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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) espera que o Congresso Nacional conclua, ainda em 2023, a tramitação da proposta que trata da reforma tributária dos impostos sobre o consumo (PEC 45/2019) e já planeja os próximos passos para a regulamentação de pontos previstos na emenda constitucional.
O texto, aprovado há duas semanas pelo Senado Federal, precisará passar por nova análise na Câmara dos Deputados, já que sofreu modificações durante as discussões no parlamento. Por se tratar de PEC, é necessário que as duas casas legislativas votem a mesma versão no mérito, com apoio mínimo de 3/5 (ou seja, 308 deputados e 49 senadores), em dois turnos de votação, para que ela vá à promulgação.
O secretário extraordinário de reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, um dos autores da versão original da proposta, acredita que é possível as duas casas legislativas chegarem a um entendimento sobre a matéria e promulgarem o texto antes do recesso parlamentar.
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Para ele, as sinalizações dadas pelo relator na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), são positivas para esse desfecho. Mas sua posição é de distância das tratativas políticas. “Na verdade, quem vai definir a estratégia é o próprio Congresso. Nossa função nesse processo é dar a nossa opinião, do ponto de vista técnico, sobre eventuais questões que eles queiram ajustar”, disse ao InfoMoney.
“Não cabe ao governo se pronunciar sobre eventuais divergências de opinião entre as duas casas do Congresso Nacional. Se houver, é uma questão que precisa ser resolvida entre eles. Acho muito importante ter um diálogo entre as duas casas neste processo final de última passagem pela Câmara e promulgação da PEC”, salientou.
Para que as regras possam sair do papel mesmo depois da promulgação da emenda constitucional pelo Poder Legislativo, é necessária a regulamentação de diversos pontos abordados no texto. Pela versão aprovada pelos senadores, há mais de 90 menções a lei complementar a ser criada para detalhar questões como os novos impostos a serem criados − o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS) − e suas alíquotas, os regimes especiais para setores específicos da economia, as regras de transição, os créditos acumulados etc.
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Durante a conversa com o InfoMoney, Appy disse que o Ministério da Fazenda já trabalha na elaboração dos textos e que a ideia é não usar todo o prazo de 180 dias definidos pela PEC (a contar da sua promulgação) para submetê-los à análise do Congresso Nacional. “O Congresso colocou esse prazo, mas nossa ideia é poder enviar antes”, disse.
Ele contou que inicialmente acreditava que poderia encaminhar todos os projetos logo no início dos trabalhos legislativos, em fevereiro do ano que vem, mas hoje já admite um prazo um pouco maior. “É um trabalho grande, já tem bastante coisa feita, mas ainda tem bastante trabalho para fazer − inclusive, de coordenação com os outros entes da federação”, pontuou.
Segundo o secretário, serão enviados ao menos três projetos de lei complementar para regulamentar pontos previstos na PEC. O primeiro (e considerado mais relevante por ele) deverá tratar dos novos tributos do modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual criado.
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“Ele vai tratar de toda a questão setorial, base de incidência do novo imposto, fato gerador, base de cálculo, não incidência, todos os regimes específicos. Vai ter uma definição clara de qual é a lista de bens e serviços que terão alíquota reduzida, além dos critérios para distribuição da arrecadação para estados e municípios, como vai ser feita a compensação do imposto”, explicou.
Uma segunda lei complementar deverá se debruçar sobre o funcionamento do Comitê Gestor − órgão composto por representantes de Estados e municípios, responsável por gerir o IBS, que substituirá ICMS e ISS após um período de transição.
Neste caso, porém, o secretário conta que o governo ainda não bateu o martelo sobre se participará da mobilização para redigir um texto ou se deixará a tarefa para os próprios entes subnacionais. “Como é [um imposto] dos Estados e municípios, talvez faça mais sentido que seja uma lei complementar elaborada pelos entes − mais do que pela União”, ponderou.
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Um terceiro projeto de lei complementar deverá regulamentar o Imposto Seletivo, tributo com finalidade extrafiscal (ou seja, não meramente arrecadatória) que incidirá sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
Neste caso, a PEC votada pelos parlamentares já dá diretrizes para o funcionamento deste tributo, com previsão de não incidência sobre exportações nem sobre as operações com energia elétrica e com telecomunicações.
O texto também já estabelece cobrança sobre armas e munições, exceto quando destinadas à administração pública. E determina que não haja dupla tributação e que o imposto não integre sua própria base de cálculo, respeitando o princípio da cobrança por fora. O IS poderá ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos e terá suas alíquotas fixadas em lei ordinária, podendo ser específicas, por unidade de medida adotada, ou ad valorem.
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No caso de atividades extrativas, o imposto será cobrado independentemente da destinação, caso em que já está prevista uma alíquota máxima de 1% do valor de mercado do produto − medida que Appy compara aos royalties atualmente cobrados no caso do petróleo ou à Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), que incide sobre a mineração.
Appy lembrou, ainda, que será necessário tratar em lei complementar a questão dos saldos credores acumulados de ICMS e PIS/Cofins. Mas ele acredita que “muito provavelmente” esse ponto poderá ser contemplado dentro do texto que trata dos novos tributos. Mas, como ele faz referência a tributos antigos, não necessariamente precisará constar da mesma peça.
O secretário também contou que os trabalhos estão avançados na elaboração do primeiro projeto de lei complementar mencionado, mas que o governo federal ainda espera a conclusão da tramitação da reforma tributária para dar os passos seguintes.
“Na mais relevante delas, que regulamenta os novos tributos, nós já temos um trabalho sendo feito aqui, mas estamos esperando a promulgação da PEC para chamar os estados e municípios para trabalharem conosco nesse processo”, disse.
“O ideal seria ter um projeto que fosse feito a três mãos. Nós já temos alguns contatos informais sobre esse tema, mas, assim que promulgada a PEC, vamos formalizar esse convite para fazer um trabalho conjunto”, complementou.
Na avaliação dele, a versão que caminha para um consenso entre deputados e senadores traz um encaminhamento pacífico para as principais questões envolvendo os entes subnacionais − o que deve facilitar o trabalho para a construção de um texto a “três mãos”.