Eles podem votar na eleição mais importante do mundo — mas preferem ficar de fora

Correspondente do InfoMoney nos EUA mostra como pensam os eleitores que não votarão nem em Trump nem em Kamala em 5 de novembro

Flavia Furlan

Funcionários eleitorais do Escritório do Supervisor de Eleições do Condado de Hillsborough trabalham para montar o equipamento de votação antecipada na Biblioteca da Filial Seffner-Mango em Seffner, Flórida, EUA, em 2 de agosto de 2024. REUTERS/Octavio Jones/Foto de Arquivo
Funcionários eleitorais do Escritório do Supervisor de Eleições do Condado de Hillsborough trabalham para montar o equipamento de votação antecipada na Biblioteca da Filial Seffner-Mango em Seffner, Flórida, EUA, em 2 de agosto de 2024. REUTERS/Octavio Jones/Foto de Arquivo

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NOVA YORK – Diante do Museu George W. Bush em Dallas, Texas, o empresário do setor financeiro Sean Kirksey recorda com orgulho seu tempo na Marinha, nos anos 1990, quando subiu ao palco com outros militares para acompanhar um discurso do então presidente George H.W. Bush no Japão.

Kirksey, que se define como um conservador liberal, acredita que cada pessoa deve ser responsável por sua própria vida, sem interferir nas crenças alheias. Esses valores, segundo ele, são compartilhados pelos republicanos.

“Votei no Partido Republicano em todas as eleições da minha vida”, afirmou Kirksey, 52 anos. “Gosto do tipo de republicano que evita se aprofundar em questões sociais e que não demoniza a oposição.”

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É por esses motivos que, apesar de ter escolhido Donald Trump nas últimas eleições, Kirksey diz que não repetirá o voto em 5 de novembro. Ele admite que escolheu Trump como uma forma de rejeição à oposição, especialmente a Hillary Clinton, que, segundo ele, “deixou pessoas morrerem devido a decisões como as de Benghazi”, referindo-se ao ataque à missão diplomática americana na Líbia, em 2012, quando ela era secretária de Estado.

Fiel a seus princípios políticos, Kirksey também não votará em Kamala Harris, a quem considera “fenomenalmente desqualificada” para o cargo, apresentando promessas inviáveis, como o subsídio de US$ 25 mil para potenciais proprietários de imóveis, “algo que todos sabem que nunca será aprovado pelo Congresso.” Ele critica, ainda, sua atuação nas políticas de imigração, que “só pioraram.”

Diante da insatisfação com ambos os candidatos, Kirksey optou por não votar para presidente pela primeira vez desde que completou 18 anos.

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O empresário Sean Kirksey, do Texas, não vai votar para a Presidência dos EUA pela primeira vez desde que completou 18 anos (Arquivo pessoal)

“Trump tomou o manual de Barack Obama de dividir e conquistar o país e o levou a outro nível. Kamala fará a mesma coisa”, disse Kirksey. “Os políticos têm a sua própria classe e estão tentando dividir todos da classe não-política para tomar o controle.”

Em cada eleição, uma parcela significativa dos americanos, como Kirksey, decide não votar em nenhum candidato. São os chamados “nonvoters“. Nos Estados Unidos, o voto não é obrigatório, e a abstenção pode fazer a diferença, especialmente nos “estados-pêndulo”, que oscilam entre os partidos Republicano e Democrata a cada pleito.

Para ilustrar o tamanho da abstenção, de acordo com o think tank Pew Research Center, 34% dos americanos elegíveis para votar em 2020 não o fizeram. Os EUA ficaram na 31ª posição em participação eleitoral de pessoas com idade para votar entre 50 países comparados. O Brasil, onde o voto é obrigatório, ocupou o 16º lugar.

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Entre as razões para não votar citadas pelos americanos ouvidos pelo InfoMoney, destacam-se o desgosto pelos principais candidatos na corrida pela presidência e a sensação de que o voto não faz diferença.

O que esperar em 2024?

O comportamento dos “nonvoters” oscila conforme os candidatos à Casa Branca e o clima político. O Pew Research Center identificou que 25% dos eleitores que compareceram às urnas em 2020 não o fizeram em 2016. Essa intermitência no voto dificulta previsões para 2024.

Especialistas apontam que, por um lado, as diferenças entre os candidatos Kamala e Trump — em termos de idade, experiência e políticas públicas — são grandes. Por outro lado, muitos eleitores não se identificam com nenhuma das opções, como Kirksey.

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“Espero que o comparecimento às urnas seja alto neste ano”, afirmou Grant Reeher, professor de ciências políticas na Universidade Syracuse, em Nova York. “Embora o sentimento seja predominantemente negativo, com muitos votando mais contra um candidato do que a favor de outro, a intensidade desse sentimento torna o voto mais relevante.”

