FedNow será igual ao Pix? Modelo americano pode ter custos para clientes; entenda

FedNow promete transações em segundos, mas tem mais diferenças do que semelhanças com o sistema do Brasil

Giovanna Sutto

(Reprodução/FedNow Service site)
(Reprodução/FedNow Service site)

Publicidade

Tempo é dinheiro. Pessoas e negócios estão demandando mais praticidade e velocidade nas transações financeiras. E é nesse contexto, segundo o próprio Federal Reserve (Fed), Banco Central americano, que os Estados Unidos estão desenvolvendo seu sistema de pagamentos instantâneos, o FedNow, que ficou conhecido como “Pix Americano”.

Previsto para julho deste ano, o projeto do FedNow está sendo encabeçado pelo Fed, que busca modernizar seu sistema de pagamentos com uma nova infraestrutura, a partir de transações instantâneas realizadas 24 horas por dia.

As discussões sobre o FedNow começaram em 2019 de forma embrionária. O projeto foi sendo desenvolvido ao longo dos anos, mas, somente em 2022, ganhou estrutura mais definida — a partir da criação da FedNow Community, comunidade criada pelo Fed feita para ouvir representantes das instituições financeiras do mercado e agentes envolvidos com o projeto.

Após várias reuniões e discussões nessa comunidade, em setembro de 2022, os testes do FedNow começaram e o anúncio sobre o lançamento em julho foi oficializado em meados de março deste ano.

O brasileiro já conhece o recurso de transação instantânea e aderiu ao Pix massivamente: são mais de 147 milhões de usuários cadastrados, entre pessoas físicas e jurídicas, conforme os últimos dados do BC divulgados em abril. E em breve consumidores e empresas dos EUA vão poder experimentar algo similar.

Mas será que os americanos vão aderir de forma parecida? Quais são as principais semelhanças e diferenças do FedNow com o Pix? O InfoMoney consultou participantes da Comunidade do FedNow e especialistas em pagamentos instantâneos para destrinchar o que já se sabe sobre como vai funcionar o sistema nos EUA.

Continua depois da publicidade

A implementação está em um estágio inicial (não há agenda definida e muitas mudanças poderão ocorrer nos próximos meses). Ao menos por enquanto, apesar de ser apelidado de “Pix Americano”, o consenso dos especialistas é de que o FedNow tem muito mais diferenças do que semelhanças com o Pix original. Confira.

Descentralização

A principal diferença entre o FedNow e o Pix é que o modelo americano tem uma regulação menos rígida em relação a padrões e definições do sistema. Isso porque o modelo financeiro dos Estados Unidos é marcado pela descentralização: apesar de o Fed ser o regulador nacional, cada estado tem autonomia para aplicar algumas regras próprias.

“O modelo americano é regional, tem custos diferentes, liquidações diferentes. Você muda de estado, muda de país. São seis fusos-horários, de Nova York a Los Angeles, o que, por exemplo, causa um delay na liquidação de pagamentos de um estado para outro”, afirma Fernando Tassin, coordenador do GT de pagamentos da Fecomercio e membro da FedNow Community.

Continua depois da publicidade

Por aqui existe o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) que é gerido pelo BC e abrange os procedimentos de processamento, arranjos e liquidação de operações e pagamentos provendo uma estrutura padrão para o mercado como um todo operar. Os EUA não possuem o seu SPB.

Por isso, além do FedNow ser um método de pagamento instantâneo, vai ser o pontapé para começar a desenvolver o que deve vir a ser o arcabouço do sistema de pagamentos americano, que seria o equivalente ao nosso SPB.

Um dos objetivos do governo americano é melhorar os vários processos financeiros que hoje são dissociados, estabelecendo algumas regras para tornar o sistema financeiro um pouco mais centralizado. “Para se ter uma ideia, muita gente recebe o salário em cheque e por correio nos EUA. O FedNow é o primeiro passo na reestruturação do sistema financeiro americano e sua digitalização”, avalia Tassin.

