Mesmo centenário, o golpe da pirâmide financeira ainda causa imensos prejuízos ao redor do mundo. As vítimas são de diversos perfis, nacionalidades, classes sociais e graus de instrução, mas têm uma característica em comum: a crença em promessas de ganhos acima da média em troca de baixo investimento ou esforço.

Segundo especialistas, o sucesso desse golpe se deve à sua capacidade de adaptação às demandas da sociedade ao longo dos anos: se hoje é de Bitcoin, ontem já foi de gado. Mas será que esse tipo de fraude tem escapatória?

Neste guia do InfoMoney, você entenderá o que caracteriza uma pirâmide financeira, conhecerá alguns exemplos famosos e verá dicas para não cair em uma. Além disso, saberá como denunciar esse esquema fraudulento.

O que é pirâmide financeira?

Uma pirâmide financeira é um esquema baseado no recrutamento de participantes com a promessa de retornos elevados e relativamente fáceis. Para que esses rendimentos sejam pagos, as pessoas que ingressam dependem da entrada de novos membros, que vão aportando dinheiro e chamando novos integrantes para o grupo.

Conforme a base aumenta, os mais antigos no grupo recebem recursos dos que entraram mais recentemente, e isso dá a falsa ilusão de que o sistema é lucrativo. Porém, em uma pirâmide financeira, o dinheiro simplesmente passa de um nível para o outro, pois não existe nenhum produto ou serviço em contraprestação. A sustentação da pirâmide é temporária, portanto tende sempre a ruir.

Pirâmide financeira é crime?

Sim, pirâmide financeira é crime. Como em algum momento a estrutura entrará em colapso, o prejuízo é certo — o tamanho do buraco dependerá do número de participantes e da quantidade de dinheiro envolvida.

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“Para que Paulo ganhe, Pedro tem que perder. Esse é um ditado triste, mas que define bem como funciona uma pirâmide financeira. É um sistema que não se sustenta por muito tempo, justamente por isso está sempre dependente do ingresso de novas vítimas”, explica o procurador Thiago Bueno, procurador da República no Amazonas e integrante do grupos de investigação de crimes cibernéticos do Ministério Público Federal.

Quanto à tipificação, oficialmente o esquema de pirâmide é considerado um crime contra a economia popular, e está previsto na Lei n°1.521/1951. No entanto, existem algumas peculiaridades quando esses crimes envolvem criptomoedas, conforme veremos mais adiante.

Como funciona um esquema de pirâmide financeira?

O nome da fraude não é à toa: a estrutura do esquema se assemelha à de uma pirâmide. Começa no topo a partir do criador, e se espalha nos níveis de baixo, conforme as pessoas entram na fraude com a promessa de ganhos irreais, e com o compromisso de trazer cada vez mais gente para o esquema. Na base, que concentra a maior quantidade de pessoas, está quem chegou mais tarde — e quem tem mais propensão a perder dinheiro.

Pirâmide financeira

Para o advogado Artêmio Picanço, especialista em blockchain e no combate a golpes digitais, as pirâmides financeiras são sempre consequência de um “afeto social”, ou seja, de um padrão humano de comportamento.

Nesse sentido, ele cita o famoso exemplo do militar escocês Gregor Macgregor, o vigarista que vendeu um país que não existia, nos idos de 1800. Na ocasião, Macgregor havia se tornado general depois de lutar contra os espanhóis na Guerra da Independência da Venezuela. Ao retornar a Londres, começou a espalhar mentiras sobre ser descendente da antiga família real celta, e a forma convicta com que se expressava atraiu a atenção e o respeito da sociedade. Aproveitando a notoriedade, o militar descreveu um local fictício chamado Poyais, supostamente situado próximo a Honduras e que era pouco maior do que o País de Gales. 

A história teve longo desdobramento, mas o que nos interessa aqui é que o golpista conseguiu vender certificados falsos de terras que nunca existiram a centenas de pessoas. Tudo isso em uma época de disputas sangrentas por territórios, e com a Escócia sem nenhuma colônia própria.

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“O golpista sempre aborda as vítimas com temas do momento, e vai se adaptando às tendências do mercado, identificando comportamentos e atraindo mais pessoas. Para cada época da humanidade, existe um golpe próprio. Possivelmente, as próximas pirâmides financeiras estarão ligadas a temas como Inteligência Artificial e apostas eletrônicas”, observa o advogado.

Algumas das pirâmides financeiras mais famosas

O esquema de pirâmide financeira ganhou notoriedade com Charles Ponzi, imigrante italiano radicado nos Estados Unidos, mas foi Bernie Madoff quem aplicou o maior golpe já visto até hoje na modalidade. Veja a seguir como aconteceram essas fraudes.

