Em recado a Milei, Lula critica “falsos democratas” e “ultraliberais” no Mercosul

Em discurso, Lula associou os elevados índices de desigualdade social na região a riscos à democracia e atacou o avanço de pautas conservadoras; presidente argentino não participou

Equipe InfoMoney

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República (Foto: Reprodução/YouTube)
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República (Foto: Reprodução/YouTube)

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Na reunião de cúpula do Mercosul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez, nesta segunda-feira (8), um discurso enfático em defesa à democracia na América Latina e deu recados contra aqueles que classificou como “falsos democratas” que, na sua visão, tentam “solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários”.

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As declarações ocorreram na ausência do presidente da Argentina, Javier Milei, que desistiu de participar do encontro, mas que no fim de semana esteve em Balneário Camboriú (SC), para a Conferência da Ação Política Conservadora (CPAC) ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras lideranças políticas da direita brasileira.

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Logo na abertura de sua fala, Lula lembrou do episódio recente de tentativa fracassada de golpe de Estado na Bolívia e traçou um paralelo com as manifestações antidemocráticas de 8 de janeiro de 2023, que culminaram na invasão às sedes dos Três Poderes, em Brasília. O evento dos líderes do Mercosul ocorre em Assunção, no Paraguai.

“A reação unânime [dos países do Mercosul] ao 26 de junho na Bolívia e ao 8 de janeiro no Brasil demonstra que não há atalhos à democracia em nossa região, mas é preciso permanecer vigilante. Falsos democratas tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários”, afirmou.

“Enquanto nossa região seguir entre as mais desiguais do mundo, a estabilidade política permanecerá ameaçada. Democracia e desenvolvimento andam lado a lado”, prosseguiu.

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O presidente brasileiro também associou os elevados índices de desigualdade social na região a riscos à democracia e atacou o que classificou como “experiências ultraliberais” na América Latina − em outro recado velado a Milei.

“Enquanto nossa região seguir entre as mais desiguais do mundo, a estabilidade política permanecerá ameaçada. Democracia e desenvolvimento andam lado a lado”, afirmou.

“Os bons economistas sabem que o livre mercado não é uma panaceia para a humanidade. Quem conhece a história da América Latina reconhece o valor do Estado como planejador e indutor do desenvolvimento. No mundo globalizado, não faz sentido recorrer ao nacionalismo arcaico e isolacionista. Tampouco há justificativa para resgatar as experiências ultraliberais que apenas agravaram as desigualdades em nossa região”, prosseguiu.

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Esta é a primeira cúpula do Mercosul que não conta com a participação do presidente da Argentina. Milei enviou a chanceler do país Diana Mondino para representá-lo. O atual mandatário do país-vizinho é crítico ao bloco regional e outros fóruns internacionais e também já fez duras críticas a Lula.

As falas de Lula, por sua vez, foram vistas nos bastidores como um “recado” ao argentino após o evento com lideranças conservadoras no Brasil.

Durante seu discurso, Lula disse, ainda, que nunca os líderes do Mercosul se depararam com tantos desafios − seja no âmbito regional, seja a nível global. “Nos últimos anos, permitimos que conflitos e disputas, muitas vezes alheias à região, se sobreponham à nossa vocação de paz e cooperação. Voltamos a ser uma região balcanizada e dividida, mais voltada para fora do que a si própria”, disse.

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“É preciso pensar grande, como nossos antecessores ousaram fazer nesta capital há 33 anos. O Mercosul será o que quisermos que seja. Não nos cabe apequená-lo com propostas simplistas que o debilitam institucionalmente. Nossos esforços de atualização devem apontar para outra direção”, continuou.

O presidente brasileiro disse que a região tem “uma agenda inacabada”, que traz como consequência a exclusão de dois setores excluídos do livre-comércio: 1) a inclusão do setor automotivo; 2) a evolução de debates sobre o desenvolvimento dos biocombustíveis a partir do setor açucareiro.

“Precisamos de uma integração regional profunda, baseada no trabalho qualificado e na produção de ciência, tecnologia e inovação para a geração de emprego e renda”, afirmou.

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Ele também enfatizou o “papel incontornável” da América Latina na agenda global da transição energética, sugeriu a formação de uma aliança entre produtores de minerais críticos para a garantia de que os benefícios da exploração desses recursos sejam aproveitados pelos países. E defendeu uma governança de dados como instrumento para a soberania futura da região e o desenvolvimento da inteligência artificial local.

Do ponto de vista comercial, Lula disse que “só não concluímos o acordo com União Europeia porque os europeus ainda não conseguiram resolver suas próprias contradições internas”.

O acordo entre UE e Mercosul vem sendo negociado há mais de 20 anos. Em 2019, os blocos chegaram a assinar uma versão, que não foi ratificada em meio à difícil relação do governo Jair Bolsonaro com os europeus, ao aumento do desmatamento e ao não cumprimento de regras ambientais pelo Brasil.

As negociações foram reabertas em março de 2023, mas geraram novos embates. De um lado, Lula passou a criticar o bloco europeu pelas exigências ambientais. De outro, o presidente francês Emmanuel Macron se tornou uma voz cada vez mais frequente contra o acordo, em meio a protestos de agricultores locais, que se opõem à entrada de produtos agrícolas da América do Sul na França.

Desde o início da presidência paraguaia no Mercosul, em dezembro, as negociações pelo acordo estão paralisadas.

O cenário se tornou ainda mais adverso após as eleições para o Parlamento Europeu, braço legislativo da UE, em junho, que teve um avanço de partidos de extrema-direita em alguns dos principais países do bloco, como Alemanha, França e Itália.

Os partidos da extrema-direita europeia têm defendido uma abordagem mais protecionista no bloco e defendido os agricultores europeus em meio à crise de custo de vida no continente.

Na reunião de cúpula do Mercosul, nesta segunda-feira (8), Lula também enfatizou acordos firmados com países asiáticos e indicou foco em diálogos com a China sobre um acordo e a busca pelo aprimoramento de um sistema de pagamentos em moeda local − que, na prática, reduz a dependência ao dólar.

“Maior harmonização nos procedimentos adotados pelos nossos bancos centrais para esse tipo de operação reduzirá custos e beneficiará, sobretudo, pequenas e médias empresas do nosso continente”, disse.

(com agências)