Real sobe em 2022 ante o dólar e fica entre as melhores moedas emergentes: movimento seguirá em 2023?

Questões da inflação e juros americanos tendem a perder força, mas incertezas locais tomam lugar na definição do câmbio

Vitor Azevedo

Foto: Getty Images
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Acertar a trajetória do dólar nunca foi fácil. No mercado financeiro há uma frase famosa, para não dizer clichê, que diz que o câmbio já foi o coveiro da reputação de muitos economistas e especialistas do mercado.

Nos últimos anos, com toda a volatilidade que se instalou, tentar prever o futuro da moeda americana talvez tenha sido um desafio maior do que nunca. Em 2022 isso se deu e, por enquanto, 2023 não deve ser diferente – mas os fatores devem mudar.

O real, aos trancos e barrancos, se fortaleceu frente ao dólar nos últimos 12 meses. Em 2022, o dólar recuou 5,32%, fechando a R$ 5,279.

No gráfico abaixo, elaborado pela XP, é possível ver o desempenho das moedas emergentes versus o dólar em 2022 até o fechamento de 23 de dezembro, mostrando que a divisa nacional, apesar da volatilidade, está entre as moedas emergentes com melhor desempenho no acumulado do ano:

Por outro lado, o DXY, índice que mede a força do dólar frente a outras moedas de países desenvolvidos, teve alta de 6,5%, saindo do patamar de 96 pontos no primeiro pregão de janeiro para, ontem, ficar próximo dos 104 pontos.

A valorização do real não foi constante durante o ano. Cenário externo, juros, questão fiscal e mais fatores fizeram o câmbio oscilar.

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O dólar chegou a fechar a R$ 5,68 na sua máxima do ano, no começo de janeiro. Na mínima, em quatro de abril, a moeda terminou o pregão R$ 4,60. Entre o ponto mais alto e o mais baixo, uma oscilação de mais de 19%.

De julho para cá, a volatilidade diminuiu consideravelmente. A moeda americana pouco saiu do intervalo entre R$ 5 e R$ 5,50, mas, mesmo assim, o gráfico que registra seu movimento frente ao real ainda traz curvas consideráveis.

E isso não acontece apenas frente à divisa brasileira. O DXY, índice que mede a força do dólar frente a outras moedas de países desenvolvidos, também registrou grandes variações. Em setembro, na máxima do ano, ele flertou com ultrapassar os 114 pontos e, agora, opera por volta dos 104.

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Essas mudanças bruscas no câmbio tem um causador principal: as incertezas que se instalaram, tanto no mundo quanto no Brasil, desde o surgimento da Covid-19.

Força do real frente ao dólar e DXY / Fonte: Reuters

Inflação americana no radar

“Desde o início da pandemia, o mundo ficou em alerta com as economias globais. Em meio a isso tudo, tivemos dois fatores que fizeram todos mercados olharem para a economia americana com uma atenção especial: o choque de oferta monetária e, posteriormente, as falas do Jerome Powell, presidente do Federal Reserve”, explica o economista Paulo Paiva.

O combo que engloba o corte das cadeias de produção globais, com parte da população presa em casa para diminuir o contágio da doença e não produzindo, e os estímulos econômicos despejados pelos governos, para remediar os impactos da doença no âmbito social, trouxe efeitos colaterais. O principal deles foi a inflação.

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Os Estados Unidos, maior economia do mundo, registrou em novembro uma inflação anual de 7,1%, maior do que a brasileira, que cresceu 5,9% na mesma comparação.

“O Federal Reserve emitiu 40% de toda sua oferta monetária nos últimos três anos. A instituição monetária da maior economia do mundo chegou a imprimir mais dinheiro em um mês do que em toda uma década dos tempos passados”, contextualiza Paiva.

Agora, para conter a alta dos preços, o Fed vem tentando impor limites à economia americana restringindo a demanda, ou seja, aumentando os juros – o que diminui o acesso de pessoas e de empresas a crédito.

