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Nos balanços, empresas expressam alívio com cena local, mas exterior ainda traz  incerteza

Lucro líquido de 204 companhias que já divulgaram seus balanços caiu 37,2% ante 2º tri de 2022. Sem Petrobras e Vale, resultado foi 34,2% maior.

Lucinda Pinto Roberto de Lira

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A expressão ‘ponto de inflexão” foi uma das mais ouvidas nas teleconferências realizadas pelos executivos das companhias que divulgaram seus resultados nos últimos dias. Já foram conhecidos pouco mais de 200 balanços relativos ao segundo trimestre e, até aqui, o que se nota é que a queda dos juros já começou a fazer efeito para as companhias, antes mesmo do ciclo de alívio monetário ter começado. Para as companhias produtoras de commodities, que dependem do mercado internacional, no entanto, o cenário é mais desafiador e incerto.

Levantamento feito pela Economatica a pedido do IM Business mostra que o conjunto das 204 companhias que divulgaram seus balanços até quinta-feira à noite teve um lucro líquido de R$ 84,4 bilhões, 37,2% abaixo do observado em igual período de 2022. Mas, quando se compara com o trimestre imediatamente anterior, a queda foi menor, de 16,9%. O mesmo acontece quando se olha para o Ebitda, o lucro que mede o resultado do negócio operacional, que atingiu a soma de R$ 184,4 bilhões, queda de 25,6% em relação ao segundo trimestre de 2022, e de 10,6% na comparação com os três primeiros meses de 2023.

A análise muda de figura quando se exclui as gigantes Petrobras e Vale. Sem as duas grandes produtores de petróleo e minério de ferro, o lucro consolidado das demais companhias cresce 0,3% ante o primeiro trimestre e 34,2% na comparação com igual período de 2022, ainda de acordo com o levantamento feito pela Economatica.

Empresas de consumo, varejo, infraestrutura, construção civil, tecnologia e do setor financeiro  expressaram nos resultados que seus negócios já foram impactados, com mais ou menos força a depender do setor, pela melhora da expectativa  quanto à economia local ao longo do segundo trimestre. O quadro fiscal mais previsível e a perspectiva do início do corte de juros foram apontados como principais elementos a deflagrar essa virada.

Um termômetro dessa mudança é o mercado de capitais, que voltou a movimentar-se nos últimos meses. Em entrevista ao IM Business, Marcelo Costa, CFO do BR Partners,  afirmou que  a definição do arcabouço fiscal, a queda da inflação e perspectiva de início de um ciclo de alívio monetário – cujo efeito sobre a curva futura de juros ocorreu antes do início efetivo do ciclo – abriram caminho para a retomada desses negócios. Esse quadro foi percebido pelo resultado do banco, cujo lucro líquido foi de R$ 38,7 milhões no segundo trimestre, 3,5% abaixo do observado  em igual período do ano passado, mas 16,8% acima do resultado dos três primeiros meses do ano. Para se ter uma ideia, das 17 transações no mercado de capitais realizadas pelo banco, 11 aconteceram no segundo trimestre.

Roberto Valério, CEO da Cogna, diz que cada ponto percentual de queda da Selic representa R$ 35 milhões a mais no caixa da empresa (Foto: Rafael Almeida)

Na Cogna Educação, o efeito do juro também afetou os resultados, segundo relatou em entrevista o CEO da companhia, Roberto Valério. A empresa anunciou um lucro líquido ajustado de R$ 10,99 milhões no segundo trimestre de 2023 (2T23), revertendo um prejuízo ajustado de R$ 36,595 milhões em igual período do ano passado. E um dos fatores que contribuíram para essa melhora foi o resultado financeiro.

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“Do ponto de vista do orçamento, estava trabalhando com a Selic caindo mais para frente, entre setembro e outubro. Assim, o fato de ter antecipado para agosto é positivo para nosso plano, não levando em conta só a queda mas também a sinalização”, afirmou Valério, em entrevista ao InfoMoney. “Para nós, que temos dívida líquida ainda relevante, apesar de estar decrescente, é importante”, avaliou, acrescentando que,  cada um ponto percentual de queda da Selic representa R$ 35 milhões a mais no caixa, que podem ser investidos em mais tecnologia, produtos, entre outros.

“Tem um segmento de empresas que está dizendo que o segundo trimestre foi o ‘low’ e que as coisas devem melhorar daqui para frente”, afirma Guto Leite, gestor de ações da Western Asset. “Mesmo que de forma gradativa, a queda de juros traz alívio,, principalmente às empresas mais alavancadas, o dólar mais comportado alivia o custo de matéria-prima, e tem um processo de desalavancagem dos consumidores, que ainda não está concluído, mas já está em curso”, explica.

Leite ressalta que, embora não seja possível falar da situação das companhias de forma generalizada, existem padrões mais claros quando se pensa em termos setoriais. Entre as empresas de saúde, setor elétrico e de saneamento, por exemplo, está mais evidente um “turning point” no segundo trimestre, porque boa parte dessas companhias já mostrou resultados mais fortes.

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Já os setores de varejo e vestuário ainda vieram com balanços mais frágeis, mas trouxeram uma visão mais otimista para os próximos meses. Entre os bancos, o cenário é misto, com Itaú e Banco do Brasil com resultados mais positivos e Santander e Bradesco ainda lidando com desafios. Da mesma forma, entre empresas do setor de construção civil, as mais beneficiadas pelo Minha Casa Minha Vida se destacaram. E há segmentos que ainda não se beneficiaram dessa virada de cenário, como o de farmácias.

