O caso da produtividade desaparecida

O desempenho da produtividade tem sido ruim e reflete queda disseminada entre setores. Não é um obstáculo agora, mas será para a retomada mais forte à frente

Alexandre Schwartsman

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Não há dúvida de que vivemos a recuperação mais fraca de todas as registradas desde 1980, conforme indica o imprescindível trabalho do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (CODACE). Em 9 trimestres, desde o fim da Grande Recessão, o PIB cresceu pouco mais do que 3%.

Na média das sete recuperações anteriores, o Produto Interno Bruto havia crescido 9,5% no mesmo intervalo e, mesmo se limitarmos as observações às duas recessões longas e profundas (iniciadas em 1981 e 1989), o desempenho é também bastante inferior ao observado.

Assim, no primeiro trimestre deste ano, o PIB (medido pelo valor adicionado a preços básicos e, portanto, livre do efeito de tributos indiretos) ainda se achava 5% abaixo do registrado no primeiro trimestre de 2014, último do ciclo anterior de expansão.

Há, todavia, um aspecto relativamente pouco explorado. Em que pese a queda lenta do desemprego no período (de 13% para pouco menos de 12% em termos dessazonalizados), o nível de emprego supera hoje o vigente antes da crise.

Na série livre de influências sazonais, estimamos que o nível de emprego em maio deste ano atingiu 93 milhões de postos, não apenas bastante superior ao registrado no pior momento da crise (na casa de 89 milhões no começo de 2017), mas também acima do observado primeiro trimestre de 2015, 92 milhões.

Mesmo com flutuações ao longo do caminho, os números da PNAD sugerem a criação líquida de algo como 3,9 milhões de empregos de março de 2017 para cá.

É bem verdade que a imensa maioria (3 milhões) dos empregos líquidos gerados desde então se encontra nos segmentos informal (sem carteira assinada, 1,1 milhão) e conta própria (1,9 milhão). De qualquer forma, trata-se de expansão da ordem de 3% sobre o pior momento do mercado de trabalho e de 1% sobre o vigente no início de 2014, o fim do último ciclo de crescimento.

Isso ilustra um ponto crucial para nossas perspectivas de expansão à frente: o emprego cresceu, mesmo com o valor adicionado ainda 5% abaixo do registrado naquele momento, o que sugere forte queda da produtividade, concentrada ao longo do período recessivo.

A redução do produto por trabalhador durante a recessão não é surpreendente. Naturalmente, empresas evitam diminuir seus quadros na mesma proporção da queda da produção por conta dos custos envolvidos. Aqui não falamos apenas dos custos trabalhistas propriamente ditos (indenizações etc.), mas também da perda de mão de obra (arduamente) qualificada.

Assim, empresas podem optar (e frequentemente o fazem) por manter pessoal, à espera da próxima recuperação, o que leva ao menor produto por trabalhador.

Todavia, uma vez que a recuperação se inicia, esperamos que o contrário ocorra, isto é, durante algum tempo, empresas não precisam contratar trabalhadores porque preservaram seus quadros, mas a produção aumenta, de modo que o produto por trabalhador tenderia a subir.

É este o grande ausente da recuperação atual. Na prática, o valor adicionado por trabalhador não se distingue do observado ao fim da recessão, isto é, não parece haver qualquer aumento da produtividade.

Uma explicação possível seria a mudança da composição da economia, ou seja, trabalhadores saindo de setores de produtividade mais alta para os menos produtivos (onde presumivelmente se concentraria o trabalho não-formal), de tal maneira que a produtividade média seja “puxada” para baixo. Não é o caso, porém.

Com efeito, calculamos o valor adicionado por trabalhador em oito setores da economia buscando conciliar os dados das contas nacionais trimestrais com os dados de emprego da PNAD. Observamos que houve aumento do produto por trabalhador em apenas três dos oito setores desde 2016 (agropecuária, construção e comércio), enquanto os demais registraram queda de produtividade.

Decompondo a evolução da produtividade média em dois efeitos (variações da produtividade por setor e mudança na distribuição da mão de obra entre setores), concluímos que a queda da média se deve ao primeiro fator. A mudança no perfil de ocupação por setores contribuiu na direção oposta, sem compensar, contudo, o efeito da redução disseminada da produtividade.

Este fenômeno ajuda a compreender a (modesta) queda da taxa de desemprego, mesmo contra um pano de fundo de baixa expansão do PIB, sugerindo que o crescimento potencial da economia seria também pequeno em função do comportamento da produtividade.

Olhando à frente, isso não parece ser um problema para a redução da taxa de juros, uma vez que a folga hoje existente no país (desemprego alto, baixa ocupação da capacidade instalada) aponta para a capacidade de expansão além do potencial ainda por alguns anos.

Trata-se, no entanto, de problema sério quanto ao crescimento de longo prazo. Por enquanto, temos nos ocupado, por motivos óbvios, com reformas de natureza fiscal, mas o foco deverá mudar, tão cedo quanto possível, para uma agenda de produtividade, da qual a reforma tributária deverá ser peça central, embora não a única.

Seguimos assim condenados à reforma, tema seguramente menos divertido que a discussão sobre embaixadas, a Ancine, a prisão e a tortura de Miriam Leitão, bem como a relação com os governadores do Nordeste, mas, acredito, infinitamente mais relevante.

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Alexandre Schwartsman

Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.