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O Comitê de Política Monetária (Copom) anuncia nesta quarta-feira (22) sua decisão sobre a taxa de juros numa semana na qual o Banco Central voltou a ser alvo de críticas e comentários negativos até pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
Assim, mesmo que a expectativa de manutenção da Selic em 13,75% seja unânime, o conteúdo do comunicado do BC e a forma como ele vai se posicionar em relação ao atual balanço de riscos estão sendo aguardados com enorme interesse pelos agentes do mercado financeiro.
Na última reunião do Copom, em 1° de fevereiro, a opção também foi pela manutenção da taxa de juros, mas o tom mais duro (“hawkish”) do comunicado surpreendeu muitos analistas. Até mesmo um cenário alternativo de Selic estacionada no mesmo patamar num horizonte de seis trimestres à frente foi desenhado pela autoridade monetária.
Desde então, o que ocorreu foi uma deterioração maior das expectativas e vem daí a leitura de que a manutenção do plano de voo seria o cenário mais provável e seguro no momento.
Relatório da XP Investimentos assinado pelo economista-chefe, Caio Megale, e pelo economista Rodolfo Margato, destaca eventos externos e domésticos importantes ocorreram desde a última reunião do Copom. “Surgiram problemas no sistema bancário dos países centrais, o risco de crédito no mercado doméstico aumentou e o governo acelerou as discussões sobre o novo arcabouço fiscal”, diz o texto
Além disso, ao avaliar o fluxo de dados econômicos e os preços de ativos desde o último Copom, a XP destacou que o balanço se mostrou negativo para a dinâmica da inflação.
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“Os núcleos do IPCA seguem rodando perto de 6%, sem sinais de perda de força. As expectativas de inflação vêm subindo e se afastando das metas, refletindo o risco de sustentabilidade da dívida pública e a possibilidade de aumento das metas de inflação”, afirmam no relatório.
A XP lembra que, na última reunião, as projeções de inflação no cenário de referência do BC eram de 5,6% para 2023 e 3,4% para 2024. Agora, as expectativas de inflação no Boletim Focus estão em 5,95% em 2023 e em 4,1% para 2024.
Ao mesmo tempo, a mediana das estimativas para a taxa Selic na pesquisa subiu de 12,50% para 12,75% em 2023, e de 9,50% para 10,00% em 2024. E a taxa de câmbio se depreciou em meio às incertezas fiscais domésticas e choques adversos no sistema financeiro global, de R$ 5,10 por dólar para R$ 5,27.
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Estresse bancário entra na conta
Somado a isso, o cenário internacional piorou, com o estresse no setor bancário. Segundo Margato, há uma grande expectativa do mercado sobre como comitê vai comentar esses eventos que trouxeram instabilidade financeira nos EUA e na Europa.
“Há muita incerteza em torno da estabilidade financeira global. Ainda que não esperemos nada mais drástico, um risco sistêmico, essa incerteza deve ser avaliada pelo Copom sendo um elemento adicional, quando comparada as últimas decisões e as últimas comunicações”, afirma o economista da XP.
Ele pondera que ainda é cedo para avaliar se o risco dessa crise para o Brasil é inflacionário ou deflacionário. “Existe uma discussão a respeito de risco de recessão global, ou pelo menos uma desaceleração mais acentuada da atividade. Por outro lado, esses eventos aumentam a percepção de risco e isso tende a penalizar em maior magnitude as economias emergentes como o Brasil”, destaca.
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A explicação é que uma aversão global ao risco pode levar a uma dinâmica pior de taxa de câmbio e até mesmo de expectativas de inflação.
Sobre o adiamento do anúncio do novo arcabouço fiscal, a XP espera que a questão fiscal continue no comunicado, mas sem a adição de novos comentários, até porque não existe ainda um proposta formal, que também pode ser muito alterada no Congresso, diz a XP
Além disso, é esperado para o comunicado alguma referência aos eventos de crédito no Brasil, como os problemas das Lojas Americanas. “Os eventos no mercado de crédito local atingiram fortemente os mercados de capitais e o setor de varejo, embora ainda não sejam nítidos os efeitos sobre a economia como um todo”, diz o relatório.
