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Walt é um executivo sênior que se reporta a um CEO de um grande fabricante de peças automotivas que eu treino há anos. Estávamos no café da empresa em um dos “town halls” do CEO, no qual ele estava entregando os prêmios pelas realizações daquele ano. Enquanto ele entregava o prêmio por conquistas em inovação a uma equipe de jovens cientistas que haviam obtido uma importante patente para a empresa, notei que Walt parecia distante. “Eu perguntei a ele quais eram os seus pensamentos.” Ele disse: “Lembrei da patente pela qual ganhei esse prêmio como se fosse ontem”.
Na verdade, havia sido 15 anos antes. Questionei-o sobre como foi para ele ver o prêmio sendo concedido a jovens cientistas que cresceram em uma era da indústria automotiva tão diferente da dele. Fiquei surpreso com sua resposta. Em tom taciturno, ele disse “descartado”.
Mais tarde, perguntei ao CEO se ele havia notado se Walt estava passando por dificuldades nos últimos tempos. Ele disse: “Nos últimos anos, ele fala sem parar sobre seus bons e velhos tempos. Ele tem muitos anos bons pela frente, mas suga a energia de cada sala por onde passa com sua nostalgia, compartilhando com todos um tour virtual de seus maiores sucessos. Por respeito, as pessoas ouvem, mas isso irrita a equipe.”
Walt não está sozinho em sua angústia. Profissionais em todos os estágios de suas carreiras enfrentam momentos em que temem estar se tornando obsoletos ou já estarem nessa situação. Um estudo realizado pela PwC em 2021 revelou que quase 40% dos trabalhadores têm receio de que seus empregos se tornem obsoletos dentro de cinco anos. Para os trabalhadores mais jovens, para os negros e para aqueles que têm salários mais baixos, o medo é ainda maior: de acordo com outro levantamento, 25% deles temem que a IA torne seus empregos obsoletos. O medo de se tornar obsoleto tem aumentado entre os trabalhadores dos EUA.
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Ao contrário de momentos ocasionais em que temos dúvida a nosso próprio respeito, temer a obsolescência significa que, fundamentalmente, questionamos nossa relevância profissional. E quando essa parte de nossa identidade se sente ameaçada, isso pode ter um impacto negativo em nossa saúde mental, em nosso senso de felicidade e em nossa capacidade de participar de relações profissionais significativas. Pior ainda, quando exageramos no medo, ele cria distorções cognitivas a nosso próprio respeito, dos outros e de nosso ambiente que podem nos levar às piores versões de nós mesmos. Walt não havia percebido o quão desesperado por afirmação ele aparentava estar para seus colegas, nem de quão irritados eles haviam ficado com seu comportamento.
Quer você esteja no início da sua carreira lidando com perturbações tecnológicas e econômicas em potencial, ou em um estágio mais avançado questionando sua relevância futura, os sentimentos de obsolescência não precisam aprisionar você no medo ou na sensação de futilidade. A questão não é como evitar esses sentimentos, mas sim como reconhecer sinais de que você os está tendo e lidar com eles de forma saudável e honesta.
Esteja atento aos sinais
Primeiro, observe sinais de que você está enfrentando o medo da obsolescência:
Comportamento que sinaliza uma busca por atenção
Preste atenção às formas pelas quais o medo de se tornar irrelevante pode levá-lo a buscar atenção excessiva para si mesmo. Você pode estar se envolvendo ou dedicando tempo demais a conversas para reforçar um senso de autoimportância. Profissionais de carreira mais jovens podem mencionar ou dar ênfase exagerada aos seus conhecimentos sobre tecnologias recentes para demonstrar superioridade e intimidar seus colegas. Profissionais mais experientes, como Walt, podem fazer referências excessivas a conquistas passadas para reforçar a credibilidade diante daqueles que possam vê-los como antiquados. O medo da obsolescência pode nos levar a focar demais em nós mesmos.
Sonhar acordado com sucessos futuros ou possíveis “bis”
Quando nos sentimos ansiosos, o desejo por ter comportamentos dissociativos pode ser forte. Queremos trocar a realidade que nos rodeia por algo mais emocionante e esperançoso. Profissionais mais jovens podem sonhar com sucessos e elogios futuros, enquanto os mais experientes podem desejar reviver sucessos passados.
Para que fique claro, não há nada de errado em ocasionalmente sonhar em alcançar algo significativo ou desejar repetir um sucesso do passado. Mas quando esse devaneio se transforma em uma preocupação doentia, levando você a se sentir inseguro sobre seu valor profissional, pode ser um sinal de que está presente um medo subjacente da obsolescência.
