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Por conta de um ato burocrático exigido pela lei que rege as empresas listadas na Bolsa de Valores no Brasil, o empresário do setor de educação, em Pernambuco, Inácio de Barros Melo Neto virou notícia nacional e assunto no mercado financeiro. Não era por menos. Ele havia se transformado em um dos maiores acionistas minoritários da Americanas (AMER3) – a polêmica varejista que entrou em recuperação judicial, no começo do ano passado, após anunciar um rombo contábil bilionário.
Acima de Melo Neto, no quadro dos maiores acionistas, estavam os pesos-pesados da 3G Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira – alguns dos homens mais ricos do país, com participações relevantes em gigantes como AB InBev, controladora da AmBev, Burger King, entre diversas outras.
A “fama repentina” aconteceu porque, em meados de julho, a Americanas (AMER3) divulgou um comunicado ao mercado – o que é obrigação quando algum acionista atinge uma participação acionária relevante, acima de 5% – informando que Melo Neto detinha 113 milhões de ações ordinárias da companhia. Isso equivalia a uma participação de 12,52% de todo o capital da empresa.
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“Meu objetivo com a participação não é alterar a composição de controle ou a estrutura administrativa, mas sim ganhar capital em uma venda futura”, escreveu, em uma carta anexa, que acompanhava o comunicado.
No dia 12 de julho, o preço da ação da Americanas valia R$ 0,69. Ou seja, o valor de mercado destes papéis, pertencentes a Melo Neto, equivalia à cifra aproximada de R$ 77,970 milhões.
Entre as diversas entrevistas concedidas, nos dias seguintes “à fama”, Melo Neto contou que chegou a adquirir ações cotadas a R$ 0,40 – mas sem revelar, exatamente, qual era o preço médio de sua posição em AMER3. À Reuters, ele afirmou que estudava sobre renda variável há algum tempo e que confiava na capacidade financeira do trio de bilionários da 3G.
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Ação desaba e fortuna “evapora”
O sonho, porém, de “ganhar capital em uma venda futura” pode ter virado pesadelo, desde a semana passada, quando a Americanas, finalmente, divulgou seu balanço financeiro com os números de 2023 e da primeira metade deste ano. E o buraco foi ainda mais profundo do que o esperado: um prejuízo de R$ 1,4 bilhão de janeiro a junho deste ano e outros R$ 2,27 bilhões, referentes a 2023.
Como consequência, no pregão seguinte ao balanço, o preço da ação chegou a desabar mais de 70%. Além do prejuízo bilionário, a empresa decidiu cancelar as previsões de desempenho publicadas no final do ano passado, para “reavaliar a expectativa de desempenho futuro em razão da divulgação dos resultados”.
Mas o mercado não perdoou. Desde então, o preço da ação da empresa só cai. Nesta quinta-feira (22), AMER3 terminou cotada a R$ 0,07.
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Assim, considerando que, entre o anúncio da posição, em 12 de julho, e o pregão da véspera, o preço da ação desabou 89,85%, pode-se concluir que a “fortuna” de Melo Neto, em termos de valor de mercado, em AMER3 tenha sido “evaporada” em cerca de R$ 70 milhões.
O outro lado
Procurado pelo InfoMoney, Melo Neto preferiu não confirmar a sua posição atual em ações da Americanas, embora tenha respondido que “segue confiante” na varejista.
“Eu acredito que a empresa vá mudar de patamar. Se o valor da ação baixar, eu posso comprar ainda mais”, disse Melo Neto, na mesma entrevista à Reuters, em julho, quando o preço da ação da Americanas beirava os R$ 0,70 – dez vezes mais do que agora.
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Aumento de capital
Uma oportunidade de comprar novas ações e garantir sua participação veio pouco depois. Em 26 de julho, o conselho de administração da Americanas homologou um aumento de capital aprovado no início do ano. O movimento foi parte do plano de recuperação judicial definido pela companhia após a crise deflagrada em 2023.
Das mais de 18,8 bilhões novas ações emitidas pela companhia, investidores de referência e credores subscreveram praticamente metade cada um. Quem não estava em nenhum destes dois grupos viu sua participação somada no negócio cair para 3,2%.
O potencial de diluição do aumento de capital – isso é, quanto a mesma quantidade de ações proporcionalmente cairia na comparação ao capital total – foi superior a 90%.
Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, os acionistas de referência, subscreveram 9.437.503.566, equivalente a 49,2%. Outras 9.369.000.523 foram subscritas pelos credores, trocando dívida por participação em um somatório de 47,6% do total.
Pouco mais de 9 milhões de ações ficaram com demais acionistas, embora seja possível que alguns investidores institucionais também estejam no grupo de credores, como fundos de investimento.
Segundo a sócia da RP Law e professora da FGV, Mariana Maduro, investidores fora do grupo de referência ou credores não tinham qualquer impedimento para exercer sua preferência na compra de ações – isso é, comprar uma quantidade de papéis suficiente para preservar sua participação no negócio.
“Bastaria ao acionista comunicar a companhia, durante o período de preferência, e exercer o direito”, explica a advogada. Essa é uma garantia legal dada a quem já possui posição na empresa.
Dada essa distribuição, as 113 milhões de ações de Melo Neto representariam, atualmente, uma participação próxima a 1% do capital da Americanas.
Grupamento de ações
Se o que está ruim não bastasse, já que as ações da companhia amargam desvalorização de 92% em 2024, novas quedas podem estar por vir.
Com a ação valendo atualmente R$ 0,07 – quantia que não se compra nem uma bala “nas Lojas Americanas” – o papel é o com o menor valor listado na Bolsa, entre as mais de 400 empresas.
À frente de AMER3 estão ações como a da Trevisa (LUXM3), que estavam cotadas a R$ 0,12, nesta quinta-feira (22), PDG (PDGR3), a R$ 0,17; e Infracommerce (IFCM3), a R$ 0,18.
E, como a empresa irá fazer um agrupamento de ações, na proporção de 100 para 1, novos espaços para queda se abrem. A operação será efetivada no dia 26 de agosto, passando a valer a partir do dia seguinte.
No grupamento de ações, também conhecido como inplit, a quantidade de papéis em circulação diminui, mas sem alteração do capital social ou o valor na carteira do acionista.
Em resumo, o investidor que tem 100 ações de Americanas a R$ 0,07, possui uma posição em carteira de R$ 7. Após o grupamento, ele terá apenas 1 ação, mas valendo R$ 7.
Mais quedas
O problema do grupamento de ações é que, embora ele possa aumentar o preço unitário das ações e melhorar a negociação, pode gerar uma percepção negativa entre investidores.
Isso porque investidores podem interpretar o aumento do preço como uma tentativa da empresa de mascarar o baixo valor das ações, o que pode afetar a confiança no papel.
Além disso, a redução da quantidade de ações em circulação pode diminuir a liquidez, tornando as ações menos negociáveis.