Juros altos nos EUA pressionam demais BCs e desafiam ciclo de queda das taxas

Economistas veem riscos e já preveem que Copom poderá terá dificuldades para cortar Selic abaixo de 10% até 2024

Roberto de Lira

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O cenário externo, com a possibilidade de os Estados Unidos segurarem sua taxa de juros em patamares elevados por mais tempo que o previsto anteriormente, e a percepção de riscos maiores para a inflação nos meses à frente têm levado economistas e analistas de mercado a colocar em dúvida que a Selic possa ser reduzida para menos de 10% ao ano em 2024.

A mediana das projeções do Boletim Focus ainda está em 9% ao ano, mas não tem sido incomum que algumas casas de investimento enxerguem no patamar de 10% o limite para a taxa de juros oficial do Brasil caso um cenário mais apertados se imponha. Essa possibilidade já é avaliada por XP Investimentos, Citi e BBI.

Para a XP, por exemplo, a alta mais recente dos juros longos dos EUA – que subiram cerca de 50 pontos-base desde a última reunião do Fomc, em setembro – representa um risco para a inflação e adiciona pressão sobre a política monetária, podendo afetar o ciclo de flexibilização dos juros não só no Brasil, mas no continente.

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Relatório assinado pelos estrategistas para a América Latina Andres Pardo e Marco Oviedo e pelo economista Francisco Nobre destaca que a atividade econômica mundial deve enfraquecer em meio a condições financeiras restritivas, enquanto as taxas mais elevadas nos EUA tendem a exercer pressão sobre os preços dos ativos dos mercados emergentes.

“As taxas de juros devem permanecer mais altas por mais tempo nas economias desenvolvidas. Nos Estados Unidos, projetamos os juros de referência em 4,75% até ao final de 2024. Vemos agora um nível neutro mais elevado, de 3,5%, que deverá ser alcançado em 2025”, diz a análise.

Segundo os especialistas da XP, o tamanho do impacto em cada país da América Latina  depende tanto das vulnerabilidades externas, com o do nível de integração com a economia dos EUA, quanto das vulnerabilidades internas, como no caso de incertezas fiscais.

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“Em outras palavras, o espaço para cortes nas taxas dependerá de onde os juros reais se encontram em relação aos Estados Unidos e da quantidade de prêmio de risco associada a cada país”, afirma o relatório.

A expectativa é que os ciclos de flexibilização monetária em andamento devem continuar, embora com mais cautela. O texto destaca que no caso de Brasil, Chile, Uruguai e Peru, que já iniciaram seus ciclos de flexibilização, é improvável que haja uma interrupção.

“Ainda assim, a magnitude e a velocidade dos cortes podem ter se tornado mais limitadas, especialmente se a recente desvalorização das moedas forçar outra alta nas expectativas de inflação”, pondera o relatório.

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Para a XP, o Banco Central deve promover mais dois cortes de 50 pontos-base de juros em 2023, fechando o ano em 11,25%, mas deve optar por uma taxa terminal de 10% ao final do ciclo, em 2024.

O Citi tem uma leitura de riscos parecida e, por isso, não só vê 10% como um limite para a Selic, como não prevê a taxa de juros básica da economia recuando para menos de dois dígitos no curto prazo. A projeção é que o ciclo de cortes pelo BC se estenda até junho do ano que vem, no máximo.

O banco também comenta que o alto patamar de juros internacionais reduz a flexibilidade da BC para cortar mais os juros. Além de elevar a projeção da Selic ao final do ciclo – a estimativa anterior acompanhava os 9% da mediana do mercado – o Citi também retirou de seu cenário base uma possível aceleração do atual ritmo de cortes de 0,50 ponto percentual nas próximas reuniões do Copo. O motivo é que o hiato do produto – a diferença entre o PIB potencial e o efetivamente realizado – ficou mais apertado.

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Com a expectativa de juros nos EUA mais longos e por mais tempo, o Citi destaca o diferencial da taxa de juros no Brasil cai, o que tende a depreciar o real ante o dólar. Isso, naturalmente, implica em pressões de alta na inflação, especialmente porque as commodities estão subindo.

Em relatório, o banco lembra que o índice de commodities do BC (IC-Br) e os indicadores de preços no atacado (IPAs) têm mostrado que a deflação dos bens comercializados internacionalmente (“tradables”) está perto do fim.

Já a XP vê esse risco afligindo toda a América Latina. “Apesar da melhora considerável ao longo dos últimos meses, a inflação continua consideravelmente acima da meta, o que requer que a política monetária permaneça em território contracionista por mais tempo. Ademais, destacamos novos riscos para o processo de desinflação, incluindo o aumento dos preços dos combustíveis, o impacto do El Niño sobre os preços agrícolas e a desvalorização do câmbio da região”, explica.

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Risco no câmbio

Para o Banco do Brasil Investimentos (BBI), caso se concretizem as expectativas de que os juros nos Estados Unidos fiquem de fato acima de 5,0% ao final de 2024, O BC brasileiro seria levado a interromper o ciclo de cortes da Selic quando ela atingisse níveis próximos a 10,0%. A alternativa seria o Copom conviver com níveis inflacionários mais elevados.

Pelos modelos do BBI, para anular a desvalorização do real e manter a cotação cambial em torno de R$ 5,10, o Copom poderia continuar com o processo de 50 pontos-base de redução da Selic, mas deveria encerrar o ciclo bem antes do contemplado no cenário hoje considerado básico.

“Em nossa visão, para chegar aos mesmos 3,8% de IPCA em 2024, o Copom precisaria interromper o ciclo de cortes da taxa básica de juros quando a Selic alcançasse aproximadamente 10,0%, e não mais os 8,5% atualmente considerados no nosso cenário”, descreve o BBI.

No entanto, por ora, o Banco do Brasil prefere não alterar sua visão de que a economia americana entrará em desaceleração mais intensa na virada de 2023 para 2024, o que levaria o Fomc a ter um comportamento menos duro em relação à política monetária do que o atualmente projetado pelos seus membros.