Americanas: fundos passam a contabilizar debêntures por metade do valor após rombo de R$ 20 bilhões

Forte alta das taxas fez preços despencarem, o que causou perdas nas cotas dos fundos; em alguns casos, recuo chegou a superar 1,2% na quinta-feira (12)

Bruna Furlani Mariana Segala

Publicidade

Como era de se esperar, o baque no valor das debêntures da Americanas (AMER3) nesta quinta-feira (12) afetou os fundos de investimentos que as têm na carteira. Ontem, as negociações com os papéis de renda fixa da empresa no mercado foram fechadas com descontos elevados, segundo agentes financeiros.

As debêntures da empresa com vencimento em 15 de maio de 2023 (registradas sob o ticker LAMEA4), que eram negociadas na quarta-feira (11) com remuneração equivalente à taxa do CDI mais 1,04% ao ano (antes da divulgação do rombo de R$ 20 bilhões identificado no balanço da empresa devido a “inconsistências contábeis”), passaram a ser ofertadas por CDI mais 720% ao ano na sessão desta sexta-feira (13). Os cálculos foram feitos por gestores para o InfoMoney.

Já debêntures com vencimento em julho de 2033 eram negociadas hoje com taxas equivalentes a CDI mais 23% ao ano, apurou a reportagem com gestoras e mesas de renda fixa. Na segunda-feira (9), os mesmos títulos ofereciam retornos de CDI mais 3%.

Leia mais:
Um dia após rombo de R$ 20 bilhões, debêntures da Americanas são negociadas com desconto de até 60%

“Não sabemos o risco de crédito ou de default [calote] da empresa no curto prazo. A taxa de compra e venda de papéis mais curtos está maior do que a de papéis mais longos”, diz Rafael Siqueira, analista de futuros e renda fixa da Genial. É um sinal, segundo ele, de que os investidores acreditam que o curto prazo será turbulento, mas avaliam que a situação pode se ajeitar no longo prazo.

A forte alta das taxas de negociação fez o preço dos papéis despencar. Por isso, nas últimas horas, os administradores de fundos começaram a divulgar os novos valores pelos quais passaram a contabilizar as debêntures da Americanas nas carteiras. A marcação a mercado é realizada diariamente pelos fundos de investimentos – e, nesse caso, busca refletir os efeitos da “bomba” que estourou na empresa.

Continua depois da publicidade

A Credit Suisse Hedging-Griffo (CSHG), por exemplo, informou que estava precificando debêntures da Americanas – incluídas nas carteiras de pelo menos seis fundos – com um desconto de 49,56% em relação ao valor anteriormente marcado. Não é possível saber exatamente quais eram as debêntures investidas.

Embora os papéis agora estejam sendo contabilizados por metade do valor, o impacto final sobre as cotas dos fundos da CSHG foi pequeno, variando entre -0,11% e -0,51%. Isso se deve ao fato de serem carteiras pulverizadas, em que as debêntures da Americanas correspondem apenas a uma pequena parte dos investimentos.

Outros administradores de fundos se restringiram a informar o impacto final sobre as cotas, sem detalhar o desconto aplicado sobre os ativos das Americanas na marcação a mercado – e nem quais papéis foram alvo de reavaliação.

Continua depois da publicidade

A BV Distribuidora ajustou o valor das cotas de pelo menos cinco fundos de renda fixa – com redução do valor das cotas entre -0,04% e 1,29% – e de um fundo de ações, em que a perda nas cotas foi de 0,72%.

Houve ainda ajustes na carteira de um fundo de direitos creditórios (FIDCs) administrado pela BV – o FIDC Votorantim Crédito Corporativo, que informou um impacto negativo de 0,62% no valor das cotas após a reavaliação dos ativos.

Leia mais:
Mais de 600 fundos tinham ações da Americanas em setembro de 2022, somando cerca de R$ 1,5 bilhão

Continua depois da publicidade

Gestores buscam acalmar cotistas

Alguns gestores têm buscado ampliar a comunicação com seus cotistas, de modo a demonstrar os reais impactos do problema contábil.

A ARX Investimentos, por exemplo, alertou que os papéis de Americanas detidos por seus fundos de crédito privado eram negociados a 50% do valor de face na quinta (12), e a expectativa era que eles fossem remarcados no mesmo dia. Seis fundos da casa possuem exposições que variam de 0,27% a 1,20% do patrimônio líquido, o que sugere que o impacto final nas cotas de cada carteira será o equivalente a metade dos percentuais de exposição.

A BB Asset, por sua vez, informou que seus fundos investem em títulos de crédito privado de mais de 240 empresas, dos quais apenas 0,53% são de emissão da Americanas. “Em alguns fundos, houve variação negativa das cotas no dia 12/01/23, o que não representou grande impacto na rentabilidade mensal ou anual dos mesmos”, disse.

Continua depois da publicidade

Embora não tenha informado a dimensão das perdas, a gestora disse que sua estratégia de investimento “estabelece limites rigorosos de concentração por emissor, o que restringe o tamanho das posições detidas em relação ao PL [patrimônio líquido] dos fundos”.

