A ressaca depois da quebra do SVB: qual é o impacto real para o ecossistema de startups?

As startups brasileiras foram as mais rápidas a reagir à crise do SVB; entenda os impactos para o ecossistema e as lições aprendidas

Mariana Amaro

Silicon Valley Bank SVB (Foto: Justin Sullivan/Getty Images)
Silicon Valley Bank SVB (Foto: Justin Sullivan/Getty Images)

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As horas que separaram o anúncio de que o Silicon Valley Bank tentaria fazer uma captação de US$ 2,25 bilhões para equilibrar as suas contas, na quarta-feira passada (8), até o momento em que o governo americano anunciou que honraria os depósitos, na tarde de domingo (12), foram de pânico crescente para todos os envolvidos no ecossistema de startups.

Do desespero de tentar acessar o site que saia do ar pelo excesso de tráfego até as ligações para gerentes de bancos brasileiros (e estrangeiros), o último fim de semana foi (mais) uma montanha-russa para os empreendedores.

Mas a onda de alívio que se espalhou pelo Vale do Silício -e suas diversas ‘filiais’ espalhadas pelo mundo- depois que reguladores intervieram para apoiar o banco não foi capaz de apagar todo o mal-estar e a crise de confiança que se instalou entre empreendedores, funcionários de startups, fundos de venture capital e demais ‘atores’ do setor, que, agora, buscam formas de lidar com a ressaca deixada pela crise.

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O Silicon Valley Bank foi fundado em 1983 e, nos seus 40 anos de existência foi uma peça importante para o sucesso da indústria de tecnologia. Quando quebrou, era o 16º maior em tamanho de ativos dos Estados Unidos, com US$ 212 bilhões, e tinha bastante exposição a startups apoiadas por  fundos de Venture Capital (VCs).

Se por um lado, essa aproximação com a comunidade ajudou o banco a crescer e se consolidar, por outro, o fato de ser extremamente nichado fez com que a mensagem de que ‘havia algo errado’ se espalhasse muito rápido.”Foram dias de pânico nos grupos de Whatsapp dos empreendedores e de fundos de Venture Capital. Alguns fundos já tinham alertado sobre problemas no SVB na semana anterior, mas não tivemos tempo de transferir tudo antes da sexta-feira passada”, lamenta o fundador de uma startup que pediu anonimato. A sua empresa, contudo, conseguiu transferir o que havia restado na conta do SVB nesta terça-feira (14).

A Bossanova Investimentos, que investe em startups em suas etapas iniciais, o chamado early stage, também mantinha uma conta no SVB com quase US$1 milhão para investimento em empresas estrangeiras e já conseguiu reaver o dinheiro. Entre as suas investidas, nenhuma foi diretamente impactada. João Kepler, CEO da Bossanova, aproveitou o fim de semana para fazer uma pesquisa interna de concentração bancária, alavancagem e inadimplência. “Nossas startups [investidas] fazem o dever de casa, estão diversificadas e têm gestão de caixa saudável, então, tecnicamente, não temos nenhum problema direto”, afirma.

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Impactos

Apesar de parecer que começou ‘de repente’ a crise já era debatida há algumas semanas. “Boa parte dos VCs já vinham orientando suas investidas a mover seu capital dali. Esse movimento começou a cerca de duas semanas e uma parte das startups já tinham movido seus fundos”, afirma Daniel Grossi, cofundador e diretor da Liga Ventures que conecta empresas e startups.

Para Grossi, o risco de falta capital como consequência da quebra do SVB é pequeno no Brasil. “O impacto aqui tem muito mais a ver com a cautela que existe no mercado de startups. Desde o ano passado, vemos um movimento de migração de capital de risco para renda fixa com a alta dos juros. Já havia uma desconfiança geral de como o mercado de startups vai evoluir e se o investidor já está avesso a risco, diante da quebra do SVB, vai ficar ainda mais cauteloso”, afirma.

Kepler  concorda. Para ele, o impacto que fica é na credibilidade da segurança do ecossistema de startups mundial. “O assunto em si está resolvido, o governo americano cobriu os depósitos. O que ficou agora foi a onda de desinformação, com empreendedores e investidores com discurso catastrófico falando em ‘extinção’ de startups, o que, claro, é um absurdo. Startups morrem todos os dias, faz parte do ciclo de vida delas, mas o ecossistema não vai acabar”, diz.

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Essas ‘premonições’ pessimistas, segundo Kepler, só servem para gerar mais pânico. “Os correntistas do SVB não são a maioria das startups do mundo. No Estados Unidos, de fato, pode ter um reflexo, mas daí a achar que todos os bancos digitais vão quebrar, que acabou o dinheiro para investimento de risco e que [o ecossistema] corre um risco sistêmico, é um exagero”, afirma Kepler.

A sensação de que houve um exagero na resposta dos brasileiros e na cobertura do tema foi unânime entre os ouvidos por InfoMoney. Benjamin Gleason faz parte deste grupo. Ele tem um longo currículo no ‘mundo das startups’: foi diretor gerencial do Groupon, fundou o GuiaBolso em 2012 e, agora, a Kamino, uma fintech com soluções bancárias para fundadores de outras startups. Para Gleason, a reação foi um pouco exagerada no Brasil. “Não conheço nenhuma startup brasileira que mantenha todo o dinheiro fora do país em uma semana e precise pagar salários na segunda-feira seguinte”, afirma, citando o caso de pânico entre funcionários de startups que receavam não receber os pagamentos devidos – o que de fato poderia acontecer nas startups americanas.

Por outro lado, o pânico dos brasileiros fez com que os empreendedores locais fossem os mais rápidos a reagir. “Muitos fundos comentaram isso: as startups brasileiras foram as mais rápidas a reagir. Quem vive aqui entende de crise, então assim que os boatos começaram, os fundadores não esperaram para ver o que aconteceria”, diz.

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Como um dos impactos, o setor deve passar por um período de ainda mais aversão à risco. “Os fundos de VC sentiram na pele o que pode acontecer e podem apertar ainda mais as condições de aportes no curto prazo. Há um também o impacto emocional que pode fazer os fundos serem mais cautelosos e o cenário está complicado nos Estados Unidos, com o valor do equity de algumas instituições derretendo”, afirma. Para o médio prazo, Gleason é mais otimista: “no médio prazo, os problemas do mundo não sumiram e as empresas que estão mudando indústrias ainda vão encontrar dinheiro”, afirma.

No aspecto prático, a quebra do SVB pode dificultar o investimento de fundos estrangeiros em companhias brasileiras. “Fundos que tinham capital no SVB vão precisar de tempo para se rearranjar. Com isso, transações que estavam para sair devem demorar mais”, diz Grossi. Quem pode sofrer com isso são os bancos regionais e médios, que tenham características similares ao SVB, não pelo modelo de negócio, mas pela forma como estavam posicionados no momento da virada de mercado. “Vi muita gente comparando com o que aconteceu com a FTX mas são coisas completamente diferentes: aquilo foi uma crise de liquidez. Com o SVB foi a situação do mercado já estar reativo”, completa.

Cenário adverso e lições aprendidas

Para especialistas ouvidos por InfoMoney, o SVB é mais uma ‘vítima’ do cenário econômico. O banco sofreu junto com as startups com os aumentos nas taxas de juros que afetaram empresas de tecnologia iniciantes. “É mais um reflexo do excesso de capital que aconteceu entre 2020 e 2021 e uma tentativa fracassada de aumento de capital da instituição que estimulou uma corrida de saques”, avalia Kepler.

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Apesar do resgate, ainda restam dúvidas sobre o ambiente de financiamento para as startups, principalmente as americanas, que passaram a contar com linhas de crédito do SVB para seus negócios, esnobados por grandes bancos. Diante da crise, alguns empreendedores renomados acenaram oferecendo financiamento de emergência para startups que enfrentavam incerteza. Um deles foi Sam Altman, que dirige a OpenAI, famosa pelo seu chatbot de inteligência artificial ChatGPT.

Agora, com os regastes se normalizando, a lição que deve sair da crise é a gestão de tesouraria das startups, de acordo com Gleason. “Os investidores já estavam tomando cuidado com o caixa e controlando gastos mas a questão agora é ter uma visão mas ampla, inclusive de diversificação de instituições, abrindo uma conta em mais de um banco”, afirma. “Para uma startup que tem apenas uma conta no SVB e ainda não conseguiu abrir outra nos Estados Unidos por burocracia, o lugar mais seguro para deixar o dinheiro é o SVB, porque os depósitos estão garantidos. É melhor usar alguns dias para pensar em uma estratégia de gestão financeira em vez de sacar desesperadamente”, avalia.

Como efeito colateral da crise, alguns destores de fundos de VC também avaliam que haverá um aumento na busca por profissionais de finanças, especializados em gestão e fluxo de caixa e até que a crise bancária americana pode virar uma oportunidade para o Brasil.

Para além da crise, o mercado de startups pode parecer ruim no momento, quando comparado com dois anos atrás, mas a comparação com 2019 mostra um ganho de maturidade de maneira geral. “Os investidores estão mais preparados, as startups estão mais profissionalizadas, as grandes empresas também entraram no jogo e estão mais preparadas para investir”, avalia Grossi. O problema maior neste caso, ele afirma, está no choque de cenários de sair de extrema euforia entre 2020 e 2021 para um momento de escassez.

“É isso que causa esse trauma. Essas ondas de demissão vieram porque as empresas estavam preparadas para um outro tipo de mercado, estavam fazendo planos num cenário diferente. Tiveram que enxugar suas estruturas. Ainda assim, se comparar volume de transações ainda são muito mais numerosas do que eram um ano antes da pandemia”, avalia. Agora, sugerem os especialistas, é o momento de se reacomodar.

Enquanto os efeitos globais do colapso do SVB ainda estão aparecendo, uma coisa é clara: o ecossistema é conectado e capaz de responder com agilidade.

Mariana Amaro

Editora de Negócios do InfoMoney e apresentadora do podcast Do Zero ao Topo. Cobre negócios e inovação.