Tão difícil quanto montar uma equipe de sucesso é reter profissionais-chave, que farão a diferença nos resultados e no futuro da empresa. Não é à toa que empresas uszam diferentes formas de incentivo aos colaboradores, e uma delas são as stock options. Os planos de opção de compra de ações têm ganhado força no mercado brasileiro, especialmente em empresas listadas, startups e do setor de tecnologia.

Hoje não há uma legislação para esse instrumento de incentivo, cujas regras são determinadas pelas próprias empresas, o que tem gerado diversos embates entre as corporações, executivos de alto escalão e o governo, tanto no Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais) quanto na Justiça. A discussão é não só trabalhista (o benefício faz parte da remuneração do profissional ou é um contrato de risco?) como tributária (quanto os executivos e as empresas devem pagar de tributos).

No Congresso, há diversos projetos para regulamentar as stock options. Em setembro de 2023, foi aprovado pelo Senado o Projeto de Lei (PL) 2724/2022, que pode se tornar a primeira regulamentação jurídica sobre o instrumento. Ele pretende não só criar parâmetros legais para o benefício, mas também ampliar o escopo dos planos de opção de compra de ações, para permitir que o benefício seja usado inclusive entre empresas e terceirizados, empresas e fornecedores e até entre companhias.

Especialistas defendem que o PL traria segurança jurídica, tanto para as empresas que adotam o programa quanto para seus beneficiários, sejam eles empregados de carteira assinada, profissionais liberais ou prestadores autônomos. “Sem dúvida o PL é uma evolução, pois como ainda não temos um marco regulatório sobre stock options, cada empresa faz como bem entende. As regras objetivas evitarão o volume de autuações que temos hoje por parte da Receita Federal e da Justiça do Trabalho”, diz o advogado André Laza, consultor e sócio do escritório Champs Law.

Laza pondera, no entanto, que o projeto aprovado no Senado possui diversas lacunas, e diz que as partes envolvidas precisam estar atentas na hora da negociação.

A seguir, conheça os principais pontos sobre as stock options: como funciona, suas vantagens e os pontos de alerta mais importantes.

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O que são stock options?

Stock options são opções de compra de ações que algumas empresas oferecem a colaboradores-chave, normalmente altos executivos e profissionais especializados. O intuito desse benefício é reter e recrutar novos talentos no mercado, em troca de uma participação na companhia.

Com as stock options, os beneficiários podem adquirir ações da empresa, no futuro, a um preço preestabelecido — normalmente mais vantajoso do que o praticado pelo mercado, quando a empresa tem capital aberto em bolsa.

Aqui, valem parênteses para explicarmos termos técnicos utilizados nesta estrutura, que são importantes para entender o seu funcionamento:

  • Cliff: Período de carência inicial, no qual o beneficiário ainda não pode exercer a opção de compra das ações da empresa. Na prática, é como se fosse um prazo de experiência, no qual empresa e profissional estão se conhecendo e avaliando a parceria futura.
  • Vesting: passado o cliff, temos o período de vesting, que é quando o colaborador começa a adquirir gradualmente o direito de comprar as ações. De forma geral, as empresas escalonam o vesting (permitem que as ações sejam adquiridas em etapas). Assim, o profissional é incentivado a permanecer na empresa para obter totalmente o benefício das stock options.
  • Strike price: também chamado de “preço de exercício”, é o valor pelo qual o colaborador tem o direito de adquirir as ações quando for exercer as opções de compra.
  • Prêmio: valor pago pelo colaborador para poder exercer a opção de compra das ações (sim, é preciso pagar pelo benefício).
  • Option pool: proporção do capital social que a empresa destinará ao programa de stock options. A empresa precisa definir se o percentual ofertado virá de algum sócio específico, se os acionistas serão diluídos ou se vai usar as ações que tem em tesouraria, por exemplo.
  • Lock up: período no qual o beneficiário não pode vender as ações que adquiriu por meio das opções de compra. A cláusula de lock up é bastante comum em IPOs, e no caso das stock options o objetivo é manter o vínculo entre o profissional e a empresa pelo tempo contratual determinado.

Como surgiram as stock options?

Essa modalidade de remuneração começou a ser adotada simultaneamente pelos Estados Unidos e Europa na década de 1950 e se fortaleceu nos anos 70. Foi só nos anos 90 que as stock options chegaram no Brasil, por meio de multinacionais que tinham filiais brasileiras e já utilizavam o benefício lá fora para remunerar altos executivos.

Além das empresas de capital aberto, que usam o instrumento, aos poucos startups ligadas à tecnologia passaram a adotar essa forma de atrair e recompensar profissionais qualificados, por não serem capazes de oferecer salários mais altos.

“Nos últimos cinco anos, as empresas têm aumentado a utilização de stock options no Brasil. Além das startups de tecnologia, vejo o formato sendo adotado especialmente pelos setores de varejo, transportes e prestação de serviços em geral”, diz André Lazza.

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Como funcionam as stock options?

Existem diferentes etapas no funcionamento das stock options. A primeira delas é o cliff, a carência inicial que o colaborador precisa cumprir para exercer as opções de compra quando é contratado.

Passado esse período vem o vesting, e o profissional começa a adquirir o direito comprar as ações, de acordo com o que foi acordado. Por exemplo: a empresa pode autorizar a compra de 20% a cada ano, do total das ações destinadas no plano. Assim, o colaborador precisará permanecer na companhia por 5 anos para usufruir de todo o benefício.

