Da velha à nova política: os 5 instrumentos nas mãos de Bolsonaro para aprovar a reforma da Previdência

Instalação de comissão na Câmara marca início da tramitação da proposta. Auxiliares do presidente calculam base de apoio de 260 votos, enquanto instrumentos de articulação da base começam a ser testados

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Após três semanas de espera, o texto da reforma da Previdência entregue pelo governo Jair Bolsonaro (PSL) ao Congresso Nacional deve iniciar sua tramitação legislativa na quarta-feira (13), com a instalação da CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) na Câmara dos Deputados.

É o pontapé inicial de uma batalha do Planalto em busca de uma base mínima de apoio de 308 deputados. Pelos cálculos de auxiliares do presidente, o governo teria 260 votos, faltando 48 para atingir o mínimo necessário – isso sem contar com a recomendável “gordura” para evitar riscos de derrota com inevitáveis traições.

Os números ainda não foram testados e, pela fala de líderes partidários, o governo ainda terá trabalho para organizar sua tropa até a votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) em plenário.

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Nos bastidores, não são poucas as manifestações de insatisfação com o trabalho dos articuladores políticos de Bolsonaro. Por outro lado, o presidente dispõe de ao menos quatro importantes instrumentos para tentar virar o jogo e construir uma rede de apoio suficiente à sua agenda, apesar de a natural impopularidade de reformas previdenciárias jogar contra. São eles:

1. Alterações no texto

É natural que o parlamento promova as alterações que julgar necessárias e convenientes nas propostas encaminhadas pelo Poder Executivo. No caso da reforma previdenciária, as expectativas são de que haja uma diluição sobre o impacto fiscal de R$ 1,16 trilhão em uma década, previsto inicialmente pelo governo.

O próprio presidente Jair Bolsonaro já indicou a possibilidade de revisão de alguns pontos da PEC apresentada, desde que a essência seja mantida. Em café com jornalistas em fevereiro, o mandatário disse que pode haver modificações nas regras propostas para o BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e deficientes com baixa renda, e que a idade mínima para aposentadoria de mulheres poderia recuar dos 62 anos previstos no texto para algo em torno de 60 anos.

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O ministro Paulo Guedes (Economia), porém, diz que a potência fiscal do texto original não pode ser perdida. Onyx Lorenzoni (Casa Civil) tem afirmado que a economia de R$ 1 trilhão é cláusula pétrea da reforma proposta. Caso tal posição se mantenha ao longo da tramitação da reforma no parlamento, o governo terá pequena margem de manobra para negociação com deputados e senadores.

A tabela abaixo revela uma estimativa para o impacto fiscal dos principais pontos da proposta apresentada pelo governo – e oferece indicações sobre o que pode ser posto à mesa junto aos congressistas:

A reforma na ponta do lápis:

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* Ainda não foi apresentada proposta para as Forças Armadas, mas a previsão de impacto fiscal consta em apresentação feita pelo governo sobre a PEC 6/2019 (Reforma da Previdência).
Fonte: MCM Consultores

2. Distribuição de cargos

A necessidade de construir uma base de pouco mais de 308 votos, para garantir a aprovação da reforma previdenciária mesmo com eventuais tradições, fazem com que Bolsonaro flerte com o que chamou durante a campanha eleitoral de “velha política”. A oferta de cargos no governo a aliados, agora em uma nova roupagem, é uma das estratégias do governo para atender as queixas dos parlamentares, que perderam protagonismo na montagem da equipe ministerial.

Desta vez, o governo promete adicionar critérios técnicos à escolha, a partir da criação de um “banco de talentos”. Segundo Bolsonaro, os congressistas aliados ao governo poderão indicar nomes e currículos para os cargos, que passarão por um processo seletivo. Trata-se de uma estratégia para equilibrar o discurso adotado na campanha eleitoral e a pressão dos parlamentares no mundo real.

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3. Liberação de emendas

Outra clássica ferramenta usada por presidentes para angariar apoio legislativo é a liberação de emendas parlamentares. Ontem, às vésperas do início da tramitação da reforma previdenciária na Câmara dos Deputados, o governo Bolsonaro decidiu liberar R$ 1 bilhão para recursos desta natureza, atendendo parcialmente às cobranças de deputados e senadores à falta de aceno por parte da atual gestão. Embora as emendas sejam impositivas (ou seja, têm de ser pagas), o governo identificou R$ 3 bilhões que não haviam sido liberados por gestões anteriores.

“Existia um estoque grande de emendas impositivas. Muitas que não foram pagas por diversos fatores. Umas porque não tinha dinheiro naquele momento e outras porque não estavam com o processo pronto”, afirmou o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), líder do governo na casa legislativa. Segundo ele, Bolsonaro tinha a intenção de pagar todas as emendas (R$ 3 bilhões), mas apenas parte delas havia cumprido todos os requisitos. O restante ainda pode ser liberado neste ano.