Da mesma forma, a Riza Asset – que possui as debêntures LAMEA7 nas carteiras de três fundos – informou aos cotistas que, em seu entendimento, trata-se de um papel com liquidez, o que fará com que sua marcação seja rapidamente ajustada. “Preliminarmente, acreditamos que os efeitos sobre o crédito tendem a ser bem menores do que nas ações da empresa, dado o nível de
endividamento atual e a declaração de que o efeito caixa deve ser imaterial”, declarou em comunicado.

Gestores de fundos de ações também procuraram se explicar aos cotistas. A Moat Capital, cujos fundos têm volumes consideráveis de ações da Americanas, informou que as posições das carteiras chegava ao máximo a 8% do patrimônio líquido (no caso do fundo Moat Capital FIA Master). “Todas as posições dos fundos nesse ativo estão de acordo com as métricas de risco dos respectivos produtos, apesar do cenário de estresse”, disse.

Continua depois da publicidade

Já dois fundos de ações administrados pelo BTG reportaram perdas de 10,86% e 16,48% – os papéis da Americanas fecharam a quinta com queda de quase 80%, mas hoje subiam cerca de 40%.

Negociação de debêntures

Plataformas de investimentos observadas pelo InfoMoney nesta sexta-feira (13) não ofereciam debêntures da Americanas aos investidores. Na véspera, também não foi possível encontrar os ativos. Siqueira, da Genial, afirma que o preço está variando muito, o que leva a liquidez dos ativos a diminuir.

“A gente estava com uma empresa que tinha rating [classificação de risco] e que passou a ter um panorama de risco de crédito”, diz. “Não vamos disponibilizar o papel por enquanto, só para demandas muito específicas”.

Ao ser questionado sobre o que acontece agora com os investidores que desejarem resgatar o papel, Siqueira resume que essa possibilidade não é viável no momento. Ele explica há muito mais vendedores do que compradores no mercado. “Virou um ativo ilíquido. Não há um preço justo”, observa.

De acordo com documentos compilados por um gestor junto ao sistema Cetip Trader, a estimativa é de que o volume financeiro negociado de debêntures entre ontem e a manhã de hoje tenha chegado a R$ 29 milhões – sendo que cerca de R$ 4 milhões teriam sido apenas referentes a debêntures que vencerão em maio deste ano.

A título de comparação, o volume financeiro médio registrado entre os dias 2 e 11 de janeiro deste ano ficou em torno de R$ 9,6 milhões por dia para as debêntures com vencimento em julho de 2033, e de R$ 103,7 mil no caso dos papéis com vencimento em 2030. Os números foram compilados pela Quantum Finance a pedido do InfoMoney.

Rating de Americanas é cortado

Em função da piora na estrutura de capital da Americanas, a agência Fitch Ratings rebaixou a classificação de risco da empresa nesta sexta-feira (13). O rating em escala nacional caiu para CC. Anteriormente, a classificação estava em AA+. Significa que, de um dia para o outro, a companhia deixou de ter uma das melhores qualidades de crédito e passou a apresentar grau especulativo.

Já em escala global, o rating foi rebaixado de BB para CC. A revisão tem reflexo direto nos ratings de bonds (títulos de dívida) e nas debêntures da empresa.

Em sua justificativa, a Fitch citou que a companhia está agora com uma estrutura de capital insustentável, com a adição de R$ 20 bilhões em passivos.

Além disso, a agência ressaltou que a flexibilidade financeira da Americana está limitada. A Fitch afirmou ainda que o suporte de credores será crucial para melhorar o cenário e citou algumas alternativas para isso: waivers (perdão) para a quebra de covenants (limites contratuais), além do que a companhia deve evitar acelerar obrigações e a rolagem de dívidas.

Entenda o caso

A derrocada dos ativos ocorre após a divulgação, na quarta-feira (11), de inconsistências contábeis no valor de R$ 20 bilhões, num caso que culminou com a saída do presidente da Amereicanas, Sérgio Rial, e do diretor de relações com investidores, André Covre. Eles deixaram os cargos depois de apenas dez dias da posse.

Rial atuará ainda como assessor, apoiando os acionistas de referência da companhia no processo de apuração do ocorrido. Em uma conferência com alguns investidores na véspera (12), o ex-CEO trouxe indicações sobre os próximos passos da companhia, em um contexto de diversas revisões de recomendações dos analistas de mercado, que destacam as grandes incertezas após o anúncio.

Na conferência com o mercado, Rial destacou que a empresa vai precisar se capitalizar para enfrentar problema contábil.

A operação provavelmente será um follow-on, mas o executivo diz que não é possível estimar a necessidade de capital. “Ninguém definiu o valor, até porque o número não foi auditado. Mas sabemos que não será uma capitalização de [apenas] milhões”, afirmou Rial. O executivo destacou o compromisso dos acionistas de referência com o negócio. “Mas não pode ser a solução por si só. ‘Me dá um cheque e tá resolvido’, não é assim”, apontou.