Efeito China

Mas há um grupo de empresas, as ligadas ao mercado internacional, que ainda não consegue surfar a onda mais favorável, diz Leite. “Commodities é um outro mundo. Para essas empresas, mostrar um belo resultado no terceiro trimestre não é suficiente, porque a dinâmica da matéria-prima já mudou globalmente”, diz. É o caso de Gerdau, afirma, que tem uma ótima situação operacional, gera caixa, está desalavancada, mas sabe que a expectativa de lucro futuro depende do desempenho do preço do aço. A Gerdau  teve um lucro líquido ajustado de R$ 2,143 bilhões, 50,1% abaixo do observado  no mesmo período de 2022.

Para essas empresas – que têm grande peso tanto sobre o Ibovespa, quanto sobre o PIB e a balança comercial – , a desaceleração da economia chinesa afetou os negócios. “Na virada do ano, acreditava-se que o fim da política de covid zero e a reabertura econômica levaria a um crescimento mais forte, como aconteceu nos Estados Unidos e no Brasil. Mas isso durou só um trimestre”, explica Fernando Fenolio, economista-chefe da WHG. Desde então, explica, os dados chineses têm decepcionado e continuam se enfraquecendo. Agora, a grande questão é saber se o governo fará, de fato, uma política de estímulos, como muitos analistas preveem.

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“Havia uma expectativa de recuperação de demanda na atividade industrial na China, que não aconteceu”, afirmou o diretor financeiro da Braskem, Pedro Freitas, durante entrevista sobre os resultados da companhia.  Segundo ele, a queda do Ebitda recorrente de 82% ante igual período do ano passado, para R$ 703 milhões, é resultado do encolhimento do nível do consumo mundial — em particular na China –, com efeito direto sobre preços e margem. E que não há razão para esperar uma melhora desse quadro no segundo semestre.  Ele disse que, nos últimos anos, a taxa de crescimento do polietileno foi de cerca de 3,5% e, este ano, a expectativa é de uma expansão de 2,7%.

A desaceleração da economia chinesa tem impacto direto sobre empresas produtoras de commodities, como o minério de ferro. (Divulgação)

Segundo Fenolio, da WHG, o que está por trás desse quadro mais negativo  é uma mudança em curso na tese de crescimento da China, que deve tirar do setor de construção civil o principal motor de aceleração. Isso pode afetar, portanto,  todas as empresas que têm relação com o minério de ferro. Embora esse não seja um cenário muito positivo para muitas empresas brasileiras,  Fenolio observa que, pensando no desempenho macroeconômico brasileiro, esse efeito pode ser menor do que foi no passado.  “A balança comercial brasileira bateu recorde, mas foi por causa de petróleo e do setor agrícola. Essa simbiose com a China diminuiu”, afirma.

As projeções de crescimento para a China, a segunda maior economia do planeta, estão hoje pouco acima dos 5% em 2023. Embora acima dos 3% observados em 2022, é um patamar bem abaixo dos anos anteriores à pandemia de covid-19 (6,7% em 2018 e 6,0% em 2019). Claudia Moreno, economista do C6 Bank, afirma que o foco hoje da China é o crescimento via consumo, e que, mesmo para essa vertente, há desafios.

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Na semana passada, dados oficiais mostraram que o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) da China recuou 0,3% em julho em relação ao mesmo mês do ano anterior, registrando assim a primeira deflação desde fevereiro de 2021. O grande temor das autoridades chinesas é que as famílias reduzam suas compras à  espera de que os preços internos caiam ainda mais.

Não parece ser um medo infundado. Segundo dados do Banco Popular da China, os depósitos das famílias registraram um aumento de 60% no primeiro trimestre do ano. E as vendas no varejo chinês ainda cresceram 3,1% em junho ante maio (último dado divulgado), mas vinham de uma alta de 12,7% em maio.

Já o quadro econômico americano traz boas notícias. Fenolio, da WHG,  explica que a recessão, prevista por muitos economistas para 2023, não deve acontecer. E, mesmo com a economia mais forte, a inflação está cedendo, tirando de cena o risco de um aperto monetário mais forte pelo Federal Reserve (Fed). “O cenário americano está indo para um dos melhores possíveis. Tem um risco para frente, de que o aumento de juros feito até aqui acabe pesando sobre as empresas e as famílias, mas trata-se de uma questão para um horizonte mais longo. Neste momento, o que temos é uma sensação positiva sobre a atividade americana”, diz.

No Brasil, também há incertezas

Essa sensação de alívio que muitas empresas expressam em relação ao quadro econômico local ainda não pode ser confundida com otimismo.  Embora haja sinais de que as condições de crédito e o endividamento comecem a mostrar  alguma descompressão, o ritmo de retomada ainda é uma dúvida. Uma fotografia do momento atual poderá ser observada nesta segunda-feira (14), quando o Banco Central divulgará o IBC-Br referente a junho. O índice de atividade econômica do BC é considerado uma proxy mensal do PIB.

A XP Investimentos projetou em seu mais recente relatório que o indicador deve ter crescido 0,8% em junho ante maio e 2,0% na comparação com o mesmo mês de 2022. Porém, a expansão específica do 2º trimestre deve ter ficado em 0,5% , ante os fortes 2,5% observados nos primeiros três meses do ano. Para o PIB, que será divulgado em setembro, o Tracker XP aponta para ganho de 0,3% na margem, no 2º tri, e de 2,7% na base interanual.

Lucinda Pinto

Editora-assistente do Broadcast, da Agência Estado por 11 anos. Em 2010, foi para o Valor Econômico, onde ocupou as funções de editora assistente de Finanças, editora do Valor PRO e repórter especial.