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Gen Z, que odeia trabalho presencial, deve ocupar 70% das vagas de trabalho até 2030

Pesquisa mostra que aumento da entrada de novas gerações pode impedir a volta ao "velho normal" como muitas empresas gostariam

Anna França

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Recentemente um grande banco anunciou que iria cortar parte de seu pessoal. Um dos critérios utilizados seria dispensar, principalmente, quem não se dispunha a voltar ao trabalho 100% presencial. Exemplos como esse acendem uma luz vermelha gigantesca no painel dos departamentos de recursos humanos.

Afinal, vamos voltar ao “velho normal” ou não? A resposta para essa pergunta não é tão simples, porque ela passa pelas mudanças profundas operadas na sociedade durante a pandemia. No entanto, não há dúvidas entre os especialistas em recursos humanos de que o velho nunca mais será o normal. Especialmente porque o futuro do trabalho conta com uma variável importante que será preciso considerar: a mudança das gerações no comando e em diversos postos dentro das companhias, segundo Marisabel Ribeiro, diretora executiva de estratégias de talentos da Mercer, uma consultoria de carreira do grupo MarshMcLennan.

Com receita anual de US$ 4,5 bilhões, a consultoria norte-americana está presente em 140 países e faz um levantamento anual para detectar novas tendências. O Global Talent Trends 2024 indica que até 2030 a geração Z (dos nascidos depois do ano 2000) já responderá por um terço dos postos de trabalho e até 2025, ano que vem, a Geração Y (formada pelos nascidos depois dos anos 80) já estará com 70% das vagas. Com esse cenário, os planos de alguns setores de voltar completamente ao “velho normal” não devem vingar. Isso porque, segundo ela, essa nova geração tem uma posição muito mais consolidada sobre a importância da qualidade de vida e não vai abrir mão disso.

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Segundo a consultoria, diante desse cenário as empresas terão de mudar o foco nos próximos anos. Se antes o workaholic era um exemplo de resultado a ser perseguido, agora começam a ser valorizadas as condições de trabalho mais flexíveis que não levem o funcionário ao burnout. “A mudança mexe até com o foco das empresas, que antes era no cliente e agora precisa se concentrar em seus colaboradores em primeiro lugar”, diz Marisabel. Ela cita um dado da pesquisa que mostra que estratégias voltadas para pessoas geram resultados reais como a redução de 41% no absenteísmo (aquelas ausências constantes ao trabalho) e de 24% na rotatividade do quadro.

A especialista admite, no entanto, que há setores mais aderentes aos modelos voltados aos aspectos humanos e à flexibilidade como, por exemplo as startups e as consultorias. Por outro lado, há resistência entre empresas de serviços financeiros e companhias ligadas ao agronegócio. “Claro que a natureza do negócio interfere na decisão. Mas o avanço das novas gerações vai pressionar cada vez mais pela flexibilização em qualquer setor. O momento atual é de ajuste, porque já tivemos o 100% home office, o híbrido e a rebelião contra a volta ao presencial total”, diz a executiva.

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Dores da mudança geracional

Hoje quem está no comando em muitas organizações são pessoas da chamada geração X, formada pelos nascidos após 1965 até 1980. Para a especialista, essas pessoas até se acham jovens e modernas, mas não sabem como lidar com a geração Z, o que é um risco para a empresa na busca por talentos. A nova geração, em muitos casos, nem quer ser líder e ter toda a dor de cabeça de gerir equipes. Eles questionam se o esforço vale a pena e, muitas vezes, quando estão desmotivados nem falam sobre o assunto, o que deu origem a um fenômeno global denominado “quiet quitting”, ou demissão silenciosa, devido à falta total de engajamento no trabalho.

Tais características geracionais já estão interferindo na atração de talentos. As empresas de recrutamento estão com dificuldades para selecionar candidatos, mesmo para cargos altos em boas empresas. “A pessoa pode estar em uma empresa pequena, com salário menor, mas quando sabe que a vaga exige trabalho 100% presencial, ela nem quer ouvir a proposta”, disse Camilo Zanette  diretor-executivo da Croma Consultoria de Recursos Humanos.

A resistência à flexibilidade, porém, pode provocar uma piora nos resultados com os funcionários desmotivados saindo em busca de novas oportunidades. “Isso pode afetar a competitividade de uma empresa e reduzir sua atratividade para novos talentos”, na opinião de Zanette.  

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Híbrido x presencial

Segundo estudo Global Talent Trends 2024, até o final do ano passado 65% das empresas já estavam trabalhando em sistema híbrido, 23% no presencial total e 12% remoto total. Um bom indício de que a flexibilidade já começa a dar sinais de vigor foi a contratação de Brian Niccol como novo CEO da Starbucks. Isso porque o executivo exigiu o home office total, por morar na Califórnia, a 1,6 mil quilômetros da sede da empresa em Seattle. Claro que ele irá algumas vezes para a empresa, de avião particular, mas colocou em xeque o sistema presencial até mesmo nos altos cargos.

“As adaptações estão avançando em todos os níveis e hoje é comum ver escritórios às moscas nas sextas-feiras”, diz Marisabel. Mas a especialista não acredita que as empresas adotem tão rapidamente o sistema dos 4 dias de trabalho por semana, por exigir uma revisão mais profunda nos processos de trabalho. “Mesmo assim o ‘sextou’ que os funcionários dizem já é um indicativo de que, se a empresa não muda, os funcionários mudam assim mesmo”.

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro