Publicidade
As últimas semanas expuseram fragilidades do setor financeiro global. Primeiro, uma crise de liquidez que levou ao fechamento de dois bancos regionais dos Estados Unidos: o Silicon Valley Bank (SVB), na Califórnia, e o Signature Bank, em Nova York. A situação mal tinha sido digerida pelos agentes de mercado, quando veio a notícia de que o Credit Suisse não receberia ajuda de seu principal acionista, o Saudi National Bank (SNB).
O SNB explicou estar impedido pela regulação europeia de colocar mais dinheiro no banco, pois sua participação no Credit passaria dos 10%. Mas a justificativa não impediu que as ações do banco suíço, que há tempos enfrentava uma crise de confiança e de liquidez, chegassem a cair 30% na última quarta-feira (15) com a notícia.
A história deu uma guinada positiva neste último fim de semana, com a aquisição do Credit Suisse pelo Grupo UBS, por US$ 3,25 bilhões.
As ações dos bancos brasileiros passaram longe de recuar na mesma intensidade que os bancos citados anteriormente, ainda que o sentimento de aversão ao risco provocado pelos eventos recentes tenha repercutido de forma negativa nos mercados como um todo.
“O setor bancário e financeiro no Brasil é muito sólido. Temos regulações até mais restritivas do que nos Estados Unidos e outros países”, explicou Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP, durante participação no Radar InfoMoney.
“Isso faz com que os bancos aqui tenham um histórico grande de solidez, de graus de alavancagem reduzidos e um grau de capital regulatório bastante elevado”.
Continua depois da publicidade
Mas quem acompanha as instituições financeiras brasileiras sabe que o momento é de cautela. Ainda que tenham reportado os costumeiros lucros bilionários no quarto trimestre de 2022, os “bancões” já começaram a sentir os efeitos da maior inadimplência – alguns em maior intensidade do que outros.
Além disso, o escândalo contábil da Americanas (AMER3) é visto como um choque contracionista interno. Há uma maior aversão ao risco na concessão de crédito e uma tendência de aumento nos spreads bancários, que tendem a impactar diretamente o Produto Interno Bruto (PIB).
“Restringindo ainda mais a concessão de crédito, a economia desacelera e o desemprego aumenta. Desemprego com inflação elevada, a renda piora. O risco de crédito fica ainda mais complicado”, afirma Pedro Gonzaga, analista e sócio da Mantaro Capital.
Continua depois da publicidade
Assim sendo, a deterioração da inadimplência poderia acelerar, afetando sobretudo os bancos mais fragilizados (e que foram evidenciados após o balanço do quarto trimestre de 2022): Santander (SANB11) e Bradesco (BBDC4).
“Nesses ciclos, existem safras de créditos ruins que vão dar origem a créditos melhores. É algo que vai sendo limpado do balanço do banco”, explica Gonzaga.
“Acontece que a deterioração de inadimplência do Bradesco está acelerando. Então antes de chegar a um pico, para a partir daí melhorar, há um receio de que as coisas possam sair do controle”.
Continua depois da publicidade
Medo de crise bancária pode forçar interrupção de alta dos juros?
O Federal Reserve agiu prontamente para evitar que a crise dos bancos regionais dos EUA se espalhasse pelo sistema financeiro. Criou um programa emergencial de US$ 25 bilhões para garantir a liquidez de instituições em apuros. O mercado interpretou os gestos como sinas de que o BC americano poderia interromper o ciclo de alta de juros – os economistas passaram a precificar uma alta mais moderada da taxa, de 25 pontos-base, na próxima quarta-feira (22).
O Banco Central da Suíça também se disponibilizou a injetar liquidez no Credit Suisse, antes da aquisição pelo Grupo UBS. Para Gonzaga, da Mantaro, esses choques tendem a levar a uma acomodação de taxa de juros em patamar menores do que eram antes. Isso tende a ser positivo para os bancos, caso não seja acompanhado de uma piora relevante da inadimplência, que aumente os níveis de provisões (PDD).
“Tende a ser positivo porque os bancos precificam os créditos de forma pré-fixada e a queda do custo de funding é imediata”, explica. “Os bancos se apropriam desse diferencial de receita e custo de maneira muito rápida”.
Continua depois da publicidade
A inflação elevada destrói o poder de compra das faixas mais baixas de renda e, em um cenário de juros elevados, os spreads são maiores porque maior também é a percepção de risco.
