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Nos últimos dias de fevereiro, em uma das milhares rodas de negociação na Gulfood, feira em Dubai que reúne as principais empresas de alimentos do mundo, o empresário Marcos Molina seguia em seu processo de convencimento, iniciado meses antes, para que o poderoso fundo soberano da Arábia Saudita, o Salic, investisse em uma de suas mais recentes incursões.
Fundador e controlador da Marfrig (MRFG3), principal acionista da BRF (BRFS3) há pouco mais de um ano, Molina buscava recursos para diminuir o endividamento da dona da Sadia. No apertar de mãos no evento, o Salic aceitou participar da operação em conjunto com a Marfrig e com o empresário, que se comprometeu a colocar dinheiro do próprio bolso na transação.
Em 28 de fevereiro, e a 12,2 mil quilômetros dali, a BRF divulgava ao mercado brasileiro prejuízo líquido de R$ 3,1 bilhões em 2022 e alavancagem (relação entre a dívida líquida pelo Ebitda) de 3,75 vezes, mantendo aceso um sinal de alerta entre os investidores.
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A empresa também anunciava um programa de desinvestimentos estimado em R$ 4 bilhões, ancorado na venda de sua divisão de pet food e de créditos tributários. O plano de desalavangem animou o mercado e as ações chegaram a subir 5,36% no dia, porém a falta de avanço nas negociações nas semanas seguintes interrompeu a sequência de alta.
Mais de dois meses depois, em 15 de maio, a dona da Sadia reportava mais um prejuízo líquido, desta vez no primeiro trimestre de 2023, de R$ 1,02 bilhão.
A alavancagem caiu para 3,35 vezes, mas ainda consideravelmente acima das 2,76 vezes de um ano antes. A dívida líquida cresceu 4,8% entre o 4T22 e o 1T23, para R$ 15,3 bilhões, e o aguardado plano de desinvestimentos seguia sem grandes evoluções, com a venda de apenas uma fazenda por R$ 110 milhões.
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Os papéis caíram 9,2% após o balanço, embora tenham chegado a reagir nos pregões seguintes com especulações de que o plano de desinvestimento estava avançando. A despeito dessa sinalização do sell side, pessoas próximas da empresa dizem que as tratativas estão em ritmo lento.
No entanto, o surgimento dos primeiros casos de gripe aviária no Brasil, mesmo que apenas em animais silvestres, voltou a pressionar as cotações da BRF. Isso porque, caso a doença chegue às granjas comerciais, a exportação de carne de frango brasileira, o principal negócio da empresa, passa a correr risco de sofrer embargo.
Com a soma de fatores negativos, Molina, também presidente do conselho da BRF, buscava efetivar a promessa feita pelos árabes em fevereiro e deu sua cartada. “Na semana passada, ele informou que a Marfrig seguiria com a operação com ou sem o Salic. Então o Salic decidiu participar”, relata uma pessoa próxima da empresa ouvida pelo InfoMoney.
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O aporte
Como resultado, a BRF anunciou nesta quarta-feira (31) um aporte de até R$ 4,5 bilhões que será feito via follow-on pela sua controladora Marfrig e pelo fundo Salic. Cada uma se comprometeu a comprar até 250 milhões de papéis da dona da Sadia, a um preço de R$ 9 por ação, sugerindo prêmio de 24% em relação ao fechamento de terça-feira (30).
Paralelamente, a Marfrig anunciou um aumento de capital estimado em até R$ 2,25 bilhões para dar conta da operação com a BRF. O aporte será ancorado pela MMS Participações, holding de Molina, que se comprometeu a cobrir ao menos dois terços da operação e eventuais sobras. Isso significa que a operação não deverá ter efeito caixa para a Marfrig.
Para o Bradesco BBI, o aumento de capital é positivo e deverá ter efeito no preço de tela da empresa no curto prazo. A tendência é que a injeção dos R$ 4,5 bilhões deverá reduzir a alavancagem da BRF para algo em torno de 2,4 vezes o Ebitda – isso considerando os números do 1T23.
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Outra fonte reforça essa percepção e lembra que o aporte tira a pressão da BRF em negociar ativos sob qualquer condição. “Ainda mais com o fantasma de gripe aviária rondando”, lembra.
“A Arábia Saudita tem sido o maior país importador de carne de frango da BRF nos últimos anos e, portanto, esse investimento poderá reduzir as preocupações dos investidores sobre os casos recentes de gripe aviária [até agora apenas em animais silvestres]”, escreveu o analista do BBI Leandro Fontanesi. O banco tem recomendação de compra para o papel, com preço-alvo de R$ 17.
O Goldman Sachs reconhece que a entrada de capital será um alívio para a estrutura financeira da dona da Sadia, além de sinalizar que investidores importantes estão dispostos a pagar prêmio pelo negócio. Porém, o banco mantém recomendação de venda ao papel, a R$ 6,20, por conta dos desafios para a geração de caixa da BRF.
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Para a XP, que tem recomendação neutra ao papel, a desalavangem é o principal ponto do negócio. “Em nossa visão, traz alívio ao caixa da companhia, com uma redução estimada em R$ 400 milhões nas despesas médias com juros. No entanto, ainda não está claro quanto da atual dívida poderá ser quitada”, escreveram os analistas Leonardo Alencar e Pedro Fonseca.
Conselho define próximos passos
Ainda segundo o fato relevante publicado pela BRF nesta quarta-feira, Salic e Marfrig terão até 31 de dezembro para realizar o aporte sob as condições já citadas. Mas a ideia é que ele ocorra bem antes disso, se possível, ainda neste semestre.
Para isso, o conselho de administração da empresa deverá se reunir ainda hoje para elaborar uma proposta da administração para a realização de uma assembleia geral extraordinária, em data ainda a ser definida.
O ponto central deverá ser a retirada da poison pill prevista no estatuto da BRF que obriga a Marfrig a realizar uma oferta pública de aquisição de ações (OPA) por exceder 33,3% do capital da BRF – com o aporte, a tendência é que a Marfrig monte uma posição de 38,7% na companhia.
Nesse sentido, o Goldman Sachs não vê um caminho tão simples para a Marfrig remover a poison pill de seu estatuto. Caso os acionistas da BRF não aprovem a retirada da cláusula, a Marfrig teria que pagar o preço de tela mais 40% na OPA, encarecendo demais a operação.
“Lembremos que no último follow-on [de fevereiro de 2022] alguns acionistas se recusaram a dispensar a Marfrig de ultrapassar a barreira de 33,33% sem pagar a poison pill“, acrescentou o analista Thiago Bortoluci, do Goldman, ao citar a resistência da Petros, o fundo de pensão de funcionários da Petrobras e então acionista relevante da BRF, ao negócio.
Outra questão que paira no ar é como será a participação do Salic no negócio. Também acionista da Minerva (BEEF3), com 30,5% de participação, o fundo árabe deverá ter uma posição de 16% na BRF, mas afirmou que será investidor passivo no negócio, a despeito da especulação de que poderia ter um assento no board da BRF.
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