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“O Brasil tropeça nas próprias pernas”. Essa foi a fala do economista-chefe da XP, Caio Megale, em um evento da Western Asset um dia antes do anúncio do pacote fiscal do governo, na quarta-feira (27). Naquele momento, Megale ainda tinha expectativas em relação às medidas, mas hoje, o sentimento predominante entre agentes do mercado financeiro é um só: decepção.
Ruy Alves, sócio e gestor sênior de multimercados da Kinea, afirma que as medidas não atenderam o principal ponto que o mercado financeiro buscava, que era o endereçamento da dívida pública para uma trajetória consistente de queda no futuro.
“Era a oportunidade de melhorar o fiscal e não resolveu. Na verdade, piorou, com uma desoneração do imposto para resolver uma demanda política. A dívida divergente que é o motivo da impaciência do mercado segue sendo um problema”, diz Alves.
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Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a desoneração do Imposto de Renda para pessoas que recebem até R$ 5 mil de salário mensal não irá afetar as contas públicas. A desoneração estimada entre R$ 40 a R$ 50 bilhões deverá ser compensada pelo aumento do tributo para pessoas que têm renda superior a R$ 50 mil no mês.
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Entretanto, ambas as medidas ainda não são certeza – já que o pacote ainda passará para avaliação dos deputados e senadores no Congresso – e levantam outros questionamentos de economistas e gestores.
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Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, pondera a possibilidade de o Congresso aprovar somente a medida política de desoneração do IR e não taxar os mais ricos. “A depender das negociações no Congresso, o texto aprovado pode afetar mais ou menos o risco fiscal brasileiro. Nada está definido ainda”, diz.
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Outra preocupação levantada por Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike, é a superficialidade da medida de desoneração, que é baseada em um valor fixo de R$ 5 mil e não em salários mínimos. “É uma isenção fictícia, porque ao longo do tempo esse valor será depreciado pela inflação e chega para a população como um benefício muito menor do que se propõe. Mais um exemplo de deturpações que têm histórico no Brasil.”
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O descontentamento do mercado financeiro com o anúncio já vem desde a véspera, quando o governo antecipou algumas medidas antes do anúncio oficial. Na quarta-feira, o dólar fechou no maior valor nominal da história, aos R$ 5,93. Nesta quinta, disparou ainda mais e chegou ao patamar de R$ 6,00 – um nível simbólico significativo.
A curva de juros futuros também abre com força, entre 25 e 28 pontos base, com o mercado já precificando um aumento de 1 ponto percentual da taxa Selic na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) na próxima semana.
Alves acredita que os ativos brasileiros devem sofrer bastante nos próximos dias e ao longo do tempo que o pacote for debatido no Congresso. O gestor vislumbra piora do câmbio, da Bolsa e uma precificação de Selic final na faixa dos 15%. Os fundos multimercados da Kinea estão posicionados para queda de ações brasileiras.
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Em seu painel no debate da Western Asset, Megale afirmou que no começo deste ano estava previsto que 2024 seria o ano dos ajustes fiscais, de modo que as perspectivas eram de 8% de juros ao fim do ano, inflação de 3% e câmbio abaixo de R$ 5. Entretanto com o passar dos meses o cenário deteriorou.
“Agora não tem para onde correr, tem que ajustar em 2025 porque 2026 é ano eleitoral e vai ser pior”, diz Megale. “Se o ajuste [das contas públicas] não acontecer, o mercado se regula e vai buscar o equilíbrio pelo lado da inflação, que é o pior cenário, que ninguém quer.”
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A visão de que a desoneração do IR foi uma medida política anunciada no momento errado predomina no mercado. “O pacote anunciado frustra”, diz Ian Lima, gestor de renda fixa ativa da Inter Asset. “Além de frustrar a entrega que era vista como necessária do corte de gastos, que foi insuficiente. Veio acompanhado de mais gastos, para de alguma forma aliviar o ônus político das medidas.”
Para Lima, a urgência sobre contenções de gastos deveria ser o norte das medidas do governo, e a atividade bastante aquecida não precisa de novos estímulos. Eyng acredita que a medida foi mal endereçada, anunciada da forma errada e no momento errado.
“Gera um nervosismo muito grande no mercado e hoje é feriado de ação de graças nos EUA, então se tende a ter um fluxo de saída de capital maior do que entrada”, diz. “Penso que se aguardou muito para falar sobre o corte de gastos e não foram tomadas as melhores medidas no melhor momento.”