No momento de exercer a opção, se o strike negociado no contrato for menor do que o preço da ação no mercado acionário, o profissional estará comprando a participação com desconto (e poderá ter um ganho de capital se vender os seus papéis).

Algumas empresas oferecem gratuitamente as stock options aos colaboradores, o que fez com que a Receita Federal e a Justiça do Trabalho considerassem o benefício uma verba trabalhista (parte da remuneração do profissionais). Assim, algumas companhias tiveram que recolher FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviços), 13°salário, férias e demais encargos trabalhistas sobre os vaores.

“O objetivo das stock options é reter investidores que trabalhem na empresa, e eles podem ou não ter vínculo empregatício. A pessoa literalmente paga para ser sócia, logo as opções de compra não podem ser consideradas verbas trabalhistas por si só”, diz o advogado. “Mas, se o empregado não paga nada [pela participação], a Justiça do Trabalho e a Receita Federal podem entender que isso é uma remuneração, não um benefício”.

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Um dos principais aspectos que o PL 2724/2022 busca definir é a determinação da natureza mercantil — e não trabalhista — das stock options. Lazza destaca três elementos do projeto que caracterizam essa natureza e, em sua visão, não deixam margem para discussão:

  1. A operação deve, necessariamente, ser onerosa. O empregado tem que pagar um prêmio para adquirir a opção, mesmo que subsidiado pela empresa (em parte ou totalmente), desde que o valor não seja muito distante do praticado pelo mercado. 

“Se o valor da stock option for muito abaixo do mercado, o juiz pode entender como uma simulação para descaracterizar verba trabalhista. Quanto mais próximo do valor de mercado, mais robusto é o caráter mercantil”, diz o advogado.

  1. O prazo mínimo de vesting deve ser de 12 meses. Ou seja: a partir do momento em que adquire a opção, o colaborador precisa esperar 1 ano para que possa efetivamente comprar as ações.
  2. O prazo mínimo de lock up também deve ser de 12 meses. Salvo determinação diferente por parte da empresa, as ações só poderão ser vendidas depois desse período.

Lacunas da nova lei

André Lazza ressalta a importância do PL para acabar com a discricionariedade de decisões sobre as stock options, principalmente por parte da Receita, mas diz que um dos aspectos negativos é a omissão em relação a “eventos de liquidez” (como demissões ou quando a empresa passa por um M&A ou qualquer outro tipo de alteração societária, por exemplo).

“O silêncio da nova lei em relação a esses aspectos foi um ponto que criticamos. Quando você deixa questões como essas em aberto, a empresa passa a ser livre para dispor sobre isso como quiser. E, se tudo não estiver muito bem explicado nos contratos, poderá ocorrer judicialização depois”, alerta o advogado.

Outro ponto não esclarecido pelo PL é em que momento ocorre o fato gerador do Imposto de Renda (IR). Para fins de tributação, a lei se refere somente ao ganho de capital na venda das ações com lucro, mas muitas vezes o Fisco entende que o próprio exercício da opção deve ser tributado.

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“No PL, a regra é clara: a tributação ocorrerá somente no momento final. Ou seja: na venda das ações com lucro. Mas o que a gente vê hoje na Receita Federal é uma divergência de interpretações, pois tem quem entenda que o ganho no exercício da opção também deve ser tributado. Isso é muito ruim para a empresa, pois não há segurança jurídica”, avalia o advogado.

Vantagens das stock options

Para o beneficiário, uma das vantagens das stock options é a chance de aproveitar o potencial de valorização das ações sem precisar desembolsar o valor da compra do título. E, quando tudo corre bem (e os papéis se valorizam ao longo), isso se reflete em ganho de capital na venda da participação ou no recebimento de dividendos, se essa for a política da empresa.

Para a companhia, um bom programa de stock options pode contribuir para reduzir a rotatividade e incentivar a produtividade dos colaboradores. O instrumento amplia as chances de os objetivos do colaborador se alinhem aos da organização, criando um “sentimento de dono” no funcionário ou executivo.

Outra vantagem para as empresas que oferecem esse benefício é a preservação do caixa, pois muitas vezes ele substitui bônus e aumentos salariais por uma promessa de ganhos futuros. Isso é particularmente interessante para organizações em crescimento, como startups, ou que estejam investindo em projetos que demandam aportes financeiros mais robustos.

Cuidados com um programa de stock options

Para que esse benefício não seja considerado uma verba trabalhista, as empresas não podem atrelar a sua concessão à performance do colaborador. Caso contrário, a recompensa será considerada uma espécie de comissão — e isso, segundo André Lazza, descaracteriza a natureza mercantil da operação.

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“Se a empresa vincula as stock options a uma performance, a Justiça do Trabalho entende que se trata de uma verba trabalhista. Então, o benefício deve ser dado em outro contexto, simplesmente porque o colaborador é uma pessoa-chave e a organização deseja retê-lo. Toda política de premiação por performance tem natureza trabalhista”, diz o advogado.

Outro aspecto importante é deixar clara a natureza onerosa das opções. Lazza ressalta que o empregado precisa estar submetido ao risco do mercado, o que o torna efetivamente um investidor no negócio.

Quanto aos colaboradores, o alerta é para que entendam, além do período de vesting, todas as demais condicionantes do benefício, para evitar futuras surpresas. “Muitos programas preveem que, se você for demitido por justa causa, perde o direito de exercer a opção. E alguns contratos não deixam claro se o funcionário que pagou o prêmio será ressarcido nesse caso. Por isso, é importante que o executivo analise detalhadamente quais eventos podem lhe tirar a possibilidade de exercer o benefício”.