Bradesco BBI diz ter dificuldades para definir nível de prêmio de risco justo
As condições macroeconômicas globais estão longe de ser o único aspecto que deve impactar a rentabilidade do setor bancário em 2023, observa o Bradesco BBI. A casa diz ter dificuldades para definir prêmio de risco justo para o segmento, diante de uma série de fatores.
Entre eles, está a deterioração da qualidade dos ativos, o nível de regulação e estratégias adotadas por bancos estatais, que ainda não estão claras.
Continua depois da publicidade
“Reforçamos a nossa recomendação de se manter de lado em relação aos bancos brasileiros”, escreveram os analistas do BBI.
“Não vemos nenhum gatilho de curto prazo apoiando uma reversão no valuation médio, especialmente porque os ganhos devem passar por um momento negativo neste ano”.
O impacto da redução de juros do empréstimo consignado
A complexidade desse cenário passa pela recente decisão do Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS) de reduzir o teto dos juros do empréstimo consignado para aposentados e pensionistas do INSS.
Inicialmente, o CNPS definiu uma redução de 0,44 ponto percentual no índice autorizado para os bancos que fazem operação direto na folha de pagamento, estabelecendo um novo limite, de 1,70% ao mês.
O governo tenta propor um teto mais alto de juros depois que as instituições financeiras, incluindo os grandes bancos, suspenderam o consignado para beneficiários do INSS após a redução.
Para o Bradesco BBI, a redução de juros do consignado é negativa para os bancos, principalmente levando em conta que o custo de funding das instituições permanece elevado enquanto a Selic permanecer no nível em que está. A equipe de análise ressalta que a maioria dos bancos hoje cobra juros acima de 2% no consignado.
O BBI afirma que o movimento aumenta riscos regulatórios, além de reduzir a rentabilidade do produto, ainda que impacto varie de acordo com a instituição financeira.
Bancos menores, como Banco Pan (BPAN4) e Banrisul (BRSR6) são os mais expostos a esse tipo de empréstimo. Itaú (ITUB4), Santander Brasil e Banco do Brasil (BBAS3) tem as menores exposições.
“Acreditamos que esse tipo de decisão pode ser um gatilho para discussões adicionais sobre o nível de juros cobrados pelos bancos brasileiros, principalmente o rotativo de cartão de crédito”, escreveram os analistas do BBI. Assim, uma possível reversão da queda dos juros ou o estabelecimento de um “juro teto” mais alto pode gerar alívio para o setor.
Apenas Banco do Brasil acumula alta no ano
Dentre os grandes bancos listados na B3, o Bradesco é o que mais perdeu valor desde o início do ano. As ações BBDC4 acumulam baixa de 9,55% em 2023, até agora. O preço-alvo médio da ação, calculado pela Refinitiv, é de R$ 17,94 (estava em R$ 21,21 em janeiro).
De 16 casas consultadas, cinco recomendam a compra do papel, três, a venda, e oito tem a recomendação “manter”.
Os papéis do Santander, por sua vez, acumulam queda de 5,61% no ano de 2023. O preço-alvo médio para ação, de acordo com cálculo da Refinitiv, hoje, é de R$ 30 15. Em janeiro deste ano estavam em R$ 32,54. Das 13 casas consultadas pela plataforma, seis recomendam venda e apenas uma recomenda compra. As outras seis tem recomendação hold para o papel.
Ainda que esteja entre os bancos mais bem avaliados da B3, o Itaú também acumula queda em 2023. No ano, até agora, as ações ITUB4 recuaram 3,25%. preço-alvo médio da ação, calculado pela Refnitiv, é de R$ 32,58 (estava em R$ 32,98 em janeiro).
Das 17 casas consultadas, 14 têm recomendação de compra e três recomendam manter o papel.
O Banco do Brasil, até agora, é o banco que supera com folga a concorrência em termos de desempenho na Bolsa. Ao contrário de seus pares, a instituição financeira acumula alta em 2023 – subiu 10,99% ate agora.
O preço-alvo médio para ação, de acordo com cálculo da Refinitiv, hoje, é de R$ 54,93. Em janeiro deste ano estavam em R$ 55,44. Das 17 casas consultadas pela plataforma, 13 recomendam compra e quatro tem recomendação de manutenção.