Esquema Ponzi

Por ter sido o pioneiro desse tipo de golpe, Charles Ponzi empresta o nome para pirâmides até hoje ao redor do mundo. Mas o esquema que ele criou teve origem na década de 1910, quando começou a oferecer investimentos que pagavam juros muito acima da média do mercado e em pouco tempo. 

Para ganhar a confiança dos investidores e atrair mais gente, os valores pagos aos que entraram primeiro no grupo eram maiores. Além disso, parte do dinheiro era utilizada na compra de selos postais, que vinham de outros países por um baixo custo e eram revendidos nos EUA por um preço bem maior. Isso disfarçava a pirâmide financeira e ajudava a pagar os juros, porém não foi o suficiente para evitar a quebra da corrente. 

Conforme o tempo passava e novas pessoas aderiam ao sistema, mais difícil ficava honrar os pagamentos a todos os investidores, e foi justamente isso o que causou o colapso do esquema.

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Em 1920, os elevados juros que Ponzi pagava chamaram atenção do jornal Boston Post, que decidiu investigar o caso. Na ocasião, descobriu-se que só havia 27 mil cupons em circulação, mas seriam necessários 160 milhões para que todos os investidores fossem pagos. 

A notícia se espalhou rapidamente após a investigação, e todos os clientes do esquema pressionaram ao mesmo tempo para reaver o dinheiro. Depois de ter sido preso diversas vezes nos EUA, Ponzi terminou seus dias no Brasil, onde morreu pobre e sem família na Santa Casa do Rio de Janeiro, em 1949.

Apesar de ser usado como exemplo de pirâmide financeira, o golpe aplicado pelo italiano tinha uma estrutura mais horizontalizada, em que o dinheiro circulava também entre os integrantes, e não somente para os níveis acima. Por isso, é também chamado pelo nome de Esquema Ponzi.

Bernie Madoff

Durante décadas, Bernie Madoff foi considerado uma espécie de guru financeiro de Wall Street, por conseguir resultados que desafiavam o viés do mercado. 

Aos 22 anos, ele fundou sua própria empresa de gestão de investimentos, e começou a montar a sua pirâmide financeira. Inicialmente, ele atraiu para o esquema parentes e amigos próximos, normalmente pessoas ligadas à filantropia, segundo o New York Times. Aos poucos, foi agregando novas vítimas ao golpe, como fundos de universidades e fundos exclusivos de famílias ricas da Europa, Ásia e América Latina.

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O respeito conquistado por Madoff fez com que se tornasse presidente da Nasdaq. Além de contar com a confiança dos investidores e das autoridades reguladoras do mercado, forjava relatórios financeiros que mostravam lucro das operações. Isso fez com que o seu esquema de pirâmide permanecesse fora de suspeita até meados dos anos 2000.

Porém, com o estouro da crise de 2008, o golpe veio à tona e de forma estrondosa: na época, o prejuízo causado chegou a US$ 65 bilhões, atingindo quase 40 mil pessoas. Esse foi o maior estrago causado por uma pirâmide financeira até os dias de hoje.

Em 2009, um ano depois de sua prisão, Madoff se declarou culpado publicamente. Ele morreu em em 2021 na cadeia, enquanto cumpria pena de 150 anos de prisão.

Como identificar um esquema de pirâmide financeira?

Normalmente, dois aspectos são os que primeiro chamam atenção em uma pirâmide financeira: a necessidade de recrutar sempre novos participantes e a promessa de lucro irreal e sem risco aparente.

Como o esquema precisa de pessoas entrando o tempo todo, o apelo é sempre com foco nos novos membros. Dessa forma, pouco (ou nada) se fala sobre o produto ou serviço oferecido. Ou, quando é abordado, o tema é sempre tratado de forma superficial ou com pouca transparência. Além disso, normalmente a pressão para recrutar familiares e amigos é algo constante nesses esquemas, que sempre tentam passar a ideia de urgência nesse processo.

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Quanto aos ganhos, Picanço recomenda que se desconfie de qualquer rentabilidade fixa ou variável sempre positiva em um mercado de risco. E se mesmo assim restarem dúvidas, orienta para que se faça uma simulação com a taxa e prazo oferecidos.

“Há diversas calculadoras de juros compostos disponíveis na internet. É só colocar a rentabilidade prometida e verificar se em determinado prazo o retorno faz sentido. Se estiver muito fora do padrão de mercado, já é um forte indicativo de que possa haver problemas”, orienta.

