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O ataque a torres de transmissão de energia desde o último domingo (8) ligou um sinal de alerta entre as autoridades e empresas do setor, mas a baixa escala vista até o momento não deverá causar problemas no fornecimento de eletricidade no país. Por outro lado, o ineditismo da ação e a dificuldade de proteção das linhas em um território do tamanho do Brasil não devem ser desprezados, segundo especialistas ouvidos pelo InfoMoney.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou nesta terça-feira (10) que áreas de infraestrutura de energia elétrica do país foram alvo de ataques e vandalismo nos últimos dias. Pelo menos seis torres de transmissão de energia foram danificadas em municípios de Rondônia e do Paraná, em linhas que conectam três das cinco maiores hidroelétricas do país (Itaipu, Jirau e Santo Antônio, respectivamente) ao sistema elétrico nacional. Há também o relato de uma queda no Maranhão na virada do ano, mas esta torre já foi reparada.
A agência não deixa claro se a transmissão de energia das usinas hidroelétricas foi totalmente paralisada. Mas, na pior das hipóteses, os ataques poderiam ter afetado a entrega de 18,5 milhões de quilowatts (kW) dos 189 milhões de kW de capacidade instalada no país, ou 9,8% da oferta total, segundo dados da própria Aneel.
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Sob este cenário, a Aneel instituiu desde segunda-feira (9) o Gabinete de Acompanhamento da Situação do Sistema Elétrico Brasileiro, que é acionado em momentos de grande demanda, como eleições e Copa do Mundo, por exemplo. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) destaca que não houve problemas no abastecimento de energia até o momento.
Embora os ataques tenham visado a transmissão de energia de grandes usinas do país, Luiz Augusto Barroso, ex-presidente Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e diretor da consultoria PSR, explica que o sistema elétrico do Brasil trabalha com redundância, de forma que o ataque a uma torre não gera a interrupção do fornecimento. “O sistema é planejado dessa forma porque podem ocorrer problemas corriqueiros com as torres, então essa redundância atua para gerenciar a distribuição e não deixar o sistema parar”, explica.
Na mesma linha, o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate), Mário Miranda, diz que, do ponto de vista técnico, os ataques não tiveram força para afetar a entrega de energia das usinas. Ele destaca ainda que a queda das torres não significa que as três usinas foram desconectadas do sistema nacional, no máximo que houve alguma variação na entrega.
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“Temos mais de 500 mil torres espalhadas pelo país, então é normal terem ocorrências de queda durante o ano. Nestes casos, a transmissora redireciona o fluxo para outra linha, talvez afete um pouco a entrega, mas não existe paralisação [do envio de energia ao sistema]. Ademais, o ONS gerencia a distribuição das mais diversas fontes – eólica, termoelétricas, solar, nuclear… –, sem prejudicar o consumidor”, afirma o dirigente.
Ineditismo chama a atenção
Marcelo Allain, sócio da consultoria BR Infra Group, reforça que, do ponto de vista técnico, os ataques vistos até o momento não têm potencial para causar problemas de fornecimento ou prejuízos grandes ao setor elétrico. “Tem mais uma questão operacional, do ONS desativar a transmissão daquela torre e redistribuir a demanda para outras fontes, uma vez que nosso sistema é integrado. Mas não houve nenhum sinal de descontinuidade e não há relatos de perda de energia”, lembra Allain.
No entanto, o especialista pondera que será mais um fato novo que as autoridades terão que passar a monitorar. Além dos ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília no último domingo, os bolsonaristas radicais também têm atuado para bloquear a saída de caminhões de refinarias.
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“Eu não me recordo de nada parecido com isso na história do país. Esses ataques à infraestrutura básica do país aparentam não ter coordenação e nem que tem escala – este é um ponto positivo. No entanto, são casos isolados preocupantes”, destaca Cláudio Frischtak, sócio gestor da consultoria Inter.B.
