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Os servidores dos Fiscos estaduais e municipais pegaram carona na proposta de reforma tributária para emplacar o aumento do seu teto salarial. Emenda ao texto aprovado pelos senadores sujeita os integrantes das carreiras tributárias dos governos regionais ao teto dos servidores da União, que é o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – hoje em R$ 41.650,92.
Em nota técnica sobre o texto do Senado, o Centro de Liderança Pública (CLP) diz que a medida representa um passo na direção errada, levando a um aumento do teto salarial sem justificativa clara para tal, “potencialmente exacerbando as desigualdades salariais no serviço público”.
Hoje, o salário dos auditores municipais está limitado à remuneração dos prefeitos, enquanto que, nos Estados, a trava é o vencimento dos governadores. “Não há por que aumentar o teto de determinadas carreiras de entes subnacionais”, disse ao Estadão o economista Daniel Duque, que assina a nota do CLP.
A nova regra vai na contramão de uma decisão unânime do plenário do STF, proferida em fevereiro de 2022. Na ocasião, os ministros negaram pedido do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) para a criação de um teto remuneratório único aos auditores e reafirmaram a constitucionalidade dos subtetos.
Em seu voto pela improcedência das ações, o relator, ministro Gilmar Mendes, destacou que os subtetos prestigiam “a autonomia administrativa e financeira local, de modo que os entes federativos se organizem conforme o grau de necessidade regional, considerando os dados da realidade nas respectivas regiões”.
Duque, que é gerente de Inteligência Técnica do CLP, também criticou outra medida aprovada pelos senadores: a inclusão das empresas de eventos na lista de setores e atividades que terão alíquota reduzida do novo imposto, com desconto de 60%. Pelos seus cálculos, haverá perda de arrecadação superior a R$ 30 bilhões por ano com a exceção.
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A emenda 807, que sujeita integrantes de carreiras tributárias dos entes subnacionais ao teto dos servidores da União, é de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM). Já a emenda que beneficia o setor de eventos foi apresentada pela senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), irmã do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da reforma na Câmara.
As duas emendas foram acatadas pelo relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), na reta final da votação. Na avaliação do CLP, as alterações podem comprometer a eficácia do projeto original. A entidade entende que a reforma representa um avanço significativo para o sistema tributário brasileiro, mas acredita que as mudanças de última hora, como a emenda 807, vão na direção oposta.
Na justificativa da emenda 807, o senador Plínio Valério argumentou que a medida confere aos chefes do Executivo dos Estados e municípios prerrogativa igual à do presidente da República em relação à proposta de política remuneratória dos seus servidores, e que não promove reajustes vinculados ao novo limite.
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O senador afirma, ainda, que tanto a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (ABRASF) como o Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) apoiam a mudança.
Mas a presidente da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AudTCU), Lucieni Pereira, vê a emenda com preocupação. Primeiro, por conta do efeito multiplicador que qualquer reajuste nos salários dos ministros do STF poderá gerar nos entes subnacionais.
Isso porque, mesmo que os aumentos não sejam imediatos, o teto remuneratório, inevitavelmente, se tornará uma meta para as carreiras contempladas.
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E, segundo, devido ao possível impacto na prestação de serviços públicos. “A medida pode consumir um volume expressivo das transferências federais e estaduais repassadas para suprir serviços essenciais”, afirma.
Lucieni, que é especialista em finanças e professora de responsabilidade fiscal, destaca que, dos mais de 5,5 mil municípios existentes hoje no País, em quase 2,7 mil a arrecadação própria não chega a 10% do total, sendo essas cidades dependentes de repasses da União e dos Estados.
Na raiz dessa corrida dos auditores pelo novo teto remuneratório está a discrepância com o Judiciário estadual, que tem o seu limite estabelecido como um porcentual (90,25%) do salário dos ministros do STF. O Fisco, portanto, quis trilhar o mesmo caminho e pegou carona na reforma tributária para conseguir alterar a Constituição.
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“A questão é que, enquanto o Judiciário está restrito à União e aos Estados, o Fisco é mantido por todos os entes e deve ser estruturado segundo a realidade fiscal de cada um deles, que é bastante desigual na federação”, destaca Lucieni.
Em nota divulgada após a aprovação da reforma no Senado, a Febrafite, associação que reúne os auditores fiscais estaduais, afirmou que o teto único é um “pleito histórico” da categoria. “Essa era uma prioridade da Febrafite e uma expressão de justiça ao trabalho das administrações tributárias, especialmente sob o novo arcabouço trazido pela reforma”, afirmou Rodrigo Spada, presidente da entidade, na nota publicada.
Eventos
Para o CLP, outras emendas introduzem e mantêm benefícios fiscais que podem comprometer a simplicidade e a transparência almejadas pela reforma. É o caso da Emenda 815, que permite a manutenção e a prorrogação de incentivos fiscais do ICMS durante o período de transição, o que pode diluir os benefícios, mantendo distorções e ineficiências.
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Segundo Daniel Duque, a cada passo da votação, a proposta piora, porque os parlamentares acrescentam tratamentos diferenciados. “Um dos piores pontos eu acredito que seja inclusão do setor inteiro de eventos”, afirmou. “É um setor grande, que acaba tendo impacto fiscal”, acrescentou. Segundo ele, as empresas do setor de eventos têm faturamento anual de R$ 290 bilhões.
O CLP também avalia que a criação do Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental e do Amapá, para os Estados amazônicos que possuem Áreas de Livre Comércio, não é favorável para a reforma.
Duque destaca que a região Norte já tem diversos tratamentos diferenciados e incentivos, como a Zona Franca de Manaus, o Fundo de Desenvolvimento Regional e a alíquota reduzida para plantas automobilísticas sustentáveis. “Esse tratamento diferenciado adicional criará diversas distorções, impactando negativamente tanto a economia brasileira como a situação fiscal do governo”, disse.
Para o CLP, apesar do crescimento de exceções, o texto é positivo, sobretudo pelo aumento da transparência da incidência de impostos sobre produtos e serviços, o mecanismo de cashback (devolução de tributo para os mais pobres), a progressividade do sistema e a criação de um Imposto Seletivo, que vai incidir sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
O CLP se diz contrário à inclusão de qualquer nova concessão que tenha objetivo de viabilizar a aprovação do texto no Congresso.