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Antes de 1994, quando a URV (Unidade Real de Valor) foi substituída definitivamente pelo Real (a nova moeda que circula até hoje), a inflação era, de longe, o maior inimigo dos brasileiros e de nossa economia. De fato, àquela altura (junho de 1994), a inflação mensal era de 47,43% e a inflação anual alcançava o inacreditável patamar de 4.922%. Ou seja, o preço de todos os bens ou serviços subia quase 50% em um único mês, entre dois recebimentos consecutivos do mesmo salário! Essa balbúrdia monetária destruía a renda das famílias, impedia o funcionamento regular do comércio e da indústria, forçava a estocagem exagerada de bens e matérias primas e comprometia as relações saudáveis de compra e venda ou das demais trocas mercantis. A causa básica por trás desse desarranjo todo era o crescimento descontrolado da base monetária (quantidade total de dinheiro em circulação na economia) decorrente do simplório comportamento dos governos, que passavam a imprimir mais moeda para fazer face às suas necessidades de gastar além das receitas. Em outros termos, cada vez havia mais dinheiro para comprar a mesma quantidade de bens e, como não poderia deixar de acontecer, os preços unitários explodiram.
A correção de rumo promovida pelo Plano Real conseguiu domar o feroz inimigo, pelo menos até recentemente, quando o recrudescimento inflacionário voltou a aparecer como uma ameaça perigosa. Atualmente, a exemplo de todos os demais países organizados, o Brasil passou a gerenciar a sua economia com o uso de algumas ferramentas eficazes no controle das ameaças inflacionárias. Uma dessas ferramentas é a fixação dos juros básicos ou primários por parte de um Banco Central razoavelmente independente. Sempre que a base monetária vier a se expandir além do desejável (normalmente pela ação dos governos ou pela aplicação de políticas públicas expansionistas) o Banco Central pode aumentar os juros básicos (taxa SELIC) para arrefecer a demanda pelo mesmo estoque de bens existente, impedindo, assim, o surgimento da chamada “inflação de demanda”. O maior custo do dinheiro na forma de crédito para compra ou de insumo financeiro para a produção e comercialização, inibe o consumo e por consequência, controla a inflação. Mas, esse tipo de ferramenta foi concebido e vem sendo aplicado nas nações organizadas para uso tópico em situações transitórias de descontrole público. Não deve e não pode ser aplicado por longos período de tempo, sob pena de causar outros prejuízos tão nefastos como a inflação alta que ele pretendia combater ou de transformar-se, ele próprio, no maior inimigo da economia.
Á situação brasileira atual configura-se exatamente como a descrita no parágrafo precedente. Estamos praticando, hoje, os juros mais elevados do mundo. E estamos fazendo isso por tempo demasiadamente longo. O Banco Central e o Governo estão empenhados em um cabo de guerra, onde cada qual puxa para um lado e que tem como consequência o desmoronamento cada vez maior da nossa já frágil economia. Nessa briga entre o mar e o rochedo, os prejudicados são, como sempre, os mariscos. O Banco Central sobe os juros ou os mantem em níveis elevados por um tempo exageradamente longo na tentativa de encarecer o crédito e inibir o consumo, enquanto o Estado aplica-se na gastança desenfreada que acaba por injetar uma enorme quantidade de dinheiro novo, mesmo quando este não existe em estoque.
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Com essa política, todos acabam prejudicados. Os cidadãos comuns ficam impedidos de consumir ou de atender o seu desejo natural pela aquisição de bens ou serviços compatíveis com a sua renda, de vez que não podem pagar pelos juros exorbitantes que costumam ser cobrados nos financiamentos do comércio. E, em toda economia moderna, o financiamento comercial e o crédito direto ao consumidor são instrumentos imprescindíveis e insubstituíveis para garantir níveis adequados de conforto e bem estar. Pior ainda é quando a inadimplência dos consumidores passa a ocorrer em níveis indesejavelmente elevados por conta do encarecimento das operações de crédito anteriormente contratadas e ainda não liquidadas. Ao mesmo tempo, a indústria e o comércio também são vítimas preferenciais desse encarecimento do crédito. O setor produtivo tem que financiar a construção, a operação ou a manutenção de suas fábricas, instalações, equipamentos e escritórios. Para isso, recorre aos financiamentos. O encarecimento do crédito leva, inapelavelmente, aos aumentos de preço dos respectivos produtos, afetando novamente o consumidor final. Por conta desse processo perverso, muitas atividades tornam-se inviáveis, incontáveis empregos são perdidos e a economia geral perde o seu vigor. O pior é que o próprio Estado perdulário acaba sendo também a maior vítima. Para se financiar, o Estado tem que buscar recursos no mercado, vendendo títulos de sua dívida ao público em geral, aos fundos especializados e a outras instituições investidoras. Com os juros elevados, o custo de manutenção e rolagem dessa dívida pública transforma-se em perigosa armadilha, como é a situação atual do nosso país, obrigado a lançar mão de recursos cada vez maiores do seu “cheque especial” e ainda assim, ver o montante devedor subir junto com o seu próprio risco de inadimplência. Temos que inverter esse jogo com urgência. Eliminar a gastança desajuizada para que o Banco Central possa reposicionar os juros básicos em patamares civilizados. E não temos muito tempo para isso.