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Dois novos alvos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no enfrentamento a alegadas distorções no sistema tributário brasileiro, a desoneração da folha de pagamentos concedida a 17 setores econômicos e o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) podem abocanhar algo entre R$ 15,8 bilhões e R$ 29 bilhões em gastos tributários caso sejam mantidos sem alterações em 2024.
Os números vêm sendo objeto de discórdia entre o Ministério da Fazenda e os setores beneficiados pelos programas. No caso do Perse, a pasta estima uma perda de arrecadação de R$ 17 bilhões no ano passado. Um estudo feito pela Tendências Consultoria Integrada com base em dados públicos, encomendado por dez associações, indica, por outro lado, um custo máximo de R$ 6,4 bilhões, considerando uma implementação adequada do programa.
A consultoria sustenta que os dados da Receita Federal estão desatualizados e diz que foi preciso usar outras bases abertas, mas admite que eventuais fraudes ou movimentações atípicas podem afetar os cálculos. Algumas semanas atrás, o governo apontou indícios de lavagem de dinheiro, superfaturamento e outras atividades ilícitas por meio do programa − o que gerar maior impacto fiscal.
Vale destacar, contudo, que o próprio Demonstrativo de Gastos Tributários (DGT) elaborado pela Receita para o Orçamento de 2024 projeta uma renúncia fiscal de R$ 4,43 bilhões com o programa. Segundo o documento, são R$ 1,575 bilhão de perdas no IRPJ, R$ 378,58 milhões na contribuição para o PIS-Pasep, R$ 774,98 milhões na CSLL e R$ 1,697 bilhão na Cofins. O montante equivale a 0,85% de todos os gastos tributários estimados para o exercício − R$ 523,72 bilhões.
Já no caso da desoneração da folha, o impacto fiscal foi de R$ 9,36 bilhões em 2022, segundo dados da Receita Federal. No início deste ano, o ministro Fernando Haddad (PT) afirmou que a equipe econômica estima uma perda de arrecadação de cerca de R$ 12 bilhões com o benefício sobre a folha de salários se nada for feito.
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Ambos os benefícios fiscais foram objeto de medida provisória (MPV 1202/2023), editada por Lula no apagar das luzes do ano passado − e que provocou desentendimento com o Congresso Nacional. Enquanto a matéria ainda aguarda deliberação, sequer com comissão mista instalada no parlamento, a equipe econômica tenta negociar os pontos abordados pelo dispositivo.
Parlamentares alegam que o Poder Executivo desconsiderou deliberação do próprio Poder Legislativo ao revogar uma lei aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, que estendia o benefício tributário sobre a folha de pagamentos até dezembro de 2027. O texto foi vetado por Lula, mas recuperado pelos congressistas com a derrubada do veto e posterior promulgação da lei.
Em meio aos ruídos gerados − e o próprio risco de devolução sumária da MPV pelo Legislativo −, o Palácio do Planalto recuou e aceitou discutir pelo menos a desoneração da folha de pagamentos em um projeto de lei separado, com tramitação em regime de urgência, mas ainda sem qualquer acordo de mérito.
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O projeto já chegou à Câmara dos Deputados. Os outros dois itens da medida provisória original (fim do Perse e a limitação às compensações tributárias) permanecem no texto, mas também dependerão de ampla negociação para avançarem. O conjunto de medidas é tratado pela equipe econômica do governo como fundamental para a busca do cumprimento da meta de zerar o déficit primário em 2024.
O Perse foi criado em 2021 com o objetivo de socorrer os setores de eventos e turismo, fortemente atingidos pelos efeitos econômicos da pandemia de Covid-19. Desde o fim do ano passado, o assunto tem provocado uma disputa que coloca o governo de um lado e os segmentos e parte do Congresso Nacional de outro.
A medida provisória editada por Lula no ano passado prevê a aplicação da CSLL, do PIS/Pasep e da Cofins já a partir de abril deste ano, cumprindo a noventena exigida pela Constituição Federal. A retomada da cobrança do IRPJ, por outro lado, ocorreria somente em 2025, dada a necessidade de atendimento ao princípio da anualidade − ou seja, a regra só pode valer no exercício seguinte ao de sua aprovação.
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Já a desoneração da folha vem sendo adotada desde 2011. O benefício fiscal consiste na substituição da contribuição paga pelas empresas destinada à Seguridade Social, de 20% sobre o total de remunerações pagas, por uma contribuição sobre a receita bruta das companhias, com alíquotas que variam de 1% a 4,5%. O modelo também eleva em 1 ponto percentual a alíquota da Cofins na hipótese de importação de determinados bens.
A proposta do governo (inicialmente inserida na MPV e agora em projeto de lei específico) estabelece um benefício temporário substituto, a partir da própria folha de pagamentos. Pela regra, os setores beneficiários seriam divididos em dois grupos − cada um com uma alíquota de partida e um ritmo de saída. O desenho, contudo, tem enfrentado resistências entre setores beneficiados pelo modelo vigente.