Preços voláteis de cinema e seguros: IPCA-15 de setembro foi bom, mas ainda não anima

Preços de serviços em setembro sofreram forte impacto de itens que podem devolver queda à frente, segundo economistas; mercado de trabalho aquecido ainda preocupa

Roberto de Lira

Tela de cinema: promoções em setembro ajudaram no IPCA-15 (Foto: Pexels)
Tela de cinema: promoções em setembro ajudaram no IPCA-15 (Foto: Pexels)

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A surpresa positiva de um IPCA-15 de setembro (de 0,13%) abaixo até do piso das projeções de bancos e corretoras deve gerar algumas revisões para baixo no indicador fechado do mês, mas não deve modificar as estimativas ainda carregadas para o ano, segundo avaliação dos economistas. A explicação é que os dados reconhecidamente benignos da prévia da inflação oficial divulgados hoje se concentraram em variações de preços voláteis, mas os riscos de alta continuam presentes.

Os especialistas destacam que, no mês, exerceram especial impacto os preços dos ingressos nos cinemas, que tiveram promoções em setembro, dado que naturalmente deve ser revertido em outubro. Além disso, a nova queda observada em seguros voluntários de veículos, a exemplo do que ocorrera em agosto, veio após uma alta muito forte em julho, o que ilustra a volatilidade.

No geral, no entanto, permanecem os riscos para os preços dos serviços, vindos do mercado de trabalho aquecido, com salário em alta, e de efeitos climáticos sobre alimentos e energia, entre outros.

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Alexandre Maluf, economista da XP, deu destaque em sua análise à inflação de serviços subjacentes, um dado bastante importante para o Banco Central para as decisões de política monetárias. A XP, por exemplo projetava uma alta de 0,32%, mas o grupo veio zerado no mês.

O economista reforçou que isso é explicado por dois subitens: o principal foi cinema, teatro e concertos, com deflação mensal de 5,8%, muito por conta da semana de promoções nos cinemas, cujo impacto era esperado mais à frente, na divulgação do IPCA cheio. Mas ele alerta que os preços nos cinemas devem ter alguma devolução em outubro, como ocorre normalmente após um período de descontos.

O outro subitem citado foi o seguro voluntário de veículo, que tinha subido forte em julho após a tragédia climática do Rio Grande do Sul e que ainda está mostrando uma devolução.

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“Mas, para além dessa volatilidade, foi uma leitura benigna para a inflação de serviços. A métrica do BC de serviços intensivos em mão de obra veio também abaixo das expectativas, Tudo isso reforça uma leitura de que foi uma inflação benigna”, comenta.

Esa média dos núcleos avançou 0,17% ,quando se esperava 0,31%. Já a métrica de três meses anualizada e dessazonalizada retrocedeu de 4,2% para 4%, enquanto a leitura específica dos serviços subjacentes despencou de 5,3% para 4%.

Sobre a alimentação, Maluf destaca que houve uma deflação de 0,01% no itens de consumo no domicílio, isso mesmo com o tempo seco pressionando os produtos in natura, principalmente frutas.  “A gente espera que no IPCA fechado de setembro apareça um número mais positivo para a alimentação”, prevê.

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Mas mesmo com o alívio mostrado na abertura do IPCA-15, o economista da XP alerta que os fundamentos da inflação não apontam para uma continuidade da desinflação, nem nos preços serviços, nem nos industriais. “Os fundamentos não indicam que esse ponto benigno em setembro deve se converter numa tendência e a gente segue esperando um BC cauteloso. O ambiente anda requer cautela, a despeito do dado benigno de hoje”, afirma.

Para ele, demanda doméstica ainda sólida e o mercado de trabalho aquecido, com salários em alta, deve continuar mostrando uma reapreciação dos IPCAs até o final do ano e ao longo do começo do ano que vem.

Riscos de alta permanecem

Os alertas quanto à volatilidade também foram feitos por Lucas Barbosa, economista da AZ Quest. Para ele, o dado de hoje veio com qualidade muito boa, com surpresas espalhadas por todos os segmentos, mas concentrada em serviços e em alimentação. Mas esse alívio em serviços, por exemplo, veio com ressalvas.

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“De onde vieram essas surpresas? De dois itens específicos: a parte de cinemas, que neste mês contou com algumas promoções pontuais (…) item que deve devolver numa alta nas próximas leituras, principalmente em outubro”, cita.

O outro item que surpreendeu para baixo foi o de seguros voluntários de veículos, destaca Barboza, citando a deflação de 2,5% ante expectativa de estabilidade. Mas ele lembra que esses preços tiveram  alta muito forte em julho (4,40%), seguida por deflação (-1,26%) em agosto. “Portanto uma volatilidade muito grande nesses itens, que são pesados na parte de serviços subjacentes”, explica.

