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Administrador de empresas pela FEA – USP, Felipe Passero é associado ao IFL-SP. Trabalha como assessor de investimentos vinculado à XP Investimentos. Interessado em temas relacionados à economia, direito, política e finanças.
Nas últimas semanas o país foi tomado pelas discussões em torno do orçamento da educação.
De um lado, o governo contingenciando recursos. Do outro, manifestantes “em defesa da educação”.
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Paulo Freire, tido como patrono da educação brasileira, redesenhou o sistema educacional do município de São Paulo no período em que foi secretário da educação, entre 1989 e 1991. Para tanto, o secretário tomou como sugestões as ideias debatidas em assembleias de professores, num modelo desenhado pelos próprios funcionários do sistema. Desta reforma herdamos um sistema altamente corporativista, pouquíssimo meritocrático, que se opõe a medidas como bônus por desempenho ou mesmo comparações entre desempenho de escolas. “A competitividade desestimula a cooperação” é o argumento dado pelas corporações.
Para Freire, o modelo de educação tradicional é “bancarizado”, onde o professor, dotado de autoridade, transmite seu conhecimento aos alunos. No modelo do patrono da educação brasileira, a educação deve ser voltada a conscientizar os oprimidos da sua condição social de vítimas do sistema capitalista. Para Freire, não deveria haver hierarquia na educação.
Apesar desta metodologia não ter sido implementada em sua totalidade no Brasil, os resultados da perda da autoridade do professor são conhecidos. Os professores são constantemente desrespeitados e isso torna o ambiente de trabalho altamente insalubre.
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Algumas das referências bibliográficas da obra magna de Paulo Freire são textos de Mao Tsé Tung, Che Guevara e Fidel Castro, com base nos quais Freire desenvolve seu modelo de educação como ferramenta acessória da revolução do proletariado.
Se a diretriz estratégica do principal intelectual do sistema educacional brasileiro é fazer a revolução nos moldes de Castro e Mao, não podemos esperar uma educação que realmente ajude ao país a se desenvolver como economia de mercado e ter ganhos de produtividade, desenvolvimento de novas tecnologias e patentes.
O debate público sobre a educação brasileira é, deliberadamente, reduzido a meras reivindicações de orçamento. Corporações e sindicatos sequestram a pauta e posam como monopolistas da virtude, e vendem como um interesse pelo futuro do país um conjunto de medidas que só beneficia os próprios funcionários do sistema educacional. Em suma, vestem reivindicação sindical com defesa da educação.
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Outro ponto de divergência entre corporações e pagadores de impostos é a otimização de escolas. Quando algum governo tenta fechar escolas com pouca demanda ou subutilizadas, decorrente das mudanças demográficas que levaram o país a ter menos crianças que nas décadas passadas, as corporações logo começam com a demagogia de sempre, alegando que a racionalização de recursos é “destruir a educação”.
Com as universidades não é muito diferente. Em nome da autonomia universitária, corporações controlam o orçamento universitário, através da política interna nos conselhos universitários, e direcionam quase todo o orçamento para salários. Como exemplo, a distribuição de orçamento da Unicamp direcionava, em 1989, 75% do orçamento com folha de pagamentos de funcionários ativos e aposentados. Em 2016 a dotação orçamentária para folha de pagamentos era de 94%.
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As universidades estaduais paulistas possuem uma dotação orçamentária atrelada à arrecadação de ICMS – 9,57% da receita estadual deste tributo é destinado às três universidades do estado. Porém, no caso das universidades federais o mecanismo orçamentário é diferente. O congresso aprova um orçamento anual no ano anterior, baseado na previsão de crescimento do PIB e, consequentemente, no crescimento da arrecadação. Quando a economia não cresce como esperado, é necessário fazer contingenciamentos, ou seja, separar parte dos recursos orçados para serem pagos apenas se a arrecadação tributária alcançar o valor inicialmente previsto.
Uma medida de prudência fiscal tornou-se no novo cavalo de batalhas das corporações e sindicatos, consumidores insaciáveis de recursos dos pagadores de impostos.
O Brasil destinou 8,3% do orçamento federal para educação em 2018, contra 4,7% em 2008. Apesar do substancial aumento, o resultado continua decepcionando. No mesmo período, o Brasil piorou seu desempenho em várias avaliações internacionais. Em 2008 estávamos na 50ª posição geral do exame do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). Em 2015, fomos para a 63ª posição. Se considerar o orçamento educacional em relação ao PIB, o Brasil está acima da média dos países da OCDE, com 6% do PIB. Segundo o relatório, o gasto brasileiro também supera países como a Argentina (5,3%), Colômbia (4,7%), o Chile (4,8%), México (5,3%) e os Estados Unidos (5,4%). Segundo a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) cerca de 80% dos países, incluindo vários países desenvolvidos, gastam menos que o Brasil em educação relativamente ao PIB.
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A educação, sozinha, não faz um país desenvolvido. Existem exemplos de países com orçamentos educacionais enormes e que continuam pobres, como Congo, Tanzânia, Guiné Equatorial e Cuba. Do ponto de vista do combate à pobreza, a educação é uma das ferramentas, mas não a única. Se um país não tiver estabilidade jurídica, infraestrutura e um ambiente institucional propício, de nada serve destinar mais e mais bilhões para universidades estatais.
Outro ponto a ressaltar é a discrepância do orçamento da educação superior em relação à educação básica. Quanto mais cedo for o investimento educacional na vida de uma pessoa, maior o impacto na vida adulta. Crianças que passam por nutrição inadequada e desassistência nos primeiros anos de vida terão seu desenvolvimento cerebral inferior. O mesmo se aplica quanto a qualidade do ensino nos primeiros anos do ensino fundamental. Portanto, cada real aplicado nos primeiros anos terá um impacto social e pessoal muito maior que o investimento feito na educação superior de adultos.
Portanto, a falta de recursos na educação como causa de todos os males não passa de um clichê de mal gosto, uma posição ideológica sem base econômica ou científica, que beneficia apenas as corporações. O que falta é uma boa gestão e mais racionalidade na alocação de recursos e compromisso com resultados. Enquanto perdemos tempo com debates ideológicos e corporativistas, deixamos de fazer diagnósticos sobre os desafios da educação brasileira e de propor soluções alinhadas com os objetivos de longo prazo do país.
Que o sistema educacional brasileiro seja mais meritocrático, premiando bons profissionais, com um ambiente de trabalho saudável para alunos e professores e onde possa ser feito comparações e implementação de boas práticas. Nada melhor que devolver aos indivíduos o poder de escolher qual escola ou modelo usar para educar seus filhos, através de um modelo de ensino público que conviva com um programa de vouchers e de escolas comunitárias. Tais instrumentos ajudaram outros países a terem uma rápida evolução qualitativa no ensino básico.
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