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A queda dos preços da gasolina no país, consequência da política centrada no peso do combustível na inflação, colocou o etanol hidratado em xeque. Mesmo competitiva nas bombas, a alternativa mais limpa e renovável vem perdendo espaço para a rival fóssil. A queda das vendas e do preço do etanol começa a afetar as margens operacionais das usinas sucroalcooleiras e realimenta discussões sobre o futuro da matriz energética brasileira.
Consultorias apontam que a gasolina comercializada nos postos está cerca de 25% mais barata que no mercado externo, e os preços mais baixos, volta e meia realçados pelo presidente Lula e outros representantes do governo, têm seduzido os motoristas. Enquanto a venda do etanol nos postos engasga, a da gasolina dispara, obrigando o governo a aumentar compras no exterior.
As importações da Petrobras, segundo relatório de produção e vendas da empresa, cresceram 642,9% no segundo trimestre e 228,6% no primeiro semestre de 2023, em relação ao mesmo período do ano anterior. Já as vendas de etanol hidratado das usinas recuaram mais de 10% desde abril, mês que marca o início da safra 2023/24. Executivos do segmento afirmam que o metro cúbico do combustível chegou a sair de unidades produtoras no primeiro trimestre da temporada por pouco mais de R$ 2 mil, metade do valor do mesmo período do ciclo 2022/23.
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“No etanol, nossas margens estão negativas. Há muita propaganda por aí de que os preços da gasolina estão mais baixos, mas uma defasagem de 25% entre o produto vendido aqui e o comercializado no mercado externo é muita coisa. Se a defasagem estivesse entre 5% e 10%, tudo bem. Mas 20%, 25%, é demais”, disse um graduado diretor de uma grande empresa sucroalcooleira ao IM Business.
Plinio Nastari, fundador e CEO da consultoria Datagro e um dos maiores especialistas no segmento sucroalcooleiro do país, calculou a defasagem em 26,3%, na última quinta-feira, e considera esse patamar muito significativo. “Afeta a competitividade do etanol hidratado, cujos preços estão baixos. É fato que o consumidor prefere gasolina mais barata, mesmo subsidiada, mas essa distensão não é sustentável no longo prazo e pode ter consequências sérias para o país como um todo”, afirmou.
O cenário é negativo para as usinas nessa frente mesmo considerando a receita gerada pelos CBios, os créditos que as produtoras podem gerar quando fabricam etanol (cada crédito representa uma tonelada de CO2 que deixou de ser emitida) e as distribuidoras de combustíveis têm que comprar para cumprir suas metas de descarbonização. Do início do ano até 21 de julho, foram emitidos 17,8 milhões de CBios, segundo dados registrados na B3.
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A política de preços da Petrobras, anunciada em maio, permanece uma incógnita para o mercado. Desde que passou a valer, a paridade com as importações foi abandonada e a estatal já reduziu o preço da gasolina nas refinarias três vezes. Um erro de calibragem nos subsídios pode não só afetar o resultado da Petrobras, como ocorreu no governo Dilma, mas também desestruturar o setor sucroalcooleiro, que até agora não tem sido penalizado na bolsa.
Até agora três fatores têm contribuído para mitigar, em parte, os efeitos negativos da política de preços da gasolina sobre as usinas sucroalcooleiras. Primeiro: as usinas têm tido bom resultado com o açúcar, que subiu cerca de 30% nas bolsas internacionais no primeiro semestre. Segundo: as vendas de etanol anidro, que é misturado à gasolina, também cresceram com a maior demanda pelo combustível fóssil. E, por último, as usinas devem também ter um alívio nos custos de insumos agrícolas, que foram um fator de pressão sobre os resultados na safra 2022/23, quando preços de fertilizantes subiram muito, primeiro pelo desarranjo da logística nas importações, com a eclosão da Covid, e depois com a invasão da Ucrânia.
Na B3, o comportamento das ações da Petrobras e dos grupos sucroalcooleiros listados não refletem os efeitos da política sobre a empresa de controle estatal e sobre o setor de açúcar e álcool. No ano, até 28 de julho, as ações ON da Petrobras subiram cerca de 38%, ao passo que os papéis de Raízen avançaram 14,5% e os de São Martinho, 24,9%. As três empresas foram procuradas, mas preferiram não conceder entrevistas.