Continua depois da publicidade

Devido à descentralização do sistema de pagamentos, que tem licenças bancárias estaduais e diferentes entre si, o Fed quer assumir esse processo e começar a padronizar seu sistema, via FedNow, monitorando o caminho que o dinheiro faz entre as instituições, acrescenta Peterson dos Santos, CEO  da Trio, de tecnologia de pagamentos.

E por que isso é importante para o Fed? Rastrear mais de perto os milhões de dólares que circulam diariamente nos EUA é uma forma de melhorar, identificar problemas e falhas mais rapidamente e torná-lo potencialmente mais eficiente e seguro. “A ideia é também reduzir custos operacionais de pagamentos ao aumentar a digitalização do sistema, já que hoje muitos pagamentos são físicos por lá”, acrescenta Tassin.

Vale lembrar que o tamanho do sistema financeiro americano também é um empecilho para uma centralização, na visão dos especialistas. O Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), que é o equivalente ao nosso FGC, supervisiona mais de 5 mil instituições a fim de oferecer proteção financeira, enquanto aqui no Brasil o FGC tem cerca de 220 instituições associadas.

Continua depois da publicidade

Além disso, o pagamento instantâneo não é inédito nos EUA. Aplicativos e carteiras digitais como PayPal e Venmo, por exemplo, já oferecem o produto, e embora essas empresas operem legalmente, não são fiscalizadas e nem reguladas pelo Fed.

Por isso, a integração e interoperabilidade entre bancos e apps via FedNow promete inovar o sistema, trazer as companhias para o perímetro regulatório do Fed e estabelecer mais segurança entre as transações, explica Daniela Machado, diretora global de marketing e produtos da C&M Software.

A empresa brasileira provedora de serviços de tecnologia da informação foi homologada em 2022 pelo Fed para estar no portfólio de fornecedores do FedNow nos EUA. Apenas outra brasileira está nessa lista: a Matera, também focada em prover tecnologias financeiras.

Continua depois da publicidade

Obrigatoriedade e adesão

Em relação ao produto FedNow, que permitirá o envio e recebimento de transações em segundos, o Fed não estabeleceu obrigatoriedade de participação das instituições e, por isso, a expectativa é de que o processo de adoção pelo consumidor e empresas seja mais lento do que a explosão que se observou por aqui, conforme os especialistas consultados.

No caso do Brasil, o BC obrigou as principais instituições do país a adotarem o Pix, o que impulsionou o uso do mecanismo pela população. São 3 milhões de transações Pix por mês no Brasil, segundo dados mais recentes.

Por lá, a participação vai ser opcional. A expectativa é de que em julho, quando o FedNow começará a rodar, poucas instituições ofereçam o produto e essa esteira de adoção por outros bancos e fintechs demore mais já que não é mandatória.

A lista de instituições que estão no projeto-piloto do serviço, segundo o Fed, chega a 120 nomes. Porém, apenas as empresas que querem entrar em operação desde o primeiro dia de lançamento estão trabalhando em certificações, validações de segurança e testes de forma estruturada até fim de junho. E esse número não foi divulgado.

“É algo novo para eles também. Os bancos vão entender aos poucos os benefícios de adotar o FedNow e vão adaptar o processo à sua realidade. O Fed está evitando impor regras e deixando o mercado se autorregular, mas vai estar de olho: se o sistema encorpar e for em uma direção diferente da que ele [Fed] imagina, certamente irá agir [com fiscalização sobre as empresas]”.

Tassin acrescenta que, pelo o que se observa na comunidade do FedNow, a entrada das grandes instituições é “altamente recomendável, embora ninguém seja obrigado”.

Além disso, Machado, da C&M Softwares, ressalta que a partir do momento que algum grande banco adotar o FedNow, o caminho natural será a adoção acelerar por parte de concorrentes e outras instituições. Além disso, “como o marketshare de apps e carteiras digitais fora da tutela do Federal Reserve está cada vez mais alto, a aceitação tende a ser crescente”.

