Trabalho presencial, híbrido ou remoto? É possível ser flexível e competitivo?

Fim do modelo híbrido pode afugentar funcionários, mostram estudos

Monique Lima

Homem trabalhando em escritório Home Office (Foto: Pexels/ Tima Miroshnichenko)
Homem trabalhando em escritório Home Office (Foto: Pexels/ Tima Miroshnichenko)

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O “Novo Normal”, disseram. Uma revolução no mercado de trabalho que ressignificaria as relações profissionais e as possibilidades de emprego. Essa era a promessa quando a adoção do trabalho remoto foi forçada durante a pandemia. Passados dois anos do fim da crise sanitária global, o “Novo Normal” tem sido substituído pelo “Velho Normal” em muitas empresas

A Amazon destituiu o modelo híbrido e exigiu que os funcionários estivessem presentes na empresa os cinco dias da semana a partir de 2025 (embora a medida tenha sido adiada de janeiro para maio por não haver espaço para todos nos escritórios). Dell, JP Morgan, Goldman Sachs e Boeing são outros exemplos de multinacionais que estão fazendo o mesmo movimento. 

No caso do Goldman Sachs, o CEO David Solomon chegou a chamar o trabalho remoto de “aberração” em 2021 e queria o retorno total antes mesmo de a pandemia acabar. Já Michael Dell, CEO da Dell, passou o verniz da “necessidade de manter a velocidade e a inovação nos negócios” depois de ter limitado promoções de carreira somente para quem fosse ao escritório no ano passado. 

Medidas como essa estão sendo feitas de forma unilateral sem consulta aos profissionais, apenas com a determinação das diretorias, o que Daniela Diniz, diretora de conteúdo e relações institucionais do GPTW, classifica como “medidas da era industrial”

“É um estilo de comando e controle que não é mais compatível com a atualidade, onde outros indicadores de qualidade de entrega e desempenho são mais eficazes do que o obsoleto ‘ver para crer’, que demonstra volta de confiança nos profissionais”, diz.

No Brasil, a consultoria Mercer questionou 150 grandes e médias empresas em dezembro do ano passado sobre seus modelos de trabalho em 2025. Apenas 23% delas responderam que questionaram os funcionários sobre suas preferências. Entre as que aplicaram a pesquisa, 94% das respostas indicaram preferir o modelo híbrido, 3% o totalmente remoto e menos de 1% o 100% presencial. 

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Nos Estados Unidos, uma pesquisa feita pela rede social profissional Blind, em setembro de 2024, logo após o anúncio da Amazon, mostrou que 91% dos profissionais não aprovavam um retorno total ao escritório e 73% consideravam procurar outro emprego que mantivesse os benefícios de flexibilidade. A pesquisa teve 2.585 respondentes. 

Quão flexível eu quero ser? 

Para o diretor de negócios de carreira da Mercer Brasil, Rafael Ricarte, o debate sobre trabalho remoto, presencial ou híbrido neste momento gira em torno dos fatores errados. 

“Na pandemia ficou claro que não é uma questão de produtividade. A discussão é sobre flexibilidade. ‘O quão flexível eu quero ser enquanto companhia?’ Estamos falando da determinação de um valor, de um princípio que a empresa precisa avaliar qual modelo de trabalho funciona para ela”, diz Ricarte. 

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Com o fim da pandemia, muitas companhias não avaliaram seus modelos de negócios, seus valores, ou mesmo a produtividade considerando as novas formas de trabalhar que surgiram durante o período de isolamento social (híbrido ou remoto). Elas apenas seguiram tendências de grandes nomes, como as empresas de tecnologia. 

“São três pontos para se avaliar sobre flexibilidade: preciso ser?, posso ser? e quero ser? Tem empresa que não precisa ser flexível, mas pode ser, e por princípio do dono ou CEO, simplesmente não quer. E tudo bem. Mas que isso fique definido e seja claro para os funcionários atuais e contratados no futuro”, afirma o diretor. 

Diniz, da GPTW, acredita que os modelos híbridos e remotos não irão sumir, mas se tornarão uma medida de competitividade forte. A flexibilidade é um dos principais motivadores para as pessoas que procuram um emprego. Uma pesquisa de economistas das universidades de Nottingham, Sheffield e King’s College London, do Reino Unido, mostrou que os britânicos estariam dispostos a reduzir até 8,2% de seus salários para continuar trabalhando apenas dois ou três dias por semana no escritório.

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O Pinterest entendeu o recado. A empresa não só abraçou o trabalho flexível como seus diretores são fortes apoiadores. Em um artigo publicado na Fast Company em novembro de 2024, a diretora Doniel Sutton afirma que o RH recebeu um volume de currículos 90% maior do que o habitual depois de “uma gigante da tecnologia anunciar o retorno presencial”. 

“Nossa análise interna mostra que, em 2023, a política de trabalho flexível do Pinterest aumentou a produtividade, promoveu mais colaboração e melhorou o bem-estar”, escreveu Sutton. “Portanto, embora alguns líderes insistam que o trabalho remoto está sufocando a inovação, a colaboração e a produtividade, evidências concretas mostram o contrário.”

E o Pinterest não está sozinho. O Citi reiterou sua política flexível e a presidente executiva Jane Fraser ainda destacou que é uma escolha racional, que visa a competitividade frente aos bancos que estão voltando 100%. O Spotify é outro defensor do modelo flexível e carimbou: “Você não pode gastar muito tempo contratando adultos e depois tratá-los como crianças.”

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Questão de tempo

Para Ricarte, por trás de tudo isso existem gestores que estão habituados apenas com um modelo mais antigo e tradicional de liderança. 

“É uma mentalidade de comando e controle que observamos em ditados populares: ‘olho do dono que engorda o gado’, ‘quem não é visto não é lembrado’. E não quer dizer que esses gestores são profissionais ruins, muitos são competentes, mas são educados nessa visão antiga e tem dificuldade de gerir de outras formas”, diz o diretor da Mercer. 

Ele usa o exemplo de um pêndulo para descrever a situação. Na pandemia, o trabalho remoto foi forçado por ser a única solução naquele momento, o que puxou o pêndulo até uma ponta, e agora o movimento natural é voltar para o extremo oposto. Na opinião de Ricarte, o pêndulo não deve parar e, com o tempo, o movimento tende a diminuir e se aproxima de um equilíbrio. 

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O tempo também vai permitir a reciclagem da mentalidade e desses métodos mais antigos de gestão, conforme novas lideranças aparecem, com valores mais voltados para flexibilidade”, diz Ricarte. 

Diniz diz que essa evolução do mercado de trabalho é natural e também depende do passar do tempo.

“Na história do trabalho, o ser humano já trabalhou muito mais horas, com pouca qualidade de vida, e isso foi melhorando. Com o progresso da automação e da tecnologia, a evolução é natural e flexibilidade é um conceito elástico, que permite adaptação para as empresas e os funcionários”, diz a diretora da GPTW.