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Como fica a taxação de investimentos no exterior com o andamento da reforma tributária?

Prazo para tramitação da MP 1171 se encerra em meio aos debates da reforma tributária, que pode acabar absorvendo trechos da proposta

Monique Lima

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A Medida Provisória (MP) 1171/2023, publicada pelo governo federal no último dia de abril (30), propõe uma série de mudanças na tributação de investimentos feitos no exterior – diretamente por pessoas físicas ou por meio de entidades controladas, offshores e trusts.

O texto precisa tramitar no Congresso Nacional – passar pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal – e ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até o dia 11 de setembro para valer a partir de janeiro de 2024. Porém, com a discussão acerca da reforma tributária, que foi dividida em duas partes, algumas mudanças podem ocorrer.

Na publicação da MP, o governo afirmou que a intenção da medida era cobrir o impacto do aumento na faixa de isenção do Imposto de Renda, que passou de R$ 1.903,98 para R$ 2.640 (dois salários mínimos). Entretanto, a segunda parte da reforma tributária irá debater justamente a tributação de renda.

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“O texto da medida provisória tem questões que precisam ser debatidas profundamente porque tem equívocos do ponto de vista jurídico. Por outro lado, vemos que a reforma tributária está sendo tratada com bastante prioridade, o que pode levar à inclusão de alguns tópicos diretamente no projeto de lei”, diz Maurício Chapinoti, especialista em Direito Tributário e sócio do Dias Carneiro Advogados.

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Para quem é pessoa física, residente no Brasil, e tem investimentos diretamente no exterior, a principal mudança está na unificação das alíquotas, que anteriormente eram diferentes para juros, dividendos ou ganhos de capital, por exemplo.

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Segundo a MP, a partir de 1º de janeiro de 2024, as alíquotas devem ficar da seguinte forma:

Alíquotas do Imposto de Renda Rendimentos 
Regra atual (mensal) MP 1171 (anual)
Isento Até R$ 35 mil Até R$ 6 mil
15% R$ 35 mil até R$ 5 milhões Entre R$ 6 mil e R$ 50 mil
17,5% R$ 5 milhões até R$ 10 milhões
20% R$ 10 milhões até R$ 30 milhões
22,5% Acima de R$ 30 milhões Acima de R$ 50 mil

Os novos valores têm efeito anual, não mais mensal. Então, no caso de rendimentos de R$ 5 mil mensais, o contribuinte deverá somar os valores na declaração anual de Imposto de Renda (o que, nesse exemplo, totalizaria R$ 60 mil). Com isso, o enquadramento automático seria na alíquota de 22,5%.

As novas taxas se aplicam a qualquer ativo financeiro investido em outros países, sejam eles ações, títulos de renda fixa, REITs ou ETFs. E, não só: empresas pessoais financeiras no exterior (offshores) também serão tributadas com a mesma regra.

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A mudança nas alíquotas de tributação não apresenta divergências jurídicas, segundo os especialistas consultados pelo InfoMoney. Segundo eles, essa alteração pode ser feita dentro do texto debatido na segunda parte da reforma tributária — não sendo necessário, portanto, avançar com a medida provisória de abril.

As mudanças questionáveis propostas pela MP da taxação de investimentos no exterior estariam no momento em que a incidência do imposto acontece no caso das empresas offshores e das trusts.

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Divergência na leitura jurídica

Victoria Siqueira, advogada e head de wealth planning da Portofino, explica que o Brasil não pode tributar uma empresa que está sediada em outro país, como é o caso das empresas offshore. “O que é feito é uma cobrança de imposto em cima dos sócios brasileiros, residentes no país. Quer essa empresa seja exclusivamente de uma pessoa física no Brasil, ou tenha mais sócios”, diz.

Atualmente, o imposto é aplicado em cima de lucros ou dividendos distribuídos e creditados ao sócio brasileiro. As alíquotas aplicáveis são da tabela progressiva mensal, que chega a 27,5%.

A regra da MP 1171, contudo, determina uma tributação anual dos lucros de empresas offshores controladas por pessoa física residente no Brasil, com base no valor verificado em balanço, apurado em 31 de dezembro de cada ano.

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“O sócio residente no Brasil será obrigado a pagar imposto sobre um lucro que ainda está em balanço, que não foi distribuído e nem creditado”, diz Chapinoti. “Porém, aquele dinheiro não está na jurisdição do Brasil. Na prática, está tributando uma empresa estrangeira, porque a pessoa física brasileira não gera balanço.”

O especialista também levanta uma segunda problemática de caráter diplomático. “O Brasil tem tratados internacionais para evitar bitributação com diversos países. O texto como está ignora esses acordos”, diz o sócio do Dias Carneiro Advogados.

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A parte que trata das trusts traz pontos negativos e positivos, segundo os especialistas. A parte positiva é que, pela primeira vez, a legislação brasileira regulamenta o que é uma trust.

“A trust é um instrumento jurídico previsto na legislação de países anglo-saxões. O Brasil adota o regramento romano e nunca regulamentou a trust. Por isso, atualmente, existe uma insegurança jurídica em relação à leitura desses contratos nacionalmente”, diz Alexandre Arregui, advogado especialista em Planejamento Patrimonial e Sucessório. O advogado vê ganhos de proteção jurídica com a definição do tema.

Herança ou renda?

A trust não é, essencialmente, uma estrutura para investimentos. Sua principal aplicação é para o planejamento patrimonial no caso de sucessão de bens (testamento). No entanto, por não ser regulamentada, sua leitura tributária ficava dividida entre herança (com o imposto estadual de até 8%) e renda (com IR de até 27,5%).

Alessandro Fonseca, sócio e advogado especialista em gestão patrimonial, família e sucessões do escritório Mattos Filho, afirma que, com a MP, a legislação institui que a distribuição da trust não está sujeita a Imposto de Renda, mas sim ao Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), aplicável às heranças.

Trata-se de uma definição importante, segundo Fonseca. Porém, o sócio da Mattos Filho pondera sobre outros “equívocos” no texto.

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Em uma trust, o dono do patrimônio passa os seus bens para uma terceira pessoa administrar segundo regras previstas em contrato. O texto da MP não assume essa transferência de bens, e entende que o patrimônio permanece com a pessoa física brasileira que instituiu a trust.

“Isso está errado. O patrimônio foi transferido e a pessoa que instituiu a trust não tem mais acesso àqueles bens. Foram para um terceiro e este é um dos fundamentos de uma trust”, afirma o sócio do Mattos Filho.

Para os especialistas, divergências como as destacadas precisam ser debatidas e aprimoradas durante a tramitação da MP no Congresso. Outra possibilidade que eles vislumbram é a entrada de pontos essenciais na reforma tributária, já que os temas convergem e a reforma já está em andamento.

“Há falhas jurídicas que podem resultar em processos futuros. Não acredito que a MP passe do jeito que está”, diz Chapinoti, do Dias Carneiro Advogados. “É preciso tempo para debate e o prazo está curto, quando se olha para o cenário do Congresso atual.”