FedNow pode ter custos

Como do ponto de vista de regulatório, o mercado americano incentiva a livre iniciativa e o livre comércio, além da não obrigatoriedade, cada banco ou instituição participante poderá estabelecer as suas próprias regras, tais como:

Essa relação também é diferente do que acontece com o Pix. É gratuito para todas as pessoas físicas que usam o serviço e segue uma jornada muito similar em todas as instituições, facilitando o uso pelo usuário. É verdade que os limites de valor podem ser definidos pelos clientes e o horário noturno, por exemplo, também é personalizável nos apps das instituições, mas tudo segue diretrizes do Banco Central.

Nos EUA, cada banco vai ter liberdade para definir como o seu FedNow irá funcionar em seu ambiente, sem uma regra-padrão do Fed.

Até mesmo a identificação da transação: o Pix funciona com a chaves, que servem para identificar o recebedor da transação. Elas são padrões para todos os bancos: podem ser o CPF, celular, e-mail e chave aleatória para que haja interoperabilidade entre as transações. Nos EUA, como esse reconhecimento vai funcionar não está definido e pode não seguir um padrão.

E as semelhanças?

Apesar do contexto de mercado e diferenças regulatórias, o Pix e o FedNow tem algumas similaridades. A instantaneidade da transação e o funcionamento nos 365 dias do ano aproximam os dois produtos.

Mas, para além disso, as duas ferramentas usam o protocolo ISO 20022, que é uma espécie de certificado de segurança padrão de meios de pagamentos. É usado em vários países do mundo como Canadá, Austrália, Japão, na Europa em geral e no Brasil.

“É uma norma internacional que fornece uma série de camadas de segurança para o processo e que deve ser seguida por quem optar por participar do FedNow. Assim, a proteção para a transação será padronizada e alinhada entre os bancos participantes e com outros sistemas de pagamentos instantâneos, incluindo o Pix”, afirma Peterson dos Santos, CEO da Trio.

Vale mencionar que, durante o desenvolvimento do FedNow, cada banco poderá incluir camadas extras de segurança, se achar necessário para sua operação.

O Fed está de olho especialmente nas proteções antifraudes, já que novas formas de fazer pagamentos invariavelmente apresentam novos desafios de gerenciamento de fraudes para o setor financeiro e seus clientes.

Nick Stanescu, vice-presidente sênior e executivo de negócios do FedNow, afirmou em uma live reproduzida no site oficial do FedNow que é natural que os pagamentos instantâneos ganhem a atenção de golpistas conforme a popularidade for aumentando.

Na visão dele, como não há maneiras automáticas ou garantias de receber dinheiro de volta em caso de fraude com esse formato de pagamento, é necessário “elevar a barra” para aumentar os controles de segurança na abertura de contas e iniciações de pagamentos.

Em uma outra live, reproduzida também no site oficial do FedNow, Connie Theien, vice-presidente sênior do Federal Reserve, ressaltou que o FedNow “vai oferecer recursos que ajudarão os participantes, como relatórios de gestão de liquidez, gestão de riscos e gestão de fraudes”.

O BC do Brasil também mantém um olhar atento para a segurança do Pix. Em maio lançou mais dois recursos antifraudes para identificar transações suspeitas e municiar instituições com mais dados sobre fraudes.

Até este junho, as empresas participantes dos testes do FedNow e a comunidade seguem avaliando e discutindo temas para que mais características do serviço sejam definidas ao longo dos próximos meses.

Pix x FedNow

Pix FedNow
Funcionamento 24 horas/7 dias-semana/365 dias-ano 24 horas/7 dias-semana/365 dias-ano
Horários Diurno, noturno e fins de semana: cliente pode personalizar valores que serão transacionados A definir por cada banco
Limites de valores  Mínimo não tem; e valor máximo pode ser definido pelo cliente A definir por cada banco
Custos Gratuito para pessoas físicas; pode ser cobrado de empresas (taxas variam) A definir por cada banco
Atende pessoas físicas? sim sim
Atende pessoas jurídicas? sim sim
Segurança  ISO 20022 ISO 20022
Está disponível para uso? Desde novembro de 2020 A partir de julho de 2023

Giovanna Sutto

Jornalista com mais de 6 anos de experiência na cobertura de finanças pessoais, meios de pagamentos, economia e carreira. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.