O advogado também alerta para o fato de que praticamente toda pirâmide financeira tem um marketing bastante agressivo. “Chega a ser até trivial, mas sabe aquele marketing extremamente agressivo que você vê e acha que tem cara de golpe? Provavelmente seja golpe mesmo”, diz.

Como evitar pirâmides financeiras?

Segundo Thiago Bueno, conhecer a capacidade patrimonial da empresa e checar se ela possui autorização para funcionar são alguns aspectos importantes a se verificar para evitar cair em fraudes.

Nesse sentido, o procurador destaca que, no caso de instituições financeiras, essa avaliação acaba sendo mais fácil, pois elas se submetem às regras do Sistema Financeiro Nacional. Porém, quanto às empresas que intermediam a operação de criptoativos, a atenção deve ser ainda maior. Um dos motivos, diz, é a não obrigação de praticar a segregação patrimonial.

A segregação patrimonial é um dispositivo jurídico que busca impedir que os recursos dos clientes se misturem entre si ou com os da própria empresa. Embora tenha sido defendida pelo Senado durante a aprovação do PL 4401/2021, a Lei das Criptomoedas foi sancionada sem esse dispositivo.

“Do ponto de vista do consumidor, não tenho dúvidas de que isso seria o ideal para a sua proteção, pois garantiria um mínimo de lastro e liquidez para as operações. Hoje, nessas transações, o dinheiro pode sair do país em poucos minutos, ficando fora do alcance das autoridades brasileiras”, destaca Bueno.

Ainda sobre criptoativos, outro ponto é verificar como são feitos os contratos desses investimentos. “A maioria dessas movimentações envolvem empresas domiciliadas fora do país, e isso dificulta verificar a licitude e o lastro das operações”, explica o procurador.

Para Picanço, uma forma de ter acesso a esses dados é solicitando o relatório das operações que as empresas dizem fazer. Dessa forma, consegue-se verificar via blockchain (banco de dados imutável das criptomoedas) informações como a quantidade de endereços ativos e a movimentação de mineradores e investidores.

“O relatório operacional das exchanges é um direito básico do consumidor”, afirma o advogado.

Além disso, há outros cuidados básicos bastante simples, mas que são eficientes para combater o mecanismo da engenharia social, em que criminosos enganam para atrair vítimas. “O apelo pode partir de um colega de trabalho, do clube ou de algum outro círculo de convívio. Então, é preciso tentar olhar fora dessa esfera de influência, para ter o máximo de informações possíveis e fugir de ofertas mirabolantes de retornos altos em curto espaço de tempo”, explica Bueno.

Como denunciar esquemas de pirâmide financeira?

A denúncia de pirâmides pode ser feita junto à Polícia Federal ou diretamente no Ministério Público Federal, por meio da Sala de Atendimento ao Cidadão

Quando o esquema fraudulento envolve criptoativos, o MPF faz um filtro prévio da denúncia, para depois encaminhar à alçada competente. Como não há uma legislação penal específica para os ativos virtuais, dependendo do caso, pode ser considerado estelionato (sobre o qual aplica-se agravante pelo uso de criptomoedas) ou crime contra o Sistema Financeiro Nacional, em vez de crime contra a economia popular.

Thiago Bueno explica que a representação pode ser feita pela internet sem que seja preciso identificação. “O anonimato visa proteger a identidade para evitar possíveis represálias que o denunciante possa vir a sofrer”, complementa.

Perdi dinheiro em um esquema de pirâmide: e agora?

O ressarcimento do prejuízo após ser vítima de uma pirâmide pode demorar. Quando golpes como esse vêm à tona, é comum que os responsáveis já tenham se desfeito de bens no seu nome, ou transferido dinheiro para paraísos fiscais sem acordo com o Judiciário brasileiro. Ainda assim, ingressar com uma ação costuma ser a melhor saída.

Quem foi lesado não pode pensar duas vezes para ajuizar uma ação, e isso deve ser feito rapidamente, recomenda Picanço, que atualmente possui cerca de dois mil processos distribuídos com valor total que beira os R$ 500 milhões.

Casos de pirâmide, explica, costumam envolver o pedido de tutela de urgência para bloqueio antecipado das contas dos envolvidos no esquema, incluindo saldos em ativos digitais detidos por corretoras. Para ingressar com a ação, no entanto, em geral o autor deve arcar com as custas processuais, que podem chegar a até 7% do valor da causa.

“Não perca tempo com o golpista, esse é o primeiro conselho, pois ele vai tentar dissuadi-lo. O tempo corre contra a vítima, e o que pode trazer o dinheiro de volta é uma ação judicial, e não a simples reclamação em um órgão de defesa do consumidor”, avisa o advogado.