Emilio Ocampo: como o escolhido para ‘fechar o BC’ vai tirar a dolarização da Argentina do papel se Milei vencer

Autor da "bíblia da dolarização" usada pelo candidato Javier Milei, Ocampo defende modelo semelhante ao de El Salvador para acabar com a inflação

Sylvia Colombo

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Autor da “bíblia da dolarização” usada pelo candidato Javier Milei para embasar seu projeto de eliminar aos poucos o peso na Argentina, Emilio Ocampo, 60, passou meses frequentando os shows políticos tão comuns na TV local para explicar os passos que considera essenciais para que o país possa se livrar da inflação de três dígitos.

E de repente, Ocampo desapareceu.

Emilio Ocampo, economista, e Javier Milei, candidato à presidência na Argentina (Reprodução/X/@ocampo_emilio)

Falar de uma provável dolarização da Argentina gerou tantas repercussões controvertidas que a equipe de campanha do candidato de extrema-direita pediu que todos os potenciais integrantes da equipe econômica parassem de falar com a imprensa. O próprio Milei, nos dois debates pré-eleitorais, evitou dizer a palavra “dolarização” ao mencionar suas prioridades.

Ocampo, por outro lado, deve estar orgulhoso da popularidade que a causa ganhou. Nesta quarta-feira (18), no encerramento da campanha dos candidatos, o ingresso para a entrada do Arena Movistar, no bairro de Chacarita, em Buenos Aires, era um bilhete reproduzindo a imagem de um dólar, mas com a efígie trocada. Em vez dos próceres americanos, figurava Milei e outros membros de seu espaço político.

A eleição argentina ocorre no próximo domingo (22). Se houver necessidade de um segundo turno, ele acontecerá no dia 19 de novembro.

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Com Nicolás Cachanosky, Emilio Ocampo escreveu “Dolarização, Uma Solução para a Argentina”, livro no qual explicam qual o modelo de dolarização consideram o melhor. Afinal, há alguns modelos na própria América Latina, e todos são algo diferentes entre eles.

Ocampo explicou algumas vezes em entrevistas que o escolhido para a Argentina é o mesmo adotado em El Salvador em 2000. No país centro-americano, conviveram por um tempo ambas as moedas: o Cólon, então a oficial, e o dólar. Depois, quando já mais de dois terços da população havia optado voluntariamente pelo dólar, começou-se a abandonar o Colón.

Para o caso argentino, diz Ocampo, o prazo deveria ser de três meses depois de tomada a decisão.

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Além disso, como a Argentina não possui reservas internacionais – aliás, as deve – seria necessário abrir um fideicomisso no exterior, em algum país europeu. Trata-se de uma estrutura jurídica para manter o dinheiro no exterior, impedindo o governo de tocar nas divisas que serviriam como lastro para a dolarização.

Ocampo, segundo as pessoas de seu entorno na economia, se considera muito incompreendido na Argentina. Antes de começar a campanha eleitoral, levou seu livro a vários espaços políticos, oferecendo seu modelo. Depois disso, afirmou:

Apresentamos a proposta que elaboramos com Nicolás Cachanosky aos principais candidatos e equipes econômicas da oposição como uma contribuição, como outra perspectiva e solução para o grave problema da inflação. Em geral, a recepção dos candidatos foi negativa. Ou eles não entenderam ou não se interessaram, pois tinham suas próprias ideias e expressaram desacordo. O debate é sempre saudável, não temos problemas com isso. O que aconteceu é que Milei entendeu melhor do que o restante das audiências com as quais nos reunimos

Emilio Ocampo

Mais que um guru intelectual, Ocampo se juntou à equipe econômica de Milei em agosto deste ano, quando o candidato saiu vencedor das eleições primárias. Milei afirmou que, caso seja eleito presidente, Ocampo será o diretor do Banco Central, para “fechá-lo”. Ambos defendem o fim da instituição, pois Ocampo afirma que o mais importante é dolarizar a economia e que o Banco Central é um grave entrave.

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Ocampo vem de uma família ligada ao mundo das finanças há muito tempo, pois eram os donos do Banco Ganadero. Seu tio, Juan Ocampo, foi presidente do Banco Nación durante a última ditadura do país (1976-1983).

Considerado um acadêmico sólido, Ocampo é professor de Finanças e de História do CEMA (Centro de Estudios Macroeconómicos de Argentina). Entre 2016 e 2019, foi associado sênior do CSIS (Center for Strategic and International Studies), um think-tank em Washington.

Antes, foi professor na Escola de Negócios Stern, da Universidade de Nova York. Entre 1990 e 2005, trabalhou em bancos de de investimento, ocupando cargos executivos no Chase Manhattan, no Salomon Brothers, no Citigroup e no Morgan Stanley, em Nova York e Londres.

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Chegou de volta à Argentina em 2005. Desde então, coleciona uma fama de certa soberba e considera que lhe faltam interlocutores no país, diz um economista que convive com ele no CEMA.

Para o economista Marcelo Elizondo, pesquisador e professor do ITBA (Instituto Tecnológico de Buenos Aires), Ocampo tem experiência e formação consistentes sobre dolarização. “E poderia ser a pessoa certa tanto para dolarizar como para fechar o Banco Central, principalmente porque não teria nada a perder”, diz.

O comentário se refere ao fato de não pertencer a nenhuma força política majoritária, nem ter uma carreira pública que poderia ser afetada.

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Já Roberto Cachanosky, renomado economista argentino que é tio de Nicolás Cachanosky, co-autor do livro de Ocampo sobre a dolarização, afirmou ao InfoMoney que a obra do sobrinho e do possível futuro presidente do Banco Central tem ideias de difícil aplicação na Argentina de hoje.

“O livro é mais teórico e não pesa bem as dificuldades que existirão para aplicar o modelo num país com uma dívida tão grande com o FMI [Fundo Monetário Internacional], reservas negativas e uma inflação tão alta”

Roberto Cachanosky, economista

Para Cachanosky, seria necessário acalmar a economia antes. “E o mais importante, que Ocampo não sabe explicar, ou não o fez ainda, é de onde virão os dólares. Se ele acha que vai encontrar no Banco Central, está muito equivocado”.

Elizondo, embora considere a dolarização viável, concorda que a medida teria potenciais problemas jurídicos e constitucionais para superar. Fora isso, duvida que um possível governo Milei – que não deve ter uma maioria no Congresso – tenha a habilidade política para conseguir apoio a essa ideia.

Segundo o economista, a dolarização é uma aposta de risco e um mecanismo extremo, mas a Argentina abusou da emissão monetária como instrumento de política econômica nos últimos anos principalmente durante a pandemia e neste período eleitoral.

O resultado foi catastrófico. Por isso, entendo que também deve-se enxergar a dolarização que podem propor como uma remédio para uma doença muito grave

Marcelo Elizondo, pesquisador e professor do ITBA

Para outro reconhecido analista, consultor e autor de livros sobre a realidade argentina (que pediu para não se identificar), Ocampo é um risco para a Argentina.

“Ele se auto-percebe como um aristocrata para quem a democracia argentina é um erro. Provavelmente, porque as pessoas votam erroneamente, resultando em maus governos. Sua ideia de dolarização, eu acredito, é baseada nisso, de que algo tão delicado quanto a moeda deve ser colocado nas mãos de estrangeiros, como se fosse uma faca nas mãos de uma criança”, diz.