Campos Neto faz aceno a governo Lula, mas indica que caminho para queda de juros ainda será tortuoso

Apesar de indicar que fará de tudo para trabalhar com o governo, presidente do BC mostra que caminhos para queda de juros passam longe de uma canetada

Marcos Mortari

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A participação do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, no programa Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira (14), foi marcada por acenos ao governo federal, em meio a uma série de críticas feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à condução da política monetária e o atual patamar da taxa básica de juros (a Selic), mantida em 13,75% na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

Munido de uma “cola”, Campos Neto usou o início da entrevista para dar boa parte dos recados que desejava. Durante a conversa com os jornalistas, ele reverenciou a vitória de Lula nas últimas eleições e exaltou a importância de se reconhecer o resultado das urnas para a preservação da democracia. Disse que fará tudo o que estiver ao seu alcance para aproximar o BC da nova administração. Mostrou sensibilidade com a agenda social e afirmou que a autoridade monetária também faz políticas sociais.

O presidente do Banco Central também admitiu relação de proximidade com figuras do governo anterior, mas exaltou a postura de independência da autoridade monetária, inclusive citando o recente ciclo de aperto nos juros em pleno ano eleitoral. E ainda teceu elogios aos ministros Fernando Haddad (Fazenda), pelos acenos de preocupação fiscal e as primeiras medidas de ajuste das contas públicas, e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), pela defesa de uma reforma tributária.

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Os gestos seguiram o script para distensionar as relações entre o novo governo e o Banco Central às vésperas da primeira reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) − órgão que reúne Campos Neto, Haddad e Tebet − e em meio à indicação de substitutos para a diretoria da autarquia. Mas o armistício já tem possíveis crises contratadas no futuro próximo.

A primeira delas envolve a própria possibilidade de revisão da meta de inflação, a ser perseguida pelo BC na condução da política monetária. Atualmente, ela está fixada em 3,25% e 3% para 2023 e 2024, respectivamente, considerando o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em ambos os casos, há uma banda de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.

Nas últimas semanas, a ideia ganhou força entre integrantes do governo como forma de criar condições para que o BC tivesse maior conforto para antecipar um movimento de afrouxamento monetário, fazendo com que circulasse no mercado a possibilidade de a meta de inflação passar por uma revisão atípica já no encontro do CMN marcado para quinta-feira (16). O governo tem dois votos e em tese poderia fazer valer sua vontade.

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Campos Neto, por sua vez, deixou claro sua resistência à ideia. “Nós não estudamos mudança de meta. Nós não entendemos que a meta é um instrumento de política monetária”, disse. “Se fizermos uma mudança agora, sem ter um ambiente de tranquilidade e um ambiente em que estejamos atingindo a meta com facilidade, o que vai acontecer é que você vai ter o efeito contrário ao desejado. Em vez de ganhar flexibilidade, você pode terminar perdendo flexibilidade”.

Para ele, todo o espaço que seria aberto por uma folga maior na tolerância à inflação seria rapidamente consumido por um aumento da percepção de risco pelos agentes econômicos, que projetariam altas mais expressivas dos preços no futuro − o que fatalmente contaminaria a dinâmica dos preços no presente.

O presidente do Banco Central também diz, ao contrário de alguns economistas, que a meta de 3,25% é plausível no Brasil. Ele lembrou que, em dezembro de 2022, o cenário do mercado indicava para um IPCA sob controle e incorporava cortes na Selic a partir de junho. Como Lula não parece estar disposto a pagar o preço do baixo crescimento, como consequência dos juros elevados para combater a inflação hoje colocada, os pontos de disputa não deixaram de existir.

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A visão de Campos Neto sobre o fenômeno de inflação global acentuada também aponta para um horizonte ainda desafiador para o governo federal. O presidente do BC vê choque de oferta no mundo, agravado pelas consequências da pandemia de Covid-19 e da guerra na Ucrânia. Ele também destaca um deslocamento na demanda por produtos, que pressionou o consumo de energia num momento em que o mundo tentava acelerar a transição para matrizes limpas.

No Brasil, ele salienta que, se não fossem medidas atípicas de desoneração tributária, a inflação seria maior do que a observada no acumulado de 2022. O economista também destaca que o núcleo inflacionário estaria na casa de 9% − indicando um juro real de menos de 5%, menor do que os 8% normalmente considerados por críticos. Todos sinais de que a Selic pode permanecer elevada por muito mais tempo do que o desejado ou tolerado por integrantes do governo.

“Ficou claro que o objetivo de Campos era reduzir a tensão entre a autoridade monetária e o governo. Acreditamos que ele usou a linguagem correta para atingir esse objetivo”, observam os analistas da XP Investimentos em relatório a clientes.

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“Dito isso, acreditamos que as políticas fiscais e parafiscais se tornarão mais expansionistas daqui para frente; e que as expectativas de inflação permanecerão acima da meta. Assim, vemos pouco espaço para cortes de juros nos próximos trimestres. Isso significa que as tensões podem diminuir por ora, mas podem aumentar novamente adiante”, pontuam.

Já os analistas da Levante entendem que a entrevista pode ser vista como “pacificadora de ânimos”, o que, por si só, já poderia trazer efeitos positivos para os mercados. “No entanto, uma ancoragem das expectativas quanto à inflação depende da condução sobre a provável alteração no regime de metas e a reação do Executivo daqui para a frente”, ponderam.

Apesar de ter falado em “boas intenções” de Haddad na busca por equilíbrio fiscal e indicado oportunidades para o governo com a construção de um novo arcabouço fiscal e com a condução de uma reforma tributária, Campos Neto foi claro sobre o tamanho dos desafios enfrentados ao destacar uma trajetória de gastos difícil de ser interrompida. Situação que pode se agravar com ruídos políticos que acarretem em mudanças no prêmio de risco cobrado pelo mercado.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.