Digital Currency Group: a gigante cripto que ameaça quebrar e virar “nova FTX” após pedalada contábil

Empresa teria coberto rombo bilionário com método fraudulento e agora está na mira das autoridades dos EUA

Paulo Barros

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O investidor brasileiro de criptomoedas pode nunca ter ouvido falar na Digital Currency Group, mas precisa ficar de olho no destino dessa empresa, que pode ser selado nos próximos dias.

Gigante do setor, a companhia, também chamada de DCG, é uma venture capital focada em criptos que ficou conhecida principalmente por ser dona da Grayscale, a maior gestora de ativos digitais do mundo e apontada como a principal porta para investidores institucionais que se aventuraram nessa nova classe de ativos no auge da crise da pandemia, em 2020.

A DCG também é proprietária do site especializado em criptoativos CoinDesk, parceiro de conteúdo do InfoMoney.

Estima-se que a Grayscale tenha, sozinha, cerca de 5% de todo o Bitcoin existente em seu fundo GBTC, que tem cotas atualmente negociadas com um alto deságio frente ao preço da criptomoeda que procura espelhar.

Segundo o portal Ycharts, a cota do GBTC opera hoje com um desconto de 38% em relação ao BTC no mercado à vista. O número parece alto, mas já apresenta recuperação após ter tocado em 50% em dezembro.

A valorização das cotas neste início de 2023, no entanto, reflete um evento técnico no mercado cripto, que passou por short squeeze, termo dado a um movimento de alta impulsionado pela grande quantidade de posições apostando na queda.

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Por ora, segue pairando no mercado o temor de que a DCG, se não conseguir levantar um capital bilionário em questão de dias, pode ser obrigada a abrir falência e, com isso, ter que fechar o GBTC e todos os outros fundos menores da Grayscale, impactando o mercado como um todo.

Nesse cenário, a Grayscale seria um efeito colateral de uma crise que surgiu, na verdade, em outra subsidiária da DCG, a plataforma de crédito e formadora de mercado Genesis Trading Global.

Pedalada contábil

O temor da queda do DCG começou em novembro, quando a Genesis anunciou a suspensão de todos os saques de clientes. A medida abalou a confiança na empresa que era considerada a única prime broker do setor, capaz de liquidar negociações em grande volume para clientes de grandes fortunas – em geral hedge funds e outras instituições que lidam com criptos.

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Foi essa fama que atraiu a corretora Gemini, fundada pelos irmãos Winklevoss, que ficaram famosos por processar (e vencer) Mark Zuckerberg nos tribunais pelo plágio da ideia do Facebook.

Cameron e Tyler Winklevoss se tornaram bilionários após comprar US$ 11 milhões em Bitcoin quando a criptomoeda era negociada a apenas US$ 120 em 2013 – em 2021, no pico da criptomoeda, a quantia chegou a ser avaliada em mais de US$ 6 bilhões. Até novembro de 2022, a Gemini oferecia aos seus clientes um serviço de conta remunerada em criptoativos gerida pela Genesis.

Agora, os gêmeos acusam a Genesis de dever US$ 900 milhões aos clientes da Gemini, que foi obrigada a também suspender saques de sua poupança digital após a parceira interromper as retiradas há dois meses.

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Nesta terça-feira (10), em uma carta aberta publicada no Twitter, Cameron descreve uma suposta fraude que teria sido cometida pela Digital Currency Group para acobertar um rombo de mais de US$ 1 bilhão nos cofres da Genesis por conta da falência do Three Arrows Capital, o primeiro dominó a cair após o colapso do projeto Terra (LUNA), em junho.

Segundo Cameron, a Genesis tomou emprestado US$ 2,36 bilhões junto à Three Arrows e teve uma chamada de margem na posição, no valor de US$ 1,2 bilhão, em junho do ano passado. Àquela altura, a Genesis deveria assumir a perda ou preencher o rombo com caixa do grupo controlador. No entanto, o mandachuva da DCG, Barry Silbert, “não fez nenhuma das duas coisas”, afirmou Winklevoss.

Ainda de acordo com o cofundador da Gemini, Silbert decidiu adotar uma estratégia de “contabilidade criativa” (ou “pedalada contábil”) na Genesis, preenchendo o rombo não com dinheiro, mas com uma nota promissória emitida pela controladora no valor de US$ 1,2 bilhão, com vencimento em 10 anos.

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Em paralelo, executivos da Genesis e da empresa-mãe diziam publicamente e em reuniões fechadas com parceiros (como a própria Gemini) que a DCG havia assumido a dívida da subsidiária, o que, segundo Cameron, nunca de fato aconteceu.

