Entenda em 5 gráficos por que você precisa perder “direitos” nas reformas

A Nova República é financeiramente insustentável. Mantido o atual regime, a insolvência do Estado brasileiro virá. Entenda em cinco gráficos porque o dinheiro acabou.

Pedro Menezes

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Os economistas estão bem preocupados com o assunto, mas poucos fora da bolha entendem o que eles estão falando: sem cortes de benefícios constitucionais, que não se limitam a meia dúzia de privilégios absurdos, o Estado brasileiro é inviável.

Muitos tem uma vaga noção de que o governo está quebrado, mas acreditam que é possível resolver o problema desagradando apenas a privilegiados, marajás, corruptos e afins. Se assim fosse, a solução provavelmente já teria aparecido.

O problema brasileiro é, essencialmente, derivado do adiamento de reformas. Esse adiamento contínuo é sintoma de uma sociedade pouco ciente do impasse e sua dimensão. Diversas tentativas de solucionar o problema pararam numa revolta popular. Conforme a bola de neve aumenta, o ajuste fica mais custoso.

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Escrevo aqui sobre o inevitável: todo e qualquer presidente eleito seria obrigado a cortar benefícios previstos constitucionalmente. Por que adoto um tom tão fatalista? O que tem deixado economistas tão preocupados? Meu objetivo com esse texto é justamente resumir a resposta em cinco gráficos simples.

Se você tiver boa intuição econômica, mas nunca se informou muito sobre o assunto, talvez lhe baste passar o olho nos gráficos. Se não, fique tranquilo, a comunicação por texto resiste, por incrível que pareça.

Gráfico 1: Nas últimas décadas, os gastos do governo aumentaram bem mais rápido que a renda dos brasileiros

O primeiro gráfico talvez seja o mais importante, porque apresenta o problema em sua raiz: os gastos do governo tem crescido descontroladamente.

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Repare o leitor que despesas e receitas estão medidas em porcentagem do PIB – e o PIB é só uma sigla para falarmos da renda nacional. Crescer como porcentagem do PIB é muito mais do que crescer em valores absolutos. O Estado pesa cada vez mais no bolso dos brasileiros. Nossa renda é cada vez menos suficiente para bancar o orçamento federal.

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O gráfico mostra também as receitas federais, que tem crescido mais do que o PIB. Graças a uma combinação de aumentos de impostos (principalmente no governo FHC) e conjuntura favorável (principalmente no governo Lula), o Brasil teve superávits nas contas públicas até 2014.

Essa transição do governo FHC para Lula foi o período de maior responsabilidade fiscal na história do país. Antes de 1997, sequer existia um orçamento federal merecedor desse nome, que pudesse apontar superávit ou déficit ao fim do ano.

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Por isso, há uma espécie de paradoxo no período Lula-FHC: ao mesmo tempo em que o gasto não parava de crescer, o Brasil viveu um período de superávits, redução da dívida pública e da taxa de juros. Mas será que podemos contar sempre com aumentos de impostos ou conjuntura favorável?

Gráfico 2: A “culpa” do aumento de gastos é de direitos constitucionais

Uma pergunta surge óbvia a partir daí: por que os gastos cresceram? Praticamente todo o aumento é explicado por três benefícios garantidos pela Constituição, especialmente aqueles vinculados ao INSS, o Regime Geral de Previdência Social.

O gráfico abaixo mostra novamente as despesas totais do governo, por isso leitor atento deve notar que a linha vermelha tem a mesma trajetória do gráfico anterior. A diferença é que as despesas agora saem do ponto 0%. O objetivo é mostrar a variação absoluta das despesas como % do PIB nos últimos anos.

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As despesas federais eram de 14% do PIB de 1997 e 19,5% do PIB de 2017, por isso o gráfico registra 5,5 pontos percentuais (19,5 menos 14 é 5,5) em 2017.

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O mesmo procedimento foi aplicado aos gastos com o Regime Geral de Previdência Social, Abono Salarial e LOAS/RMV. Não são benefícios constitucionais destinados a marajás, muito pelo contrário.

O que se vê é que a variação das despesas federais é quase toda explicada por essas três linhas do orçamento – que nem incluem funcionários públicos. Nada menos que 85,7% da variação (ou 4,74 do aumento de 5,53 pontos percentuais do PIB) foi para pagar por esses gastos, principalmente os do INSS. A responsabilidade pelo crescimento das despesas não é da saúde, educação ou do Bolsa Família – mas também não é só dos privilégios de políticos, juízes e afins.

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Gráfico 3: Não adianta cortar só da elite servidora. Você precisa fazer parte do ajuste.