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Juros mais altos nos Estados Unidos, contudo, impactam toda a economia mundial, porque desestimulam o consumo justamente no país que mais consome.

Para além disso, os rendimentos dos treasuries, um dos ativos mais seguros do mundo, se tornam mais atrativos e cria-se um fluxo de capital para esses títulos de dívida do governo americano, minguando capital, por exemplo, em companhias e em países em desenvolvimento.

Se não fosse o bastante, outras grandes economias do mundo enfrentam o mesmo problema. A Zona do Euro, em novembro, registrou uma inflação de 10,1% e também vem em um ciclo de alta dos juros. Por lá, há ainda um problema mais forte gerado pelo lado da oferta, principalmente de combustíveis, em meio à Guerra da Ucrânia.

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“No mercado externo, temos de acompanhar as pressões inflacionárias, se elas se ajustarão ou não. Nos Estados Unidos, os últimos sinais são de que elas estão recuando, mas a Europa continua com o mesmo problema de abastecimento de gás”, debate Marcos Trabbold, diretor operacional da B&T Câmbio.

É por conta desses fatores que o dólar, em 2022, oscilou tanto no cenário mundial. Quando a inflação nos Estados Unidos deu sinais de que estava arrefecendo, sugerindo de que a alta dos juros por lá não teria de ser tão agressiva, o dólar caiu. Quando os indícios foram no sentido oposto, ele subiu.

“Se os EUA diminuírem juros, aumenta volume de dinheiro enviado para cá. Há um aumento do apetite por risco e de fluxo de capital para emergentes”, diz Trabbold. “Mas, por enquanto, é tudo ainda muito incerto”.

José Raymundo Faria Junior, diretor da Wagner Investimentos, vai no mesmo sentido.

“O que temos no começo do ano, que pode definir muita coisa, é o CPI [índice de inflação] de dezembro, no dia 12 de janeiro”, comenta, mencionando o que é o principal indicador de inflação americano. “O mercado está apostando que o Fed irá subir os juros em 25 pontos-base em sua reunião de fevereiro, reduzindo novamente o ritmo de alta. Para isso, porém, é bom que o CPI de dezembro venha mais comportado. Se o Fed, de fato, mudar o ritmo, e parar os juros em uma taxa entre 4,75% e 5%, seria uma boa notícia para o real”.

Por fim, as incertezas brasileiras

Para além de todo o cenário internacional, a relação entre dólar e real depende também de como estará a economia interna no próximo ano. Em 2022, a força da moeda brasileira frente à americana também esteve muito atrelada às incertezas domésticas.

Em novembro e dezembro, por exemplo, o dólar perdeu força mundialmente, após dados de inflação arrefecerem nos Estados Unidos. Apesar disso, ele se manteve praticamente estável ante o real, em grande parte por conta das instabilidades fiscais que se instalaram após o fim das eleições presidenciais brasileiras.

A discussão sobre a chamada PEC de Transição, por exemplo, foi um dos motivos que impediu a divisa do Brasil de acompanhar a tendência mundial de enfraquecimento das notas estadunidenses. As discussões dos nomes que ocuparão os principais cargos relacionados à economia, também.

“Por enquanto, o governo eleito não se mostrou muito preocupado em falar em estabilidade fiscal. A história do PT é de mais gastos, mais impostos, mais juros e de inflação mais próxima do topo da meta”, aponta Faria Jr. “E a equipe econômica, até então, é majoritariamente composta de especialistas da Unicamp, berço da heterodoxia”, afirma.

Em um cenário de incerteza fiscal, investidores tendem a se recusar a investir em ativos brasileiros, ou, ao menos, cobram prêmios maiores para isso.

A lógica é simples: se os títulos do tesouro americano estão pagando prêmios um pouco mais elevados e têm baixíssima chance de não serem honrados, países que oferecem riscos de calote têm de desembolsar ainda mais para se tornarem atrativos.

Como trunfo, porém, o país tem o fato de estar oferecendo juros reais muito acima daquilo que o tesouro americano oferece.