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Em relatório recente, a equipe da XP Research estimou crescimento de 52% na receita líquida da São Martinho com açúcar e queda de 57% da receita líquida com etanol de abril a junho, período em que o etanol pesou mais negativamente sobre os resultados das usinas, segundo analistas.
Mais açúcar e etanol para exportação
Com a queda na demanda por etanol hidratado nos postos, as usinas têm direcionado um maior volume de cana à produção de açúcar e ampliado as exportações de etanol, que está mais valorizado no exterior.
Segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), a moagem de cana no Centro-Sul do país, maior polo de produção da matéria-prima do mundo, chegou a 258,3 milhões de toneladas do início da safra 2023/24, em abril, até a primeira quinzena de julho, 10,1% mais que em igual intervalo do ciclo 2022/23. A produção de açúcar cresceu 21,9%, para 15,5 milhões de toneladas, e a de etanol avançou 6% e totalizou 12 bilhões de litros – 6,8 bilhões de hidratado (queda de 3,9%) e 5,1 bilhões de anidro (alta de 22,8%).
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Quando apresentou seus resultados no quarto trimestre do exercício 2022/23, a São Martinho sinalizou que essa será sua tendência para a safra 2023/24 como um todo. A empresa prevê que sua moagem de cana vá subir 7,4%, para 21,5 milhões de toneladas, com avanços de 14,4% na produção de açúcar, para 1,38 milhão de toneladas, e de 5,1% na fabricação total de etanol, para 944,9 mil metros cúbicos.
Combustível verde para fora do país
Mais rentáveis que as vendas domésticas, as exportações de etanol hidratado ganharam tração, mesmo com a desvalorização do dólar em relação ao real,. De acordo com dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), de janeiro a maio os embarques brasileiros somaram 519,9 mil metros cúbicos e renderam US$ 356,4 milhões, com incrementos de 69,7% e 72,5% ante o mesmo período de 2022, respectivamente.
Na mesma comparação, reclamam os usineiros, o volume das importações de petróleo do país aumentou 50,8%, para 7,8 milhões de metros cúbicos, e o custo cresceu 32,6%, para US$ 4,1 bilhões. No caso da gasolina A, o volume importado praticamente dobrou e atingiu 1,9 milhão de metros cúbicos, a um valor total 72,9% superior (US$ 1,1 bilhão).
A Petrobras, que responde por mais da metade das importações de gasolina do país, segue pisando no acelerador, em virtude do aumento da demanda interna. Suas importações do combustível fóssil aumentaram mais de sete vezes ante igual intervalo do ano passado, para 52 mil barris por dia.
“É uma contradição. Poderíamos estar vendendo no país mais etanol hidratado, um combustível limpo e renovável, e importando menos petróleo e gasolina. É o futuro da matriz energética brasileira que está em jogo, além do atingimento de metas de redução de emissão de gases assumidas pelo Brasil em fóruns globais”, afirma um empresário do segmento.
Outro ponto destacado por um executivo é que o desestímulo ao etanol no país ocorre num momento em que alternativas como combustíveis sustentáveis de aviação (SAF, na sigla em inglês), por exemplo, ganham importância no mundo.
Em evento recente, a Raízen estimou que o etanol poderá ser a matéria-prima de 25% de todo o SAF produzido globalmente até 2030. Se o cenário se confirmar, a demanda por etanol se aproximará de 10 bilhões de litros.
Expectativa frustrada
Um usineiro com décadas de estrada lembra que o cenário de desestímulos ao uso do etanol no Brasil não é novo. Desde o início da década de 1970 as empresas do segmento convivem com períodos de dificuldades para a manutenção da rentabilidade da produção do combustível por causa de estratégias pautadas por vieses ideológicos, preços artificialmente baixos da gasolina (os empresários costumam destacar o governo de Dilma Rousseff) ou mudanças tributárias que minam a competitividade do etanol, como aconteceu no ano passado no governo Bolsonaro.
Curiosamente, o primeiro governo Lula conferiu ao etanol um status até então inédito no país, e promoveu o combustível como uma solução global defendida no exterior pelo então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, em parceria com o governo dos EUA, grandes produtores de etanol de milho. “Daí porque a expectativa agora era grande. Esperávamos incentivo ao etanol, não o contrário”, conclui um usineiro
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