Richard Himelfarb, professor no departamento de ciências políticas na Universidade Hofstra, em Nova York, acredita que a participação não será tão alta quanto em 2020, quando a votação por correio foi facilitada. “Havia mais raiva e medo de que o outro candidato saísse vencedor e o país desmoronasse. Este ano, sinto que as pessoas estão mais exaustas.”

No imaginário popular americano, os “nonvoters” são geralmente associados a uma menor renda e educação. Um estudo da Knight Foundation com 12 mil “nonvoters” crônicos e 1.000 eleitores ativos antes das eleições de 2020 mostrou que parte desse estereótipo é verdadeira.

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“Sinto que as pessoas estão mais exaustas”, diz Richard Himelfarb, professor de ciências políticas na Universidade Hofstra (Arquivo Pessoal)

A maior parcela dos “nonvoters” tem renda domiciliar anual entre US$ 25 mil e US$ 50 mil, enquanto a maior fatia dos eleitores ativos ganha entre US$ 101 mil e US$ 250 mil. Mas, em ambos os casos, a maior parcela é proprietária de imóveis, casada e trabalha em tempo integral.

Quanto à educação, 26% dos “nonvoters” completaram o ensino médio, e 26% possuem diploma universitário, contra 35% dos eleitores ativos.

“Pessoas mais velhas, ricas e educadas, assim como brancas e frequentadoras de igrejas, tendem a votar mais. O nível de participação pode mudar significativamente entre eleições, mas esses padrões demográficos tipicamente não se alteram”, explicou Anthony Fowler, professor adjunto da escola de políticas públicas Harris, da Universidade de Chicago.

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Fowler acrescenta que a sabedoria convencional sugere que uma maior participação em eleições beneficiaria os democratas, já que aqueles que não votam tendem a se inclinar para esse partido. No entanto, “à medida que a educação se correlaciona cada vez mais com o voto democrata, e pessoas mais escolarizadas votam em taxas mais elevadas, essa visão pode ficar desatualizada.”

Uma evidência dessa mudança, de acordo com o Pew Research Center, é que pessoas que pularam a eleição de 2016 mas votaram em 2020 se dividiram quase que igualmente entre Biden e Trump.

Atraindo os mais jovens

No entanto, um ponto do imaginário popular permanece verdadeiro: os eleitores mais jovens tendem a votar menos. O estudo da Knight Foundation revelou que, entre os nonvoters, 27% tinham entre 25 e 34 anos, enquanto apenas 19% dos eleitores ativos estavam na mesma faixa etária.

Cientistas políticos explicam esse dado pela maior mobilidade dos jovens, pela menor carga tributária que enfrentam — ou mesmo pela ausência de impostos pagos — e pelo fato de não possuírem imóveis, o que resulta em uma conexão mais fraca com suas comunidades locais.

“Uma das grandes questões para os democratas nos últimos anos — e certamente em 2024 — é o quanto os eleitores mais jovens aparecerão e votarão. Os eleitores mais jovens se tornaram mais propensos a favorecer os candidatos democratas nas últimas décadas,” disse Reeher.

Reeher também afirma que, “enquanto isso, os republicanos e a campanha de Trump estão se concentrando em tentar persuadir eleitores moderados que podem ter algumas reservas sobre Harris, além de energizar sua base de prováveis apoiadores, para aumentar a participação entre eles o máximo possível.”

Uma placa para guiar os eleitores até a urna para a eleição presidencial em Scottsdale, Arizona, EUA, em 10 de outubro de 2024. (REUTERS/Go Nakamura)

William Brown, 30 anos, bartender e subgerente em Washington, D.C., não é necessariamente um nonvoter crônico. Ele votou em Hillary Clinton em 2016 e em Joe Biden em 2020, mas pulou as eleições de meio de mandato, chamadas de midterms. Este ano, porém, não pretende participar do pleito. Definindo-se como democrata socialista, Brown expressa frustração tanto com Biden quanto com Harris. Por outro lado, ele não vê nenhum alinhamento ideológico com Trump.

“Vejo alguns pontos fortes e definitivamente alguns problemas na administração de Biden. Embora ele tenha feito coisas boas com o plano de infraestrutura, eu fiquei altamente desapontado em como ele enfrentou a direita em relação a questões de imigração. Além disso, sua inação diante da situação em Israel é profundamente ofensiva”, disse Brown.

Sua decisão de não votar, no entanto, carrega uma ressalva: Brown vive no Distrito de Columbia, onde a esmagadora maioria historicamente vota nos democratas. Obama, Hillary e Biden obtiveram mais de 90% dos votos no distrito.

“Dado o funcionamento do Colégio Eleitoral nos EUA, meu voto individual não tem tanto peso”, explicou Brown. “Se eu morasse em um estado pêndulo, a decisão seria muito mais difícil, porque, na minha opinião, Trump representa uma ameaça doméstica. Em Gaza, ele não seria melhor do que Biden ou Harris — e talvez até pior.”