Para Winklevoss, a estratégia deve ser encarada, na verdade, como fraude contábil e, por isso, pede ao conselho da DCG que Silbert, que fundou a companhia, seja retirado do cargo de CEO.

“Em vez de contabilizar esses swaps como os derivativos arriscados que eles eram, a Genesis os ocultou caracterizando-os incorretamente como empréstimos colateralizados. Isso fez o balanço financeiro da Genesis parecer mais saudável do que realmente era, fraudulentamente induzindo usuários a continuarem a tomar empréstimos”, disse na carta aberta. ”

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O caso já chamou a atenção de autoridades dos EUA. Segundo a Bloomberg, o Departamento de Justiça e da Comissão de Valores Mobiliários do país estão investigando as transferências entre o Digital Currency Group e a Genesis. As empresas, no entanto, ainda não foram formalmente acusadas de irregularidades.

Qual é o tamanho da ameaça?

“Com base em informações públicas, provavelmente a Genesis já está insolvente, então o que eles estão tentando é uma negociação para que não entrem em falência”, explica Samir Kerbage, sócio da gestora brasileira Hashdex, em participação no programa Cripto+ (assista à íntegra no player acima).

No entanto, uma eventual falência da Genesis, ressalta, seria muito menos problemática do a que aconteceu com a FTX.

“Parece ser um problema contido. Obviamente tem uma perda grande dos investidores que depositaram dinheiro no programa [de conta remunerada] da Gemini e de outros investidores que tinham emprestado dinheiro para a Genesis, mas é importante destacar que o tamanho do buraco é muito menor do que era da FTX, [cuja falência] realmente ninguém esperava”, aponta Kerbage.

“A Genesis já vem sofrendo desde a crise do Three Arrows, não é uma surpresa. E o tamanho da exposição é muito menor do que era o da FTX”, reafirma o especialista. O passivo da FTX, estima-se, estaria na casa dos US$ 10 bilhões, quase 10 vezes mais do que o da Genesis. “Se a Genesis de fato entrar em falência, o impacto do mercado de cripto não deve ser da mesma dimensão”.

A questão, no entanto, muda de figura quando se trata da controladora Digital Currency Group. O mercado teme que, se a DCG for obrigada a assumir a dívida bilionária da Genesis, poderia se ver em uma posição difícil e, assim, acabar abrindo falência.

Diante da situação, a DCG poderia ser, então, obrigada a dissolver todos os fundos da Grayscale, despejando no mercado uma nova avalanche de Bitcoin, criptomoeda que compõe o maior fundo da gestora. O fundo GBTC teria cerca de 633.000 BTC, equivalentes a cerca de US$ 11 bilhões a preços de hoje, ou cerca de 3,3% do valor de mercado da moeda.

“Se essa venda for feita com muita pressa, pode ter um impacto relevante nos preços dos criptoativos, mas a tendência num caso extremo como esse, em o fundo tenha que ser desfeito, a venda será feita provavelmente ao longo de vários dias ou semanas para mitigar o impacto”, aposta Kerbage.

Criptos menores que também foram compradas por fundos da Grayscale também podem ser penalizadas, a depender do tamanho dessas posições em relação ao valor de mercado desses ativos. Mas para Kerbage, da Hashdex, Bitcoin e Ethereum deverão ser as criptos mais sensíveis a um eventual encerramento dos fundos.

“Mas são impactos temporários, de uma venda forçada. É muito similar ao que aconteceu com o Three Arrows Capital, que eles caíram até mais que os outros criptoativos, o que não é normal”.

Analistas da Kaiko e da corretora Bitfinex, porém, ressaltam que o Bitcoin passa por um momento de baixa liquidez que favorece movimentos bruscos de preço, algo que deve ficar no radar do investidor enquanto a crise não tem um desfecho.

A seguir, confira todos os criptoativos que compõem as carteiras dos fundos da Grayscale, controlada pela Digital Currency Group.

Em fundos de moeda única:

Em fundos mistos (Decentralized Finance Fund, Digital Large Cap Fund e Smart Contract Platform Ex-Ethereum Fund):

Paulo Barros

Jornalista pela Universidade da Amazônia, com especialização em Comunicação Digital pela ECA-USP. Tem trabalhos publicados em veículos brasileiros, como CNN Brasil, e internacionais, como CoinDesk. No InfoMoney, é editor com foco em investimentos e criptomoedas