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Dizem que o primeiro passo na solução de um problema é reconhecer que ele existe. Se você discorda dessa premissa pode parar de ler porque as conclusões que se seguem podem não ser válidas.
Uma primeira pergunta deve ser: qual o motivo da reação tão violenta dos mercados nas últimas semanas? Câmbio a R$ 6,20 (pelo menos agora), juros futuros a 16% e segue a lista.
A resposta é relativamente simples e clara (para alguns). O mercado questiona a gestão da política econômica, mais especificamente da política fiscal. O diagnóstico é de que estamos com uma “dinâmica de dívida insustentável”. Em português claro: o governo gasta e o endividamento cresce rápido demais.
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Aqui parece estar a raiz do problema. O governo parece não partilhar da mesma conclusão. São amplas as falas de membros relevantes, incluindo o presidente, que questionam essa visão. Brasília tem uma visão do Estado como indutor de crescimento. Assim sendo, gastar mais seria um elemento importante na direção do desenvolvimento. Não custa lembrar que o primeiro ato do governo então eleito foi propor a PEC dos gastos, essencialmente um aumento de 2% do PIB dos gastos federais. Nossas primeiras ações dizem muito sobre aquilo no qual acreditamos, os economistas chamam isso de preferência revelada.
Então chegamos ao impasse atual. O mercado trabalha com uma premissa e o governo com outra, oposta, sobre o funcionamento da economia. O Banco Central reconheceu a precariedade da situação e teve uma reação forte: sinalizar que os juros devem chegar a pelo menos 14.25% (o que por mais recente que seja, já parece atrasado). A resposta do mercado foi pragmática, reconhecendo a propriedade das ações da autoridade monetária, mas também assumindo de forma lógica de que a política monetária é incapaz de compensar as falhas da política fiscal. Mas voltemos à ação da autoridade monetária.
A “equação” do momento atual
Vou aqui fazer referência a uma única equação (por favor me perdoem), mas ela nos diz muito sobre o momento atual. A vantagem é que essa equação é muito simples e faz uso somente de 3 variáveis de fácil compreensão. Existe uma identidade em contas públicas que diz que o valor nominal da dívida dividido pelo nível de preços tem que ser igual ao valor esperado dos superávits futuros. Então vemos aqui as 3 alavancas de ajuste.
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Pode-se reduzir o valor nominal da dívida. Calote. A verdade é que calotes em moeda local são raros, uma vez que o governo pode sempre reverter à velha prática de imprimir moeda para pagar seus gastos. Essencialmente o que vivemos na década de 80.
Podemos ajustar os superávits primários. Dado o que já falamos sobre o diagnóstico, essa parece ser uma opção pouco provável (aos preços de mercado vigentes).
Sobra então a variável de ajuste usada historicamente: inflação. Se não vamos ajustar 1 ou 2, sobra deixar a alta dos preços corroer o valor real da dívida.
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A conclusão não é agradável, não obstante, parece ser a mais provável. E tem uma extensão óbvia. Em períodos de altas de preços, variáveis nominais perdem seu significado. Devemos nos voltar ativos reais. Essa uma das principais mensagens a nível de construção de portfólio.
O que fazer na crise
A outra mensagem muito relevante é estar próximo dos clientes. Agora temos sempre a pergunta justa: dado o tamanho da confusão, o que fazer? A verdade é que não existe uma resposta única adequada para todos os clientes.
Qual a situação atual? Os prêmios de risco de alguns ativos já refletem níveis de crise. Como um exemplo, às taxas atuais, o investidor de uma NTN-B intermediária dobra seu patrimônio em termos reais em 9.4 anos.
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Então estamos no ponto A e sabemos com um grau elevado de certeza que chegaremos em um ponto B; 9 anos no futuro tendo dobrado nosso capital. O problema é que a trajetória entre A e B será muito conturbada. Quem de nós possui a capacidade de aguentar os altos e baixos? Aqui não existe resposta correta. Aversão a risco é inerente a cada um de nós. Warren Buffett nos diz que a parte mais relevante do corpo para um investidor não é o cérebro, mas sim o estômago. Não adianta investir em um instrumento de bom retorno de longo prazo se vamos vender no meio do caminho e não chegar lá.
CDI é realmente um porto seguro?
Última mensagem importante: o CDI certamente permanecerá atraente no curto prazo, MAS ele pode não ser o porto seguro em uma situação de crise extrema. Verdade, ele não terá oscilação no dia a dia, além disso, no momento, a taxa de juros real parece elevada. No entanto, lembrando o motivo desse texto longo: existe uma percepção de inconsistência de política econômica fruto de uma visão distinta por parte do governo da dinâmica da economia. Até o momento, essa visão se manifestou em uma política fiscal frágil.
A política monetária seguiu independente e buscando ancorar as expectativas. Temos o dever fiduciário com nossos clientes de perguntar o que aconteceria se essa dinâmica se alterasse (evento de baixa probabilidade). Dois exemplos recentes nos fornecem uma visão desses cenários extremos. A crise de 2015/16, que possui elementos bem similares ao atual e a Covid. Apesar desses momentos extremos terem causas bem distintas, em ambos os casos o CDI registrou taxas reais negativas e ativos reais foram a forma de se proteger dos surtos inflacionários.
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Concluindo: estamos passando por uma situação extraordinária que requer calma, uma análise cuidadosa e proximidade dos clientes. Na nossa opinião, um portfólio equilibrado com deveria ter 3 elementos: CDI, juros reais e diversificação internacional. Os percentuais, variam de acordo com cada investidor, sua aversão ao risco e seus objetivos.
Lembrar: esperança não é estratégia de investimento. Enquanto o diagnóstico por parte do governo não se alterar, continuaremos com prêmios de risco e volatilidade elevados. As oportunidades de investimento são atraentes no longo prazo, a dificuldade é chegar até lá.