“Se estes ataques ganharem escala, o cenário muda completamente. Eu não vejo nossa infraestrutura preparada para ser defendida, dada a complexidade do tamanho do nosso país”, alerta Frischtak, que aponta ainda a necessidade de uma resposta rápida das autoridades para conter os ataques.
Miranda, da Abrate, lembra que as empresas de transmissão já possuem protocolos para lidar rapidamente com a queda de torres, que acabam ocorrendo por acidentes e causas naturais, mas alerta que sabotagem é algo que traz preocupação. “Nós fazemos monitoramento e agimos rápido quando temos algum acidentes, mas vandalismo e sabotagem não têm como prever, aí temos que ser reativos”, reforça.
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Na avaliação dos especialistas, a derrubada das torres tem um efeito simbólico mais forte do que indica o efeito prático. O contexto de início de governo conturbado, com um grupo radical em constante vigília para contestar as eleições, não passa uma boa imagem aos investidores e tende a afugentar aportes no curto prazo. “Certamente isso afeta a expectativa dos investidores e aumenta o grau de incerteza. O fato disso estar acontecendo já é de uma gravidade extrema e não pode ser subestimando”, completa Cláudio Frischtak.
“O recado que fica é que, se isso se tornar recorrente, as empresas vão ter que passar a considerar vandalismo e sabotagem no seu planejamento de proteção, o que é muito ruim para nós enquanto sociedade”, acrescenta Barroso, da PSR.
Empresas afetadas
Segundo os boletins da Aneel, foram atingidas infraestruturas da Eletrobras (ELET3; ELET6) e da Evoltz.
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No caso da Eletrobras, a subsidiária Furnas relatou a queda de uma torre no município de Medianeira (PR), que faz a transmissão da energia gerada pela usina de Itaipu. A companhia não informou quando a manutenção será finalizada.
A usina de Itaipu tem capacidade instalada de 14 milhões de kW ao todo, segundo a Aneel. É a maior usina hidroelétrica do país, à frente de Belo Monte e Tucuruí, localizadas no Pará. Do total da capacidade da usina, o Brasil consome em média 80% (o equivalente a 11,2 milhões de kW de capacidade instalada) do que é produzido por Itaipu, enquanto o restante é utilizado pelo Paraguai.
Em nota divulgada nesta terça, a Itaipu Binacional disse que não há restrições à transmissão da energia da usina. “Por ser uma das principais infraestruturas críticas do país, a Itaipu Binacional também intensificou as medidas de segurança de suas instalações a fim de garantir que a produção e transmissão de energia elétrica sigam dentro da normalidade”.
Em Rondônia, a subsidiária Eletronorte afirmou que houve o desligamento de uma torre na interligação Acre-Rondônia ao Sistema Interligado Nacional (SIN). A empresa disse que já está mobilizada na manutenção e que a conclusão do serviço está prevista para esta quarta-feira (11).
Na Evoltz, o ataque atingiu uma torre de transmissão em Porto Velho na segunda-feira (9). De acordo com a companhia, funcionários já estão em campo para averiguar o ocorrido, mas não há ainda uma previsão de retomada do fluxo. Na região destes ataques, há duas usinas hidroelétricas, Jirau e Santo Antônio, que juntas, produzem cerca de 7,3 milhões de kW.
Procurada, a empresa de fornecimento de energia do Paraná, a Copel (CPLE3), informou que os ataques não prejudicaram o fornecimento de energia no estado. A Energisa, que atende Rondônia, foi contatada, mas não respondeu.
No mercado acionário, a notícia dos ataques teve efeito misto às empresas listadas. O índice que reúne as principais companhias setor na B3 (IEEX) avançou 0,93%, aos 77.155 pontos.
Por desempenho individual, a Eletrobras liderou as baixas do pregão da B3 desta terça-feira. O papel ELET6 registrou queda de 1,63%, enquanto a ação ELET3 recuou 0,97%. A CPFL Energia (CPFE3), que possui linhas de transmissão em Santa Catarina e Rio Grande do Sul e atende parte do estado de São Paulo, caiu 1,28%. Por outro lado, a paranaense Copel subiu 1,06%.