“Outra questão, que pouca gente fala a respeito do câmbio, é que tivemos uma forte alta da Selic. Foi na virada de 2021 para 2022 que saímos de uma taxa negativa de juros acima da inflação para uma taxa positiva”, menciona o especialista da Wagner Investimentos. “Eu comparo também a relação da inflação brasileira e a Selic com a fed rates [juros nos EUA] e o CPI. A gente estava com uma taxa de juros extremamente baixa, que chegou a ser negativa na época da Covid, por isso que o dólar subiu tanto [na época]”. Em 2021, o dólar subiu 7,5% ante o real.

De acordo com o especialista, por enquanto, o real tem “alguma gordura” na comparação com a taxa americana, com o diferencial entre os juros reais brasileiros e americanos ainda elevado, em cerca de dois dígitos. Com a Selic em 13,75% e a inflação brasileira, medida pelo IPCA, em 5,9%, o Brasil tem um juros real de 7,85%. O juros real nos Estados Unidos, no mesmo cálculo, está negativo em 2,6%,

“Eu estou na linha de que o dólar continuará mais fraco. Basicamente, o argumento é que teremos um diferencial de juros e inflação muito grande em relação aos Estados Unidos. Mesmo se os juros dos EUA forem para 5%, se a inflação americana cair para 5%, o juro real por lá, irá para zero. Teremos ainda juros reais diferenciadas por aqui”, explica Faria Jr.

De acordo com o especialista, isso deve manter, ao menos no curto e médio prazo, o real valorizado.

E forám os juros reais, também, que garantiram a boa performance do real em 2022 até então.

Ele explica ainda que os juros altos no Brasil, ao mesmo tempo, dificultam o carrego de posições compradas em dólar. Ao comprar o dólar a R$ 5,22, por exemplo, investidores têm de apostar que a moeda irá valorizar mais do as taxas pagas pelo juros em um ano, algo próximo a 14%. Para isso, o câmbio teria de ir a cerca de R$ 5,95 em dezembro de 2023.

“Por enquanto, com dólar caindo mundialmente [nos últimos meses] e a taxa de juros brasileira ainda muito alta, achamos que há pouca margem para valorização. Há mais espaço para queda. Mas isso não quer dizer que daqui a seis meses, quando o arcabouço fiscal for apresentado, quando os resultados das contas públicas não forem bons ou quando a inflação voltar a acelerar, isso não possa mudar”, finaliza o especialista.

Entre uma das ameaças mais recentes, André Lara Resende, cotado por Lula para o Ministério do Planejamento, atacou a manutenção do juros brasileiro em patamares elevados.

O Bank of America, em seu relatório de perspectivas para 2022, diz que espera um dólar em R$ 5,40 para o final de 2023, mencionando, justamente, o crescimento dos riscos inflacionários, em meio a uma política fiscal expansionista.

O Itaú BBA é um pouco mais pessimista: “Mantivemos as nossas projeções de taxa de câmbio em R$ 5,25 por dólar ao final de 2022 e em R$ 5,50 por dólar ao final de 2023. Ressaltamos que, ainda que o cenário externo se mostre mais benigno, um nível de prêmio de risco local elevado pode impactar a possibilidade de apreciação adicional da moeda”.

Para finalizar, o Credit Suisse, também cita que o real, que para eles deve ir a R$ 5,40 no próximo ano, historicamente, tem uma pior performance quando o Brasil enfrenta o risco fiscal.

“O real teve bom desempenho no início de 2022 em virtude das altas taxas de juros no Brasil e do aumento nos termos de troca. Essa tendência foi revertida em virtude da maior incerteza sobre as condições fiscais após as eleições e da redução nos termos de troca”, expõe os analistas da instituição. “Para 2023, existe significativa incerteza sobre o cenário político, o que pode compensar os efeitos benignos da elevação dos juros reais. Por outro lado, a resolução dessas incertezas pode produzir um impacto positivo sobre a moeda”.