O plano B cheio de lacunas de Paulo Guedes

O ministro prometeu um ajuste forte, mas sem apontar onde, de fato, serão realizados os cortes. Que gastos obrigatórios serão reduzidos ou eliminados? Quais despesas deixarão de ser corrigidas? Esses pontos são abordados pelo economista Guilherme Tinoco, especialista em finanças públicas, no artigo a seguir

Guilherme Tinoco

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

(Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
(Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

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“Há algum tempo vem circulando a ideia de suposto plano B do ministro Paulo Guedes. Na sua entrevista de domingo para o Estadão, o assunto voltou a ter destaque, sob um novo nome: PEC do pacto federativo. Perguntado sobre o que, afinal, seria esse plano, o ministro disse:

“São os representantes do povo reassumindo o controle orçamentário. É a desvinculação, a desindexação, a desobrigação e a descentralização dos recursos das receitas e das despesas. Isso chegou até a ser veiculado como plano B, caso não fosse aprovada a reforma da Previdência, lá atrás, mas são dois projetos diferentes”

Ele explica ao longo da entrevista que seu objetivo é que os políticos tenham liberdade para alocar 100% do orçamento público, próximo a R$ 1,5 trilhão para a União.

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No Valor de ontem, o vice-presidente General Mourão endossa o pleito, de maneira que o Congresso recupere “um poder que hoje ele não tem, que é de realmente montar o Orçamento”.

Dizem que a entrevista do ministro animou o mercado. Isso teria ocorrido não só pela disposição do comandante em assegurar a quantia de um trilhão na previdência (como não poderia ser diferente), mas também pela defesa do tal do plano B.

Daí vem a pergunta de um milhão de dólares: o que é realmente esse plano?

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Antes de tentar responder, temos que esclarecer uma coisa. Em 2018, somente quatro itens da despesa concentraram 74% da despesa federal (correspondendo a R$ 994 bilhões, quase R$ 1 trilhão!). Em relação à receita líquida, esse percentual foi ainda maior, ficando em 81%.

Isso mostra que não se realiza ajuste fiscal sem que se atue individualmente sobre essas e outras despesas obrigatórias (e por isso a reforma da previdência é tão importante).

Ou seja, ainda que se dê “total liberdade” ao Congresso para alocar seu um trilhão e meio de reais por ano, os parlamentares não terão escolha, sem medidas adicionais, quanto ao pagamento do funcionalismo (R$ 298 bilhões em 2018) e aposentados (R$ 586 bilhões em 2018), para ficar somente em dois exemplos.

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Com isso, já dá pra perceber que o plano não pode ser uma coisa tão grandiosa para o ajuste fiscal.

Para piorar, a entrevista mostrou que, além não poder entregar muita coisa sozinho, esse plano está bastante confuso. Ele engloba adicionalmente a desvinculação também para estados e municípios, a descentralização de recursos (sem mostrar espaço fiscal na União) e ainda propõe um pacote de alívio fiscal de curto prazo, chamado de “Plano Mansueto”. Quase um plano dentro do plano.

Na falta de mais detalhes, cada um entende o quer. Para não alongarmos demais, vamos nos concentrar na esfera das contas federais.

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O cerne do plano B é desvincular e desindexar todo o orçamento da União. Mas isso por si só não ajusta, não cria superávit primário. A gente quer saber, no final das contas, onde vai ser o ajuste fiscal. Vamos ser mais específicos.

O termo desvincular está sendo usado como um saco de gato que abrange: (i) desvincular receitas, (ii) desindexar despesas e (iii) desobrigar despesas obrigatórias. O que tem de relevante em cada um dos pontos?

Começando pelo (iii), isso nada mais é do que cortar gasto obrigatório. Ou seja, não tem novidade, é o que o governo vem tentando fazer há algum tempo: reformando o seguro desemprego e o abono salarial e cortando subsídios, por exemplo. A própria reforma da previdência é um ajuste em gasto obrigatório.

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Se o plano é, portanto, anunciar que vai cortar despesa obrigatória, ele só começa a fazer sentido quando você aponta para qual despesa pretende cortar.

O ponto (ii) tem lógica similar. O plano é impedir que despesas obrigatórias cresçam segundo alguma regra predeterminada. Um exemplo diz respeito à regra do salário mínimo, que diz que ele é reajustado de acordo com o INPC do ano anterior e com a variação do PIB de dois anos antes. Outro exemplo se refere a despesas com saúde e educação, cujos mínimos passaram a ser reajustados pelo IPCA após a adoção do teto de gasto. Esses exemplos estão dentro do plano? Não se sabe.

Por último, temos o ponto (i), sobre a desvinculação de despesas de determinadas receitas. Quais seriam as despesas vinculadas a alguma receita, no nível da União, que seriam objeto da desvinculação? Onde estaria toda essa sobra de recursos a ser cortada? Até mesmo para que o mercado possa avaliar o plano, esses detalhamentos são importantes e, até agora, não foram fornecidos.

Vale notar que algumas dessas despesas vinculadas à receita curiosamente até ajudam no superávit primário (as que empoçam, por exemplo). Como vão para a conta única, mas ficam vinculadas, há até uma discussão importante sobre a desvinculação dessas para abatimento de dívida, como explorado pelo ex-ministro Eduardo Guardia, em seu capítulo no livro “A crise fiscal e monetária brasileira”, organizado em 2016 por Edmar Bacha. Mas é uma discussão que não tem a ver com o que vem sendo debatido nesse plano B do Paulo Guedes.

É importante deixar claro que nem estamos discutindo a importância ou não da vinculação, como no caso de saúde e educação, onde há um debate relevante sobre a necessidade ou não da destinação mínima. Por enquanto, queremos apenas entender o principal: onde, afinal, o governo vai ajustar? Vale lembrar que corte de gasto, vinculado ou não, obrigatório ou não, nunca é tarefa fácil.

Talvez a empolgação com o plano seja justamente o fato de prometer um ajuste forte, mas que, sem apontar onde serão de fato realizados os cortes, não tenha uma oposição articulada de início (ao contrário da previdência). Assim, daria a impressão de tratar-se de medida fácil, com pouco custo e muito ganho. Se é isso ou não, só o tempo irá dizer. Ou o ministro, na próxima entrevista.”

O artigo acima escrito pelo economista Guilherme Tinoco, especialista em finanças públicas. 

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Guilherme Tinoco

Guilherme Tinoco é especialista em contas públicas, com diversos trabalhos publicados na área. Foi vencedor do Prêmio Tesouro Nacional em 2011. É economista pela UFMG e mestre pela FEA/USP.