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Ficar hipervigilante
Quando questionamos nossa própria importância, é fácil projetar esses sentimentos nos outros e presumir que eles nos veem como irrelevantes. Se você ficar sensível demais a críticas legítimas, começar a especular se os outros questionam seu valor ou ficar constantemente alerta a sinais que confirmem seus medos de ser marginalizado, é provável que você esteja enfrentando o medo da obsolescência. Isso também pode se manifestar como um sentimento de estar instintivamente ameaçado por mudanças, como a introdução de novas tecnologias que você não conhece ou a chegada de novos talentos com habilidades que você não tem.
Fazer comparações nocivas
Quando nos sentimos inseguros a respeito de nosso valor, é comum nos compararmos com outras pessoas que tememos serem vistas como mais relevantes do que nós. Comparação pode ser uma forma saudável de aprender com os outros, se a utilizarmos para avaliar de maneira precisa nossos pontos fortes e oportunidades de melhoria. Mas quando essas comparações são motivadas pelo medo de inferioridade, podem se tornar destrutivas.
Isso pode nos levar em duas direções. Podemos utilizar o sucesso e o talento dos outros contra nós mesmos, o que nos condena à inevitável obsolescência que tememos. Ou então podemos nos tornar desdenhosos e condescendentes em relação às capacidades e conquistas dos outros em busca de reforçar nosso próprio senso de relevância.
Substitua seu medo
Se você acredita que está sendo afetado por medos mais profundos de obsolescência, seguem algumas maneiras de começar a se libertar deles e recuperar sua autonomia, e não importa em que estágio esteja em sua carreira:
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Faça um inventário honesto de seus talentos únicos
Quando nos sentimos inseguros quanto à relevância das nossas capacidades, fica muito fácil analisá-las através de lentes distorcidas, exagerando ou subestimando seus méritos. Reúna evidências concretas de suas contribuições através do feedback de colegas e descubra o que eles consideram ser sua contribuição excepcionalmente valiosa. Pergunte a especialistas que você respeita em quais capacidades deve focar em fortalecer para mantê-las valiosas e relevantes no futuro.
Concentre nas habilidades que a tecnologia nunca poderá substituir
Para colaboradores em início de carreira que estão especialmente preocupados com tecnologias como IA e robótica, não se esforce para superar a produtividade ou a capacidade analítica delas. Em vez disso, valorize e desenvolva habilidades humanas como empatia, curiosidade e resiliência. Como afirmou de maneira eloquente Tomas Chamorro-Premuzic: “Podemos não saber como serão os empregos de amanhã, mas podemos presumir com segurança que, quando as pessoas forem mais curiosas, emocionalmente inteligentes, resilientes, motivadas e perspicazes, de modo geral estarão mais bem preparadas para aprender o que é necessário para desempenhar esses trabalhos e fornecer qualquer valor humano que a tecnologia não possa substituir”.
Honre os dias de glória e guarde os troféus
Para aqueles que estão em um momento mais avançado em suas carreiras e se agarram aos pináculos de grandeza do passado, honrem o que conquistaram e permitam-se deixar tudo aquilo na memória. Seu foco obsessivo no passado pode estar impulsionando você para a própria obsolescência que teme. Guarde os simbólicos “troféus” dos quais você tem saudade e olhe para o futuro. O local do encontro entre nostalgia e relevância é uma encruzilhada que obriga você a escolher entre um ou outro. Você não pode ter os dois. A nostalgia pode levar você a compartilhar suas reflexões em um jantar profissional, mas não garantirá que você seja designado para os projetos mais recentes e de alto nível. Quer você tenha cinco ou 15 anos pela frente, evite se concentrar em reviver sucessos passados. Quanto mais você demonstra que se apega a esses sucessos passados, mais evidências você dá aos outros de que seus melhores dias realmente ficaram para trás.
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Assuma novas oportunidades para se expandir
Demonstrar capacidade de aprender coisas novas é um dos sinais mais fortes que você pode transmitir ao mundo sobre a sua relevância. Além disso, essa ação mantém a confiança em sua capacidade de se adaptar às novas condições, não importa em que estágio de sua carreira você esteja. Em vez de ver a mudança iminente como uma ameaça à sua relevância, pergunte-se: “o que essa incerteza pode estar me convidando a aprender”? Embora seres humanos não sejam fãs naturais da incerteza, ela cria oportunidades.