Ok, os gastos aumentaram muito e isso aconteceu por conta de direitos constitucionais. O mais grave, porém, é que isso vai continuar acontecendo nos próximos anos. A Constituição promete mais do que a produção nacional consegue bancar.

O gráfico abaixo mostra as projeções do Congresso Nacional para as despesas com previdência de 2019 a 2040. São 22 anos, período mais ou menos parecido com o dos gráficos anteriores.

Uma diferença clara entre os gráficos é a presença de linhas retas, ao invés dos formatos confusos cheios de idas e vindas dos gráficos anteriores. Isso ocorre porque, numa projeção, os economistas assumem que as variáveis vão convergir para tendências de longo prazo. O objetivo não é prever a relação gasto/pib num ano específico, mas observar para onde os números vão nas próximas décadas.

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Somente os benefícios previdenciários do setor privado (INSS) devem crescer cerca de 4 pontos percentuais do PIB, significativamente mais do que no período 1997-2017. O mesmo tende a ocorrer com outros gastos da seguridade social, conforme o país fica mais idoso.

Em outras palavras, a mesma tendência de aumento de gastos vista em 1997-2017 segue forte como nunca para a temporada 2019-2040. Pelo mesmo motivo: o Regime Geral de Previdência, relativo ao setor privado.

A arrecadação previdenciária vai crescer em linha com o PIB, por isso anda de lado no gráfico. Espera-se, portanto, um estrangulamento progressivo do resto do orçamento para financiar a previdência – o que já está acontecendo. Em outras palavras, educação, saúde e outros gastos essenciais vão pagar essa conta – o que também já está acontecendo.

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É importante notar que o problema está nos direitos da maioria dos brasileiros – por isso assumi que você, leitor, dificilmente vai escapar da reforma. Os cortes precisam incluir a previdência do setor privado, o INSS, cujo teto já não deixa ninguém rico. Os gastos federais vão continuar crescendo descontroladamente enquanto você não perder alguns benefícios que a Constituição te promete. A culpa não é só dos privilégios.

Gráfico 4: É inviável que as receitas continuem crescendo no mesmo ritmo dos gastos

Ao povo o que é do povo, à técnica o que é da técnica: um economista pode apontar se o sistema A é mais ou menos sustentável que o B, se ele ajuda mais no crescimento e combate à desigualdade, mas cabe à sociedade tomar decisões políticas e escolher entre os regimes A e B. Portanto, o povo pode querer manter na Constituição tudo o que ela promete, obrigando o Estado a bancar. O problema brasileiro é que se tornou inviável continuar bancando o regime previdenciário.

Com o crescimento de gastos dos primeiros gráficos, o Estado brasileiro se tornou muito maior que a média da América Latina. Em geral, só nações da Europa tem Estados tão caros quanto o Brasil, um país jovem. No gráfico abaixo, comparo o número do Fiscal Monitor para todos os países emergentes da América Latina, mais a Bolívia. Somos os líderes em gasto e arrecadação estatal, como porcentagem do PIB. Já não há Estado maior que o nosso na vizinhança.

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No limite, romper esse rombo com impostos é enxugar gelo, dado que a principal característica do rombo brasileiro é o crescimento contínuo.

Já no fim do governo Lula, o aumento do Estado por aumento de impostos chegou a um esgotamento. Uma das maiores derrotas do petista foi o fim da CPMF, aprovada numa rebelião da supermaioria lulista de então.

Durante o governo Dilma, o esgotamento foi ainda mais claro e caro. Como fica claro no primeiro gráfico, foi sob Dilma que as receitas perderam completamente a capacidade de acompanhar as despesas, ainda que o processo seja perceptível já no fim do governo Lula.

Gráfico 5: Já no ano que vem, o Brasil deve se tornar o mais endividado dos países emergentes

Quando o governo gasta um real, ele necessariamente precisa financiar esse gasto. E existem três fontes de financiamento possíveis: emissão monetária, arrecadação de impostos ou endividamento.

Sob Lula e FHC, o Brasil financiou o aumento contínuo dos gastos com impostos. Dilma abre o cenário vigente hoje, no qual o governo adia reformas e banca o déficit com endividamento.

Um dado do último Fiscal Monitor, relatório do FMI sobre contas públicas, sugere fortemente que esse caminho já não é mais possível: em 2019, o Brasil deve conquistar o primeiro lugar entre as relações dívida/PIB de países emergentes.

Sem espaço para aumentar impostos ou se endividar, o Estado brasileiro tem duas alternativas: ajuste fiscal ou inflação. Ao longo de muitas décadas do século passado, escolhemos a segunda opção. A gente sabe no que deu.

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Pedro Menezes

Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.