No início deste mês, o Ministro Geddel Vieira Lima pronunciou uma frase que alcançou grande repercussão, mesmo não tendo sido entendida, por muitos, em seu exato significado: “Tomei uma injeção e doeu. Doeu demais, mas fui convencido pelo médico de que era necessária e agora já estou me sentindo muito melhor”. Com essa frase, o Ministro tentava explicar que, tal qual a injeção dolorida, as reformas previdenciária e trabalhista são absolutamente necessárias e que o governo teria que convencer a sociedade disso para que os brasileiros se sintam igualmente melhores. Em outros termos, na opinião do Ministro, essas reformas, por mais doloridas ou impopulares que sejam, devem ser compreendidas como um remédio inevitável para a grave doença que atingiu a nossa economia e que nos ameaça de morte ou inanição.
No caso atual, a ameaçadora doença já está instalada e produzindo os seus pérfidos efeitos. Há que se combatê-la da forma mais enérgica, eficaz e inteligente possível, sem descuidar de também compreendê-la em suas origens e características. Com relação a essa última obrigação, a nossa sociedade já está se conscientizando rapidamente de que, na origem da crise econômica, está o desequilíbrio fiscal, ou seja, o desacerto que levou o Estado nacional a gastar mais do que arrecada, por um tempo demasiadamente longo. Esse mau hábito e a sua consequência inevitável – materializada no aumento exagerado do endividamento nacional e da despesa com juros – precisam ser revertidos, com o controle dos gastos públicos (equilíbrio fiscal) e com a melhoria na eficiência do Estado. Isso para que a crise não se agrave e para que, caso nos safemos da atual situação, a mesma doença não volte a nos atacar. Seria, portanto, ao mesmo tempo, um remédio e uma vacina.
Mas, além das medidas preventivas mencionadas no parágrafo antecedente e cuja necessidade já vêm sendo paulatinamente compreendida pela sociedade, não há como se evitar a aplicação de terapias corretivas com efeitos mais imediatos sobre a situação de caixa e de seu fluxo no horizonte próximo. É aí que aparece a analogia com a injeção mencionada pelo Ministro. Também é aqui que começam a aparecer os problemas mais difíceis de percepção e de aceitação geral, exigindo, efetivamente, explicações didáticas e bom convencimento. Trata-se de corrigir privilégios e distorções que, além de financeiramente insustentáveis, são profundamente injustos. E, conforme a filosofia já registrou, “privilégio” é toda vantagem que julgamos imerecida por ser desfrutada por outras pessoas ou grupos a que não pertencemos. Ninguém costuma reconhecer como privilégio o direito, o benefício, a imunidade ou a vantagem usufruída por si ou pelo seu próprio grupo em detrimento dos demais. A situação é a mesma se observado o conjunto do País, no que diz respeito ao desequilíbrio do sistema previdenciário. Muitos grupos detentores de privilégios não estão dispostos a ceder naquilo que consideram “conquistas” ou “direitos adquiridos”, ainda que a estabilidade final fique comprometida. As reações já esboçadas até o momento atual contam bem essa estória, seja no que diz respeito à isonomia de tempo de aposentadoria entre gêneros, seja no que concerne à diferença de regime entre o funcionalismo público e os trabalhadores da iniciativa privada, ou ainda, naquilo que está mais visivelmente materializado na existência de benefícios sem lastro. Por causa disso, lidar convenientemente com esse assunto, exige muito mais do que uma simples estratégia de convencimento. Este somente poderá ser alcançado como uma espécie de pacto geral, onde cada um se convença de que a situação (custos e benefícios) deve ser igualmente equilibrada para todos, dentro de um padrão possível ou viável, sem qualquer espécie de privilégio, ou seja, sem espertezas e vantagens indevidas. Pessoalmente, estou convencido de que o melhor ingrediente na elaboração desse pacto é a exposição eficiente e clara de que os privilégios desfrutados atualmente por grupos diversos são, na realidade, falsos. Falsos porque insustentáveis financeiramente em um horizonte relativamente próximo, quando o desequilíbrio do sistema irá comprometer fatalmente a sua própria garantia de desembolso a cada mês ou período. Por mais dantesco que seja esse quadro, ele corresponde à realidade que nos espera caso não tenhamos o juízo ou a competência para introduzir, de pronto, as mudanças e correções necessárias. Uma antevisão branda dessa calamidade está sendo propiciada pela situação falimentar de alguns estados brasileiros, cujas folhas salariais (de ativos e aposentados) estão sendo quitadas em meio a soluços e engasgos.