Se você está no início de sua carreira, se ofereça para atuar em projetos que você acredita representarem o futuro da sua empresa, mesmo que apenas como observador. Monitore suas narrativas internas sobre o que você está vivenciando e preste muita atenção aos sintomas discutidos anteriormente, especialmente comparações prejudiciais, desprezo ou autodesprezo. Concentre-se em ser curioso, fascinado e ansioso para aprender.
Se você estiver em um momento mais avançado em sua carreira, encontre maneiras de utilizar sua experiência para desenvolver outras pessoas. Onde você pode ser o “estadista sênior” cuja sabedoria pode beneficiar aqueles que estão seguindo atrás de você? Evite reunir um público meramente para compartilhar histórias de sucessos passados. Em vez disso, desenvolva novas habilidades de mentoria e ensino que transfiram conhecimento de forma graciosa para outras pessoas e, ao mesmo tempo, permitam que você também aprenda algo novo. Muitas empresas estão preocupadas com a perda de conhecimento institucional à medida que profissionais experientes deixam o local de trabalho. De que forma você pode ajudar a codificar a sabedoria mais importante da sua empresa para beneficiar colaboradores futuros?
Limite o sentimento de direito adquirido e foque na contribuição
Um potencial efeito colateral desagradável de temer nossa própria obsolescência é uma sensação de ter um direito adquirido. Profissionais em início de carreira podem se tornar insistentes e petulantes ao buscar atribuições excelentes e oportunidades para se destacar. Eles podem sentir ressentimento em relação a profissionais mais avançados na carreira que consideram como obstáculos que os impedem de ter oportunidades de avanço. Por outro lado, os profissionais mais antigos sentem que “conquistaram” o direito de serem vistos como importantes simplesmente por causa do seu histórico. Eles podem se ressentir dos talentos recém-chegados por não terem conquistado o direito de enfrentar desafios maiores que, por direito, são deles.
Este conflito entre legado e potencial é contraproducente. Ambas as formas de “direito adquirido” deixam um gosto desagradável na boca dos outros, e a ironia é que, sem ambos, tanto o potencial dos profissionais mais jovens quanto os legados dos profissionais mais velhos não são totalmente realizados.
Substitua qualquer vestígio desses sentimentos por um compromisso genuíno de servir e contribuir através das gerações. Independentemente de onde você esteja em sua carreira, mantenha uma postura de humildade e busque graciosamente oportunidades para ajudar os outros a brilhar. Alguns dos fatores mais importantes que mantêm os profissionais relevantes em todas as fases de suas carreiras são ser considerados pessoas com quem é uma alegria trabalhar, um excelente colega com quem aprender e alguém que de fato se preocupa com o sucesso dos outros.
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Em todas as fases da vida, todos desejamos sentir que somos importantes, sabendo que nossa singularidade tem valor no mundo. Quando esse desejo é existencialmente ameaçado por forças que estão além do nosso controle — como o passar do tempo ou a chegada de mudanças — isso pode nos levar a uma crise de identidade que distorce nosso sentido de quem somos e mina nossa crença no que esperávamos nos tornar.
No entanto, muitos profissionais em todas as fases da carreira encontram formas de continuar a aprender, a se adaptar e a contribuir. Dada essa verdade, a obsolescência não é um resultado, mas uma mentalidade. Quando nosso medo supera nossa crença de que sempre temos mais a oferecer, não nos “tornamos” obsoletos, mas sim nos entregamos a esse processo. A obsolescência não é o resultado da perda da nossa utilidade percebida.
É uma consequência da perda de nossa humanidade e capacidade de agir. Aceite que a sua maior relevância para o mundo não é apenas ter as melhores habilidades. Muitas pessoas com quem ninguém quer trabalhar têm isso. Em vez disso, reconheça sua relevância como sendo a soma de todas as maneiras pelas quais você pode permitir que aqueles ao seu redor reconheçam e valorizem sua importância. Fixe seu foco nisso e você nunca terá que temer a obsolescência.
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Ron Carucci é cofundador e sócio-gerente da Navalent. Ele trabalha com CEOs e executivos que estão em busca de mudanças transformacionais. Carucci é o autor best-seller de oito livros, incluindo To Be Honest e Rising to Power (Ser honesto e chegar ao poder, em tradução livre). Conecte-se com ele no LinkedIn, em RonCarucci, e baixe sua avaliação gratuita “How Honest is My Team?” (Quão honesta é minha equipe?, em tradução livre).
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