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Nos primórdios das relações comerciais, todas as interações mercantis eram baseadas na simples permuta, inexistindo unidades monetárias e baseando como único fator determinante de valor (no caso, o próprio custo) a quantidade de trabalho e/ou tempo dedicado à obtenção dos produtos ali trocados. Esta visão e prática simplista utilizada ao longo de séculos até o surgimento de mecanismos de escambo mais complexos foi corroborada por Adam Smith na determinação do valor objetivo. Smith, por exemplo, narrou a estória de um caçador que estaria disposto a trocar um castor por dois cervos se o primeiro animal exigisse o dobro do trabalho de caça do segundo (A Riqueza das Nações, 1776). De modo mais afirmativo, Karl Marx fez críticas ao capitalismo através da mesma abordagem: todo valor de um bem é derivado do trabalho empregado em sua produção (chamada Teoria do Valor-Trabalho). Desse modo, todo o “lucro” obtido por parte dos proprietários dos meios deprodução poderia ser visto como a simples usurpação do lavor de seus empregados, caracterizando, portanto, um modo de “exploração do trabalhador”(O Capital, 1867). Seguindo tal linha lógica, Karl Marx justifica e legitima o direito dos operários sobre tudo que fosse produzido através de seu empenho.
Apesar da Teoria do Valor ter sido refutada há mais de um século, especialmente por desconsiderar a subjetividade da demanda na formação dos preços, ela foi aceita e endossada por diversos economistas clássicos até o desenvolvimento de modelos modernos de precificação (nos quais o valor de troca divergirá do custo).
Desse modo, no final do século XIX, a Teoria da Utilidade Marginal é formalizada, considerada por James Buchanan (Custo e Escolha: Uma Indagação em Teoria Econômica; 1969) o “nascimento do cálculo econômico”. Ao usar a utilidade marginal como um dos determinantes do valor de determinado produto, o novo modelo equaliza a demanda subjetiva do mercado e a oferta fixa no ponto de troca. Além disso, considera-se que os valores seriam fixados à margem, ou seja, solve-se o paradoxo dos diamantes serem mais caros que água. Esse paradoxo era uma das grandes questões na economia, uma vez que se considerarmos a utilidade comparativa proporcionada pela água e por diamantes, o bem Elemental teria um valor muito superior ao da pedra preciosa, sendo aqui introduzido alguns dos fatores importantes na precificação, como a escassez dos produtos. Ao considerar os fatores mercadológicos além do custo, têm-se a chamada “economia do valor subjetivo”, posto que não apenas adeterminação objetiva do custo seria a responsável por designar o valor de troca de certo produto. Um dos primeiros a defender ativamente o subjetivismo das trocas, Carl Menger – que estabeleceu a Escola Austríaca de Economia, contesta o Valor-Trabalho e expõe diversas inexatidões da mesma. Utilizando como exemplo a definição de preço das obras de arte, ao considerar que, ao ver a beleza destas, insurge o desejo de possuí-las e desse modo, torna-se impossível precifica-las somente pela quantidade de trabalho ali investida ou dos insumos utilizados para sua produção. Além disso, têm-se aqui também uma das maiores inversões do pensamento econômico: o valor dos insumos (matéria prima e mão de obra) passou a ser definido pelo valor dos bens que fizeram uso dos mesmos em sua elaboração, e não o inverso, como acreditava-se até então; assim sendo, a remuneração de determinada função ou insumo físico passa a ser um resultado do valor agregado ao bem final (um móvel de madeira não é valido pelo trabalho do carpinteiro, mas sim pela beleza, durabilidade, função ou qualquer outro atributo que gere utilidade para o consumidor).
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Historicamente, o desenvolvimento de grandes pintores, escultores e artistas de modo geral se deu através de patrocínios prévios à produção de suas obras, por parte dos Mecenas. O valor de suas produções artísticas era determinado após a execução da mesma, e não era um resultado (ao menos direto) do tempo ou esforço empregado para produção da mesma. Exatamente por esse motivo a precisão do argumento utilizado por Menger para transpor a Teoria do Valor Subjetivo para o mercado como um todo.
A despeito de ser um dos pilares de desenvolvimento da nova teoria de precificação, os conceitos de determinação do valor das obras de arte estão longe de ser consenso entre especialistas. O centro da discussão parte de duas diferentes teorias: a denominada Instrumentalista e sua contraposição Não-Instrumentalista. A primeira afirma que uma peça artística nada mais é que um instrumento destinado a proporcionar prazer a seus apreciadores, visão esta criticada por filósofos de arte, já que nem todas se destinam a gerar deleite, além de menosprezar outros sentimentos igualmente importantes ao apreciar uma obra. Em oposição, os Não-Instrumentalistas vêm como determinante de valor os componentes intrínsecos da obra, numa visão quase Parnasiana (“A Arte pelaArte”), na qual a estética pura (por isso denominado “Esteticismo”) é o fatordeterminante e também o único propósito em se produzir e transacionar obras artísticas; grande parte do embasamento do valor intrínseco parte da filosofia Kantiana, na qual a contemplação da arte é o fim dela mesma, não almejando atingir objetivos ou finalidades maiores, sejam elas práticas ou teóricas. Além disso, o debate acerca do modo de precificação das obras de arte se estende além do mundo artístico e atrai importantes acadêmicos de diversas áreas, como o filósofo político Robert Nozick, em Philosophical Explanations (1981). Apesar de não tratar como objeto de estudo central, menciona como a arte deveria ter seu valor analisado de forma intrínseca, dando como exemplo as diferentes composições de um quadro e do valor agregado através da utilização cores, temas e camadas.
Atualmente, é comum calcular o valor de projetos artísticos e arquitetônicos embasado apenas na quantidade de horas dedicadas ao mesmo, seja na execução, planejamento ou discussão, na tentativa de tornar objetivo algo que por sua própria natureza é subjetivo: a opinião. Assim, é óbvia a necessidade depropagação da Teoria “Austríaca” de Valor, retomando o modo de precificação subjetivo e valorando de modo correto as produções artísticas no Brasil.
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Leonardo Pavan é aluno de Administração pelo Insper e presidente do grupo acadêmico Insper Liber.
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Bibliografia:
HORWITZ, Steve. A Teoria do Valor Trabalho ainda assombra a humanidade e segue causando estragos. Disponível em: <http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2540>. 24 Out. 2016.
BUCHANAN, James. Custo e Escolha: Uma Indagação em Teoria Econômica. São Paulo. Inconfidentes. 1993.
CONSTANTINO, Rodrigo. O Valor Subjetivo. Disponível em: <http://rodrigoconstantino.blogspot.com.br/2007/04/o-valor- subjetivo.html>. 25 Abr. 2007.
ALMEIDA, Aires. Filosofia: Uma Introdução por Disciplinas. São Paulo. EDIÇÕES 70 – BRASIL. 2012.
MATEUS, Paula. O Valor da Arte. 2015.
NOZICK, Robert. Philosophical Explanations. Boston. Belknap Press. 1981.