Os fatores que levaram o regime de Assad ao colapso na Síria após 24 anos no poder

Perda de forças de Irã e Hezbollah em meio à guerra com Israel; Rússia focada no conflito com a Ucrânia; e crise econômica síria têm forte impacto sobre a derrocada do ditador

Equipe InfoMoney

Sírios que vivem na Grécia também se reuniram em Atenas para comemorar, a queda do presidente al-Assad. REUTERS/Louiza Vradi
Sírios que vivem na Grécia também se reuniram em Atenas para comemorar, a queda do presidente al-Assad. REUTERS/Louiza Vradi

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O último fim de semana marcou uma acelerada reviravolta no tabuleiro político da Síria, com o colapso do regime do ditador Bashar al-Assad, que comandava o país desde 2000 (sua família conduzia a nação no Oriente Médio há mais de 50 anos) e se viu obrigado a buscar asilo na Rússia “por motivos humanitários” em meio a uma avassaladora ofensiva dos rebeldes.

Os insurgentes aproveitaram o momento desfavorável para o regime Assad, tanto em nível doméstico quando internacional para avançar, tropas em direção à capital Damasco, 14 anos após os efeitos da Primavera Árabe ─ onda que levou à queda de chefes de Estado no Egito, Tunísia, Líbia e Iêmen, em levantes que varreram o Norte da África e o Oriente Médio.

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Na Síria, Assad conseguiu se manter no poder, em meio à forte repressão a protestos pacíficos, que resultou em uma sangrenta guerra civil, que ceifou centenas de milhares de vidas e gerou uma legião de refugiados pelo mundo, em um confronto com inúmeros registros de violações de direitos humanos, como o uso de armas químicas e torturas generalizadas.

A forte repressão aos manifestantes resultou em um longo conflito e encorajou grupos radicais, incluindo o Estado Islâmico, ou ISIS. Determinado a não se juntar à lista de governantes árabes depostos, Assad optou por usar força brutal, incluindo bombas, tortura e armas químicas, para reprimir a dissidência.

Ele também se beneficiou do fato de que a oposição estava fragmentada em centenas de grupos e de apoios cautelosos dos Estados Unidos a rebeldes. O ex-presidente Barack Obama e seu sucessor, Donald Trump, ordenaram ondas de ataques aéreos contra os redutos de Assad, mas tiveram pouco apetite para uma intervenção mais profunda.

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Um fator decisivo para o fortalecimento de Assad, no entanto, foi o apoio de Rússia e Irã, que contribuíam com recursos financeiros, pessoal e equipamentos militares. Tropas da milícia libanesa Hezbollah também tiveram papel importante no processo.

Foi essa aliança que conseguiu deter o avanço das tropas da oposição e a começar a recapturar território e transformar a guerra total em conflitos menores em determinadas regiões do país ─ quadro que começou a mudar rapidamente no mês passado.

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Mudança abrupta

A velocidade em que sucedeu o avanço dos rebeldes surpreendeu observadores do conflito, embora o enfraquecimento do regime fosse notável. Uma semana atrás, Bashar al-Assad, que contava com decisivo apoio da Rússia e do Irã, mantinha o controle sobre porções significativas do país, mas o cenário mudou em poucos dias. Mas o que levou a essa virada?

Do ponto de vista geopolítico, o enfraquecimento do Irã e principalmente do Hezbollah, imerso na guerra com Israel, trouxe sérios problemas para o regime Assad, sobretudo em regiões como Aleppo, mais próxima à Turquia, que apoia os jihadistas.

Também mexeu com o tabuleiro a maior atenção dada pela Rússia na guerra da Ucrânia. Isso na prática reduziu o espaço da Síria no planejamento de Vladimir Putin, embora a permanência de Assad fosse considerada importante para Moscou, pelo posicionamento do aliado e o fato de ele abrigar bases aéreas e marítimas suas.

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Soma-se a essa versão simplificada do xadrez geopolítico, em nível doméstico, uma severa crise econômica decorrente da década e pelo declínio do comércio do Captagon ─ droga que ficou conhecida como “cocaína dos pobres”, pivô de pesadas sanções dos Estados Unidos e do Reino Unido contra os sírios. O comércio ilegal da substância era apontado nos bastidores como um motor para o sustento do regime de Assad, o que sempre foi negado por ele.

Com a crise econômica, também diminuiu a popularidade do ditador entre grupos simpáticos a ele. Do ponto de vista militar, as baixas dos longos anos de guerra, as defecções, a falta de investimentos e pagamentos e os crescentes casos de corrupção ajudam a explicar o enfraquecimento das tropas (e uma maior dependências de aliados).

A ameaça insurgente ao governo de Bashar al-Assad ressurgiu repentinamente no final de novembro, começando com um avanço surpresa de combatentes da oposição na cidade de Aleppo, mais distante da capital Damasco e próxima de Idlib, região na fronteira norte com a Turquia e que era dominada pela oposição jihadista.

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A rebelião foi liderada por Hayat Tahrir al-Sham, uma ex-afiliada da al-Qaeda designada como organização terrorista pelos EUA e outros, comandada por Abu Mohammad al-Golani, nascido na Arábia Saudita, filho de uma família de exilados sírios. O ataque reuniu uma forte coalizão crítica ao regime, incluindo a Frente Nacional para a Libertação e os grupos Ahrar al-Sham, Jaish al-Izza e Nour al-Din al-Zenki.

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O nível de resistência menor das forças do regime de Assad ao ataque insurgente deu indicações de um possível enfraquecimento da administração, que estimulou o avanço jihadista. Durante seus últimos dias no poder, Assad ordenou que seu exército recuasse para defender Damasco, cedendo essencialmente grande parte do país aos insurgentes.

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Suas tentativas de última hora para permanecer no poder incluíram abordagens diplomáticas indiretas aos EUA e ao presidente eleito Donald Trump. O Irã e o Hezbollah, que haviam reforçado o regime no início da guerra civil, estavam agora significativamente enfraquecidos por ataques realizados por Israel.

A queda de Assad elimina, em última análise, um dos principais aliados do Irã no Oriente Médio e representa um grande golpe à influência de Teerã na região.

(com agências)