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Rafael Cardoso, economista-chefe da Daycoval Asset, também vê a questão do crédito local como um fator baixista para a atividade econômica, mas não acredita que seja “mudança de jogo” para o BC. “No Comitê de Estabilidade Financeira, o BC não se mostrou tão preocupado. Em termos de crédito local, ele pode até citar, mas não deve ser um coisa determinante”, comenta.
Sobre o cenário externo, ele também avalia que não há uma conclusão se o estresse bancário é um evento de alta ou de baixa para a inflação. “Acho difícil que o BC tome alguma posição em relação ao cenário lá de fora”, diz.
Cardoso afirma que os BCs, por enquanto, vão preferir gerar menos ruído e ganhar tempo para ver o que vai acontecer.
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Ele vê possibilidade de a Selic cair para 12,5% até o final de ano e recuar para 9% para o final do ano que vem.
Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital, afirma que deve pesar mais na decisão do Copom o continuo distanciamento das expectativas de inflação das metas estipuladas. “Os eventos bancários internacionais devem ser citados, com a conclusão que não representam risco sistêmico para o Brasil. A aprovação do marco fiscal também deve ser citada com um evento a favor da queda da inflação”, aposta.
Balanço de riscos
Leonardo Costa, economista da ASA Investments, acredita que o comunicado do BC vai manter os riscos simétricos para inflação e mencionar os últimos acontecimentos, com efeitos ambíguos: queda do preço das commodities combinada com a depreciação da moeda.
“Além disso, devem comentar a estabilidade dos núcleos nos últimos meses ainda em patamar elevado e não compatível com o centro da meta, e a continuidade da piora das expectativas”, comenta.
Para o Itaú, o Copom deve, novamente, reforçar a sinalização de manutenção da postura vigilante da política monetária, a fim de perseverar no processo de desinflação até que a convergência às metas e ancoragem das expectativas sejam alcançadas. e que não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado.
Sobre o balanço dos fatores, o comitê deve sinalizar que ainda vê riscos simétricos para a inflação. “Esperamos que o Copom mencione que continuará acompanhando com serenidade e atenção os desenvolvimentos futuros da política fiscal, com atenção para a evolução do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais que implicam sustentação da demanda agregada”, diz o Itaú.
O banco também acredita que os impactos dos episódios de crédito corporativo recentes serão incorporados ao comunicado. “No que tange ao ambiente externo, deverá continuar monitorando os desdobramentos dos eventos bancários com serenidade e acompanhando seus efeitos nos preços de ativos e atividade global”, comenta o Itaú.
Sobre as projeções de inflação no cenário de referência do BC, a expectativa é que elas devem avançar em todo o horizonte relevante, de 5,6% para 5,8% em 2023, e de 3,4% para 3,5% em 2024.
Para o Santander, além da manutenção da taxa, o Copom deve reforçar que não fará grandes alterações no plano de voo da política monetária, mantendo a sinalização de que seguirá avaliando se a estratégia de manutenção dos juros por período prolongado assegurará a convergência da inflação.
O banco entende que os riscos inflacionários seguem elevados, com uma assimetria ainda altista. “Há considerável incerteza na seara fiscal. Além disto, embora seja positiva a iniciativa de dar celeridade às discussões sobre o novo arcabouço fiscal, sabe-se ainda poucos detalhes da proposta que será submetida ao Congresso Nacional”, pondera.
Para o Santander, o espaço sinalizado para aumento da despesa pública no Brasil continuará a ser um fator chave para as expectativas macroeconômicas e inflacionárias para os próximos anos.
Não por acaso, lembra o banco, desde a última reunião do Copom houve um aumento de 0,15 a 0,30 ponto porcentual nas projeções de inflação para os horizontes de 2023 a 2026, com a mediana das estimativas de médio e longo prazo mostrando inflação esperada ao redor de 4%.
Acilio Marinello, Coordenador do MBA Executivo em Digital Finance da Trevisan Escola de Negócios, diz que mesmo com a projeção de que há pouca chance de um corte de juros no primeiro semestre deste ano, tanto os meios de produção como o próprio mercado financeiro e as pessoas em geral estão sentindo cada vez mais a escassez de crédito.
“Essa escassez de crédito, influenciada diretamente pelo patamar da taxa de juros, vai começar a gerar impactos na economia”, prevê.
