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Em seu testamento, o ator francês Alain Delon, que faleceu em agosto, fez seu último pedido: ele queria que seu cachorro fosse sacrificado e enterrado junto com ele. Porém, os familiares se negaram a atender esse pedido, alegando que o “cão tem casa e família”. Mas, afinal, o que pode ou não ser colocado em um testamento? O InfoMoney foi ouvir advogados especialistas em sucessão para saber as regras no Brasil.
Segundo Fabio Botelho Egas, advogado especializado em Direito Sucessório e de Família e sócio do Botelho Galvão Advogados, no Brasil há possibilidades de a pessoa deixar determinações chamadas de “existenciais” em seu testamento, mesmo em oposição às questões patrimoniais. Assim, alguns desejos e intenções podem ser observadas e cumpridas post mortem pelo testamenteiro, pessoa de confiança nomeado pela pessoa antes de seu falecimento para dar cumprimento às disposições, com apoio de um juiz, se necessário.
“O que também tem crescido no país, por exemplo, é a ideia de uma proteção legal para a ‘família multiespécie’, formada por pessoas e seus pets, tutelando os interesses e direitos desses integrantes”, disse. Mesmo que ainda não haja lei, o assunto já entrou no radar no âmbito da reforma do Código Civil. “Apesar disso, acredito que no Brasil o cachorro do ator francês também sobreviveria, até mesmo porque fica difícil acreditar que a força do testamento sobrepusesse a vida animal”.
Para o advogado Jorge Augusto Nascimento, sócio do Domingues Sociedade de Advogados (DMGSA), é importante frisar que antes das situações inusitadas em testamentos, é preciso que seja observada a regra da obrigatoriedade de destinar 50% do patrimônio aos herdeiros necessário como descendentes, ascendentes e cônjuges. Sobre a outra metade, pode ser disposto da maneira que a pessoa desejar.
No caso daquelas pessoas que, ao falecerem, não tiverem os chamados herdeiros necessários todo o patrimônio poderá ser dividido pela pessoa antes da morte. “No ano passado, um rapaz de 30 anos, que não estava bem de saúde e não tinha herdeiros, colocou em testamento que seu patrimônio deveria ser transferido ao jogador Neymar”, conta Nascimento. Em outros casos é possível também determinar que uma pessoa só receba o patrimônio, caso cumpra com algumas tarefas, como cuidar de animais de estimação até o fim da vida deles, como fez a ex-presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Nélida Piñon.
Em seu testamento, a escritora fez constar que os seus quatro apartamentos, em um edifício de luxo à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul do Rio de Janeiro, deveriam ser destinados para Karla Vasconcelos, sua cuidadora e responsável por ela nos seus últimos anos de vida. “Mas ela teria a obrigação de deixar que as duas cachorrinhas de estimação vivessem no apartamento até o fim das suas vidas, impedindo sua venda”.
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Nascimento relata que há ainda pedidos inusitados, como a realização do enterro sob determinado tipo de ritmo musical; ou que a manutenção do túmulo seja contrapartida pelo recebimento da herança. “Além disso, alguns destinam para entidades que cuidam de crianças ou animais de rua ou determinam até que os rendimentos de determinado patrimônio sejam utilizados de forma pré-estabelecida, como na manutenção de instituições de ensino, bibliotecas públicas.”
Mas então o que pode ser incluído num testamento?
Para entender melhor o que pode ou não ser incluído em um testamento, o advogado Gustavo Costa, COO da fintech Herdei, cita abaixo alguns exemplo. Ele frisa, no entanto, que todos os itens devem considerar a regra de 50% referente a legítima, para herdeiros necessários, e 50% para dispor livremente. Caso esses limites sejam ultrapassados, os demais herdeiros podem contestar o documento.
1. Bens Móveis: Itens como veículos, móveis, eletrodomésticos, obras de arte, joias, roupas e outros bens pessoais podem ser deixados para beneficiários específicos.
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2. Coleções: Coleções de selos, moedas, livros, vinhos, armas antigas, e outros itens colecionáveis podem ser mencionadas individualmente ou como um conjunto no testamento, especificando o destinatário.
3. Propriedade Intelectual: Direitos autorais, patentes, marcas registradas e outros tipos de propriedade intelectual podem ser incluídos em um testamento, designando herdeiros para esses direitos.
4. Animais de Estimação: Embora pets sejam considerados bens móveis, em muitos lugares, é possível incluir disposições específicas no testamento para garantir o cuidado dos animais após o falecimento do proprietário, nomeando um tutor e até alocando recursos financeiros para esse fim.
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5. Participações em Empresas: Ações, quotas sociais e outras formas de participação em empresas podem ser incluídas no testamento, determinando quem será o beneficiário dessas participações.
6. Instrumentos Musicais: Se o falecido possui instrumentos musicais de valor significativo ou sentimental, eles também podem ser designados a herdeiros específicos.
7. Bens Digitais: Itens como contas em redes sociais, criptoativos, e outros bens digitais podem ser incluídos em um testamento, com instruções sobre quem deve ter acesso ou controle sobre esses bens após o falecimento.
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8. Direitos sobre Benefícios: Em alguns casos, benefícios como planos de previdência privada, seguros de vida ou outros direitos financeiros podem ser direcionados a herdeiros específicos.
Como isso entra no testamento?
No testamento, esses itens devem ser descritos de maneira clara e detalhada para evitar ambiguidades, de acordo com Costa. O testador deve especificar exatamente o que é deixado e para quem. Para itens como animais de estimação, pode ser útil incluir instruções sobre o cuidado e alocação de fundos para essa finalidade. Além disso, se algum item tiver valor sentimental ou emocional significativo, é comum que o testador explique o motivo de sua disposição, o que pode ajudar a evitar disputas entre os herdeiros.