A liberação dos recursos ocorre em uma semana importante para o governo, com a retomada dos trabalhos no parlamento e a expectativa de instalação das comissões permanentes – especialmente a CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania), primeiro colegiado a debater a PEC da reforma previdenciária. Nesta comissão, contudo, os parlamentares se limitarão a discutir a constitucionalidade do texto, deixando o mérito para a segunda etapa de tramitação, em uma comissão especial a ser criada.

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Líderes partidários descontentes com a falta de acenos por parte do Planalto ameaçam atrasar a indicação dos membros da CCJC, que segundo o presidente da casa, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), deverá ser instalada na próxima quarta-feira (13). Eles criticam a demora no envio do projeto que trata da aposentadoria dos militares, o que está previsto para acontecer somente na semana seguinte.

A demora para o início das atividades na CCJC nesta legislatura já supera o de outros momentos nos governos de Dilma Rousseff, Lula e Fernando Henrique Cardoso. Vale ressaltar que qualquer atraso na instalação das comissões pode comprometer o calendário do governo para a aprovação da proposta na casa ainda no primeiro semestre.

Apesar do timing da liberação das emendas, Bolsonaro negou que a iniciativa esteja vinculada a uma tentativa de aprovação da reforma da Previdência. “Informo que não há verbas sendo liberadas para aprovação da Nova Previdência como veículos de informação vem divulgando. Seguimos o rito constitucional e obrigatório do Orçamento Impositivo, onde é obrigatório a liberação anual de emendas parlamentares”, publicou no Twitter. O presidente disse haver “enorme pressão” da velha política para a manutenção do chamado “toma lá dá cá”, mas disse que seu governo não pretende fazer isso.

4. Agenda legislativa

A despeito dos fenômenos recentes observados, o sistema político brasileiro mantém nas mãos da Presidência da República instrumentos relevantes para o controle da agenda legislativa. Nesse sentido, Bolsonaro pode ter outra carta na manga para negociar com os parlamentares.

No conjunto de pautas positivas, podem entrar demandas específicas de bancadas, governadores e prefeitos, assim como projetos de repercussão geral e elevada adesão popular – caso do pacote anticrime e anticorrupção do ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), a distribuição de recursos da cessão onerosa ou o plano do ministro Paulo Guedes (Economia) que pode reduzir o custo de energia em quase 50%.

No caso de Bolsonaro, as boas relações até o momento mantidas com Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), respectivamente presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ajudam ainda mais no controle da agenda legislativa e no possível uso de tal instrumento de negociação política.

No mesmo sentido, Paulo Guedes tenta seduzir deputados e senadores com uma proposta que pode ampliar seus poderes. A ideia, conforme revelado em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, seria fazer tramitar no Senado Federal uma PEC propondo a desvinculação e desindexação total do Orçamento. Na prática, isso tornaria as contas do governo completamente discricionárias – o oposto do que acontece hoje.

“Os políticos vão entender que, em vez de discutir R$ 15 milhões ou R$ 5 milhões de emendas, vão discutir R$ 1,5 trilhão de orçamento da União, mais os orçamentos dos municípios e dos Estados”, afirmou o ministro.

“Os políticos têm de assumir as suas responsabilidades, as suas atribuições e os seus recursos. Eles são gestores públicos e sabem o desafio que têm. Hoje o cara está sentado lá numa prefeitura, no governo do Estado, vendo subir isso, subir aquilo, sendo obrigado a fazer isso, fazer aquilo, e percebendo que ele não manda nada. Eles têm de mudar isso, assumir o protagonismo”, defendeu.

5. Comunicação

O uso frenético das redes sociais é uma das marcas de Jair Bolsonaro desde antes da campanha eleitoral e continua sendo importante instrumento de comunicação (incluindo a publicação de comentários polêmicos) em seu governo. No caso da reforma previdenciária, contudo, especialistas no monitoramento da opinião pública digital dizem que o mandatário ainda não conseguiu ativar sua base para defender a proposta.

Na avaliação de Manoel Fernandes, diretor da Bites Consultoria, Bolsonaro ainda não cumpriu tarefa fundamental para o êxito da prioridade do início de seu mandato. “O governo não está conseguindo impor, dentro desse universo, agenda necessária para o país, que é a reforma da Previdência. Essa base específica que reagiu rapidamente em defesa a ele não foi iluminada sobre a necessidade da reforma”, afirma o especialista.

“A comunicação oficial não chegou até eles ou tem se demonstrado pouco eficaz. Bem treinados, podem ajudar bastante na votação no Congresso, pressionando parlamentares contrários ou indecisos”, complementa.

Para ele, o envolvimento direto de Bolsonaro na mobilização de seu exército nas redes é condição fundamental para a reforma. “Essa base fica completamente enlouquecida com essas questões morais. Mas há uma coisa mais importante, que são as reformas”.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.