Olho no fiscal
Já Raone Costa, economista-chefe da Alphatree Capital, tem expectativa que a Selic continue estável e por bem mais tempo. As pressões por redução de juros aqui podem se intensificar dependendo do arcabouço fiscal”, estima.
Mas Costa é mais realista sobre essa questão. “A coisa mais forte que poderia ter sido feito do ponto de vista fiscal era o teto de gastos e ele foi abandonado quando se transformou em um problema político. É difícil imaginar uma nova promessa sendo capaz de ancorar as expectativas do fiscal”, reconhece.
O economista da Alphatree Capital diz que o governo e vai manter a pressão sobre o BC para cortar juros, mas ele não enxerga nenhum motivo concreto para uma mudança nesse sentido.
“Exceto talvez um medo de um contágio de uma crise internacional do setor financeiro, como o europeu e o americano estão discutindo. Mas como o nosso setor financeiro ainda está um pouco longe disso, é difícil ir na contramão do mundo e ser o único BC que vai começar a reduzir juros quando a gente não está nem no epicentro da crise”, comenta.
Olhando apenas para a inflação, Costa alerta que os últimos dados ainda vieram muito fortes. Para a frente, ele prevê vão vir alguns dados mostrando queda de preços no ano contra ano, mas que isso só vai durar até julho. Foi nesse momento, lembra que os números do ano passado passaram a ser baixos, por conta da redução de impostos Já neste ano, além de não ter essa redução, vai haver aumento de impostos. “Nossa situação inflacionária não permite corte de juros”, analisa.
Já o Goldman Sachs diz que prestará atenção especial na declaração de política pós-reunião nas projeções para o final do ano de 2024 em relação à meta de 3,00%, uma vez que o próximo ano tem agora mais peso na função de reação do Banco Central do que as projeções para final de 2023.
“Essas projeções e o balanço geral dos riscos para a inflação serão fundamentais para calibrar a trajetória da taxa Selic, em particular o timing e o espaço para flexibilização em 2023 e 2024”, explica o banco de investimentos.
O Goldman Sachs destaque que, desde a reunião do Copom de 1º de fevereiro, os dados de atividade real oscilaram entre suaves e fracos, indicando uma desaceleração ainda maior do ímpeto do ciclo de negócios real durante o quarto trimestre.
E as expectativas de inflação pioraram ainda mais, com a mediana para 2023 subindo 22 pontos-base, para 5,96% (ante meta de 3,25%). Para o final de 2024, subiu 12 p.b., para 4,02% (ante meta de 3,00%). Além disso, a expectativa de inflação mediana para o final de 2025 subiu 30 p.bb para 3,80% (também ante meta de 3,00%).
Lucas Caumont, estrategista de investimentos da Matriz Capital, dá bastante importância aos desenvolvimentos fiscais no Brasil quando analisa as expectativas de inflação e os s movimentos do Copom.
“Dependendo das medidas do arcabouço, o mercado pode se estressar, e por consequência, a curva de juros voltar a abrir. Lula não poupa esforços para atacar o teto de gastos, e culpa o teto pela falta de investimento público no país”, comenta.
Ele alerta que, se forem apresentadas medidas que permitam gastos excessivos e, de certa , uma irresponsabilidade fiscal, ainda será possível ver a taxa de juros se mantendo por mais tempo no mesmo patamar.
Por outro lado, se forem apresentadas medidas de controles de gastos, e preocupação com a política fiscal, o risco de descontrole de inflação diminui muito, possibilitando uma queda na taxa Selic de forma saudável.
Ariane Benedito, economista e RI da Esh Capital, concorda com essa visão. “Se a proposta do arcabouço permear por diretrizes que desancoram as expectativas, o BC pode reforçar a sua estratégia de prolongamento, como bem comunicado na última Ata. Assim, nossa projeção é de anúncio de manutenção da Selic nesta semana”, diz.
Carlos Lopes, economista do Banco BV, argumenta que, como não faz sentido o BC tomar sua decisão com base em uma suposição (de que o arcabouço será positivo). Então, ele deve seguir com plano de voo que é manter os juros parados por enquanto, também sem sinalizar a possibilidade de cortes na próxima reunião.
“O BC deve, como Fed, reconhecer o problema da crise bancária, um aperto maior no mercado de crédito, mas dizer que continuará observado esse efeitos e dizer que, caso seja necessário, tomará alguma decisão”, prevê.