Sobre a alimentação fora do domicílio, a variação de 0,22% no mês surpreendeu o economista, uma vez que o mercado de trabalho aquecido tem mantido uma boa frequência nos bares e restaurantes, mas mesmo os preços estão registrando variações baixas. “É uma dinâmica nova, com a atividade forte e alguns subitens de serviços rodando abaixo da média histórica”, afirma.

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Mas mesmo com os serviços desacelerando no mês, Barbosa diz que a situação não está confortável. O recuo de 5,1% para 4,8% na leitura de 12 meses ainda mostra um patamar elevado para serviços, com riscos altistas.

“Tem riscos para a inflação de serviços muito claros. Mercado de trabalho muito aquecido, salários crescendo tanto em termos nominais como em termos reais e alguns setores reportando escassez de mão de obra. Alguns itens como aluguel e condomínio têm tendencia de alta. Os riscos são assimétricos”, reforça.

Com o dado benigno de setembro, a AZ Quest deve revisar sua projeção de IPCA fechado do mês, hoje, em 0,57%, para algo ao redor de 0,50%. Mas com os riscos citados, do número fechado da inflação no ano de 4,60%, não deve mudar.

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Leonardo Costa, economista do ASA, também considera que a surpresa benigna com serviços no IPCA-15 de setembro foi turbinada pela deflação de cinemas.

Assim, ele revisou para baixo a inflação de setembro, de 0,63% para 0,50%, por conta da apropriação dos serviços mais fracos no IPCA-15, mas elevou a de outubro, de 0,41% para 0,46%, devido ao fim da promoção dos cinemas, que deve acelerar núcleo de serviços.

A projeção do IPCA para 2024 foi alterada de 4,6% para 4,5%  e a de 2025 segue projetada em 4,1%.

E o tamanho do ciclo de juros?

Para Andrea Damico, economista chefe da Armor Capital, o dado “extremamente benigno” de setembro, tanto no headline como na composição, não vai impedir o BC de continuar subindo os juros, mas pode contribuir para um debate sobre o tamanho do ciclo de alta. Em sua avaliação, o risco de um ajuste maior que o de 150 pontos base hoje estimado pode ser minimizado.

Mas isso vai depender de vários outros dados, como o do tamanho do hiato do produto positivo, que deve ser divulgado amanhã.

Para Claudia Moreno, economista do C6 Bank, a desaceleração de setembro atingiu, de forma disseminada, vários componentes da inflação. O principal deles foi a inflação de serviços subjacentes – que exclui itens mais voláteis -, que ficou estável (0%) ante uma projeção de alta de 0,31% do mercado.

“Mas a surpresa não ficou restrita à inflação de serviços. Outros itens do IPCA-15 também vieram abaixo do esperado, caso das passagens aéreas, alimentação no domicílio, bens industriais e preços monitorados”, destaca.

Porém, a economista concorda que a desaceleração da inflação de serviços de setembro não deve representar uma tendência. “Os dados de inflação apresentam volatilidade e vamos acompanhar os próximos números que serão divulgados. Continuamos vendo a inflação de serviços pressionada pelo mercado de trabalho aquecido e ganhos salariais acima da produtividade. Além disso, fatores climáticos, como a seca que afeta os reservatórios das hidrelétricas, também colocam peso no preço da conta de luz”, lista.

O C6 Bank mantém sua projeção de que o IPCA fechará o ano em 4,7%, acima do teto da meta. Para 2025, a inflação deve ficar em 4,8%, segundo estimativa do banco digital.

Claudia diz que tudo indica que o Copom vai seguir com o ciclo de alta da Selic nas próximas decisões. “Acreditamos que o tom duro do comunicado sugere, inclusive, uma alta maior, de 0,5 ponto percentual nas reuniões de novembro e dezembro. Projetamos Selic em 11,75% ao final de 2024 e de 10% ao final de 2025.”

Na opinião de Carla Argenta, de economista chefe da CM Capital, a característica do indicador, mais uma vez, mostrou que os impactos da política monetária desestimulativa prevaleceram sobre o IPCA, uma vez passados os choques pontuais.

“A inflação corrente, tanto no mês como no ano, tem refletido os impactos da política monetária de forma mais intensa do que o aquecimento do mercado de trabalho, que implicaria em um vetor de pressão inflacionária”, comenta.

“Até aqui, as medidas subjacentes não mostram uma evolução em descompasso com o mandato do Banco Central. Os impactos da depreciação cambial sobre o indicador, embora possam ser vistos em alguns itens, também têm sido irrisórios, por ora, e insuficientes para modificar a característica positiva do indicador.”