Em debate, economistas alertam que falta de orientação fiscal pode estender ciclo de juros altos

Mansueto Almeida (BTG) e Rodolfo Margato (XP) disseram que novo governo não está sabendo aproveitar bom "ponto de partida"

Roberto de Lira

(Foto: Shutterstock)
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A falta de um posicionamento claro sobre quais serão as regras fiscais que vão substituir o atual teto de gastos e os sinais que o novo governo tem dado de uma disposição para expandir os gastos podem levar o Banco Central a alongar demais o ciclo de juros altos para conter pressões inflacionárias. Com isso, a capacidade das empesas realizarem investimentos pode ser estrangulada, restringindo assim o crescimento da economia.  Esse foi o diagnóstico traçado na noite de quinta-feira (15) em debate de economistas na Câmara Britânica de Comércio e Indústria do Brasil (Britcham), em São Paulo.

Participaram do debate o economista chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida, que fez parte da equipe do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles na gestão de Michel Temer, e Rodolfo Margato, vice-presidente de Pesquisa Econômica da XP investimentos. Eles concordaram que, sem uma âncora fiscal e um plano transparente de metas para reduzir a dívida pública, há risco de elevação da carga tributária.

Os dois economistas avaliaram que o novo governo está com um bom ponto de partida em termos macroeconômicos, mas a sinalização inicial tem sido ruim, por conta tanto das declarações do presidente eleito e de membros da equipe de transição. Isso se soma à proposta de gastos além do Orçamento, que caminha para uma expansão de R$ 200 bilhões por um prazo de dois anos.

“A única coisa que sabemos é que se quer mais gastos”, disse Almeida. “O governo não sabe as principais diretrizes (que vai adotar). A gente não sabe o que virá, mas a orientação é de maior expansão fiscal”, concordou Margato.

Entre os “pontos de partida” positivos foram citadas a relação dívida/PIB, que tinha uma previsão de fechar este ano em 94% após a expansão fiscal de 2020 ter levado a conta para 88% pelos gastos extras motivados pelo combate à pandemia. No entanto, com dois anos de superávit primário, essa conta tende a fechar 2022 perto de 74% do PIB, praticamente o mesmo patamar de antes da crise sanitária.

Já a taxa de desemprego, que ficou, em média, em 13,5% em 2020, recuou para 8,3% (segundo o dado de outubro do IBGE). O crescimento do PIB, que estava projetado em 1,5% no início do ano, deve fechar em 3%. E o investimento externo, que bateu em R$ 46 bilhões no ano passado, vai encerrar este ano em R$ 90 bilhões. “O Brasil mostrou muita resiliência pós-choque pandêmico”, disse Margato.

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Os dois especialistas também apontaram para o risco parafiscal, que cresceu após a nomeação de Aloizio Mercadante para a presidência do BNDES. “É um petista da velha guarda. A grande preocupação é a utilização massiva dos bancos públicos para financiar os investimentos. Isso coloca mais prêmio de risco para os ativos financeiros”, alertou o economista da XP.

A preocupação do economista chefe do BTG Pactual é a mesma. Ele teme que os avanços obtidos com a aprovação de reformas e marcos regulatórios desde 2016 se perca com uma nova diretriz. Ele destacou que, há seis anos, 60% do funding para investimentos da empresas era de crédito de bancos públicos (subsidiado). Hoje, 75% tem vindo do mercado de capitais. “O total de subsídios do BNDES entre 2009 e 2022 é de R$ 320 bilhões”, afirmou.

Autonomia do BC

No entanto, os dois economistas não veem risco para a autonomia do Banco Central com o atual governo. Até porque dois diretores serão naturalmente trocados no ano que vem e a gestão de Roberto Campos Neto se encerra em 2024. “Não vão mexer nesse vespeiro porque traria perda de credibilidade”, disse Mansueto.

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Mas há um risco não afastado que é o da elevação da meta de inflação, alertaram. Como a meta é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e esse colegiado é formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, além do presidente do Banco Central, essa mudança não está descartada.