul Romer, é o exemplo mais famoso. Especialista em crescimento econômico, ele publicou em 2016 um influente artigo criticando o uso de modelos DSGE. Os modelos DSGE de fato são muito usados e consideravelmente melhores que um chute, mas não são unanimidade.
Além disso, o objeto que o modelo tenta estudar é complexo demais. O estudo pode ser relevante como argumento a favor da reforma, por apontar um caminho provável caso ela não ocorra, mas pouco serve como previsão precisa dos dados. É importante que Sachsida use sua cautela de acadêmico ao comunicar os resultados.
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A segunda ressalva que deve ser feita é ainda mais grave: não há qualquer transparência nos números divulgados. A nota da Secretaria de Política Econômica é vazia, apenas relatando resultados. Só o tipo de modelo é informado, mas é possível construir um DSGE de diversas formas – qual foi o método adotado pelo governo?
As previsões podem até ser plausíveis. Concordo que um cenário catastrófico pode surgir caso a reforma não seja aprovada. Mas o estudo precisa divulgar seu método para ser levado a sério.
Sachsida publicou 28 artigos com estimações econométricas em periódicos acadêmicos entre 2011 e 2017, uma média de 4 por ano. Eu duvido que algum tenha 4 páginas, sem qualquer detalhe sobre o método utilizado, como é o caso da nota informativa que o governo publicou. Não faz sentido que uma publicação tão importante seja relegada a tanta superficialidade.
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Hoje, é muito fácil divulgar os dados e scripts de programação que levaram a determinada conclusão. É muito comum entre acadêmicos. Por que não podemos exigir o mesmo do governo brasileiro? Isso sim teria cara de Nova Era.
Em 2013, Adolfo Sachsida publicou um vídeo no YouTube com o seguinte título: “Ainda é possível evitar o desastre econômico que ocorrerá em 2015!”. Agora, a secretaria que ele comanda no Ministério da Economia diz que ainda é possível evitar a crise que ocorrerá em 2020. Por maior que seja sua competência e capacidade preditiva, o novo cargo exige mais transparência do que os tempos de youtuber.
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