Retomada de Fiagros vai demorar, com efeito cascata de pedidos de RJ, dizem analistas

Avaliação é que situação delicada de AgroGalaxy e Portal Agro deve atrapalhar outros produtores endividados; entenda efeitos sobre investimentos

Leonardo Guimarães

Publicidade

Depois que o mercado parou de precificar cortes na taxa Selic, os Fiagros vinham se recuperando e atraindo investidores. Mas tiveram um novo baque em setembro. Os pedidos de recuperação judicial das varejistas de insumos agrícolas AgroGalaxy (AGXY3) e Portal do Agro abalaram o setor agro e, com isso, a confiança dos investidores – e engrossando o caldo de dificuldades da subclasse de fundos que investe em papeis de dívida do setor.

O investidor pode ficar preocupado com os Fiagros ao analisar o que está por trás dos pedidos de RJ. O agronegócio enfrenta ao menos quatro empecilhos: clima desafiador para a produção, desconfiança do mercado para conseguir crédito, Selic alta que encarece as dívidas e possível efeito inflacionário que a saída de duas varejistas importantes da área causaria. 

Priscilene Nunes, analista de Fiagros da Ticker Research e Benndorf Research, diz que “diligência é a palavra do momento”, já que “ainda existem bons Fiagros”, mas é possível contar nos dedos os que “não deram problemas”. 

GRATUITO

CURSO DE DIVIDENDOS

Descubra o passo a passo para viver de dividendos e ter uma renda mensal; começando já nas próximas semanas

Só na crise da AgroGalaxy, 11 dos 38 Fiagros listados na B3 foram afetados por terem na carteira um CRA emitido pela varejista. O fundo Kijani Asatala relatou ter 8,29% do seu patrimônio alocado no título de dívida na empresa que teve seu pedido de RJ aceito nesta semana. 

Efeito cascata 

Outros dois especialistas ouvidos pelo InfoMoney concordam que a RJ da AgroGalaxy tem grande potencial para causar um efeito cascata no agronegócio, “afetando fornecedores, produtores e outros players da cadeia, com a confiança para fornecer crédito ao agro abalada”, descreve Vanessa Leone, especialista em mercado de capitais e sócia da The Hill Capital. 

Já Max Mustrangi, CEO da Excellance e especialista em reestruturação de empresas, é mais enfático e diz que o efeito cascata já começou e já está travando emissões de CRAs, ativos que os Fiagros mais têm na carteira. “As empresas (do agro) estão precisando voltar atrás (nas emissões) porque não terão receptividade no mercado; elas já têm problemas de caixa e agora não conseguem buscar financiamento, o que acelera uma eventual necessidade de pedido de recuperação judicial”. 

Continua depois da publicidade

Se o tempo continuar fechado para o agronegócio, os Fiagros podem precisar enfrentar longas batalhas judiciais para garantir que recebam dos emissores de CRAs. E o principal exemplo não é animador. A Valora, dona do Fiagro com maior número de investidores da B3, o VGIA11, levou um ano para costurar um acordo de pagamento da dívida da processadora de proteínas Languiru com a gestora. 

Outro fator preocupante é que “um percentual ínfimo das empresas que têm os pedidos de RJ aprovados consegue sair vivo lá na frente”, segundo Mustrangi. Ele explica que a chance no agronegócio é “um pouquinho mais alta”, já que as devedoras podem jogar as dívidas para frente e colher os frutos de uma boa safra que ajude o caixa, mas, ainda assim, a tendência para a maioria é sucumbir. 

Fundos podem se recuperar?

Até o principal fator otimista para os Fiagros é, na verdade, uma faca de dois gumes. A alta da Selic pode impulsionar os rendimentos dos fundos, já que na maioria dos CRAs são atrelados ao CDI, que sobe com os juros básicos. O mercado espera que a Selic, atualmente em 10,75% ao ano, termine 2024 em 11,75%, o que elevaria, automaticamente, o montante que as empresas do agro devem pagar os fundos. 

Continua depois da publicidade

Por outro lado, as dívidas mais caras são fator adicional de preocupação para as empresas que já enfrentaram estiagem severa e preço baixo das commodities. Soja e açúcar, as principais culturas que servem de lastro para os CRAs comprados por Fiagros, seguem num patamar baixo de preços. 

Para Nunes, a recuperação plena desses fundos passa, principalmente, pela valorização das commodities. “Com soja e milho ganhando valor, é de se esperar uma melhora generalizada, com produtores mais capitalizados”, explica. Ela diz que ainda é cedo para entender o tamanho do impacto das RJs nas emissões de CRAs, mas se houver escassez desse instrumento no mercado, as carteiras que têm bons papéis podem se valorizar, em outro caminho que pode impulsionar os fundos agrícolas. 

A analista da Ticker Research também pontua que “o mercado ainda é muito novo”, com menos de três anos de funcionamento, e que a Faria Lima ainda se adequa à estruturação de dívidas de produtores rurais. “São excelentes pagadores de proventos” e devem se recuperar, projeta.