Imagine passar meses construindo um plano de negócios, contratando funcionários, montando um ponto comercial e desenvolvendo seu produto ou serviço – apenas para depois descobrir que ninguém quer comprar sua solução. O produto viável mínimo (MVP) serve para evitar uma situação como essa, poupando tempo e dinheiro dos empreendedores.
O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, explica neste guia o que significa e para que serve um MVP. Ainda, mostra um passo a passo para montar o seu próprio produto viável mínimo; elenca cuidados importantes durante a construção do protótipo; e dá exemplos de empresas que construíram MVPs.
O que é um MVP de projetos?
Quem estudou algo sobre indústrias provavelmente se lembra do conceito da manufatura enxuta. Esse foi um sistema de produção usado pela empresa japonesa Toyota. Ele focava na redução de desperdícios e na produção veloz de pequenos lotes. O produto viável mínimo tem muito a ver com a manufatura enxuta. Ele também é conhecido como mínimo produto viável ou pela sigla MVP, do inglês minimum viable product.
Então, o que exatamente significa produto viável mínimo? É um protótipo do seu produto ou serviço, que deve ser feito com o mínimo de recursos possíveis para testar a aceitação do mercado. Pense em um aplicativo para celular, por exemplo. Ao invés de contratar muito engenheiros de software e passar hora e horas criando o aplicativo em sua melhor versão, no MVP o empreendedor foca apenas em desenvolver as telas essenciais e com boa parte de suas aprovações feita manualmente.
Por que fazer um MVP?
Normalmente, as empresas costumam seguir estas inspirações ao criar um produto ou serviço: intuição dos líderes, pesquisas de mercado e grupos de foco. Coletando tais depoimentos, partem para o desenvolvimento de um primeiro grande lote de soluções. O problema é que, durante todo esse processo, esquecem de consultar os principais interessados no produto: o consumidor final. Essa demora para coletar validações dos consumidores (feedbacks) faz as empresas perderem tempo e dinheiro. Esse planejamento e execução cegos tornam a empreitada bem arriscada.
Foi justamente para reduzir riscos, prejuízos e prazos que surgiu o livro A Startup Enxuta, de Eric Ries. “À medida que o mundo fica mais incerto, é cada vez mais difícil prever o futuro. Os métodos antigos de administração não estão à altura da tarefa. Planejamento e previsão são precisos apenas quando baseados num histórico operacional longo e estável, e num ambiente relativamente estático”, escreveu o autor.
O MVP é uma das etapas ressaltadas por Ries. Para que serve especificamente o produto viável mínimo? Primeiro, para acelerar o ciclo de feedback dos seus usuários e comprovar o que realmente querem (validação do negócio).
Voltemos ao exemplo do aplicativo. Esse app provavelmente terá muitos erros de programação e instabilidades, e será percebido pelos clientes como algo de baixa qualidade. Porém, isso não importa por enquanto. O objetivo com o MVP é apenas medir se os primeiros usuários enxergam valor na proposta essencial, se pagariam por ela e quais pontos de melhoria enxergam.
Com um MVP, os empreendedores passam pelo que Ries chama de “aprendizagem validada”. Tudo que uma startup enxuta faz deve ser encarado como um experimento científico: hipóteses são testadas na prática para alcançar a aprendizagem.
“O esforço que não é absolutamente necessário para aprender o que os clientes querem pode ser eliminado”, escreve Ries. “É fácil se iludir a respeito do que você acredita que os clientes querem. Também é fácil aprender coisas que são totalmente irrelevantes. A aprendizagem validada é respaldada por dados empíricos coletados de clientes reais.”
Essa aprendizagem deve ajudar a desenvolver produtos que fiquem entre a visão dos empreendedores e as preferências dos clientes: não fazer tudo que cada consumidor pede, mas também não dizer ao consumidor o que ele deveria querer.
Um produto viável mínimo aprimorado com esses conhecimentos se refletirá em melhores resultados. No caso do aplicativo, por exemplo, vai gerar um maior número de downloads, de minutos de uso ou de compra de produtos e serviços dentro dele. Tudo de forma financeiramente mais sustentável do que com anos de desenvolvimento. Por ter sido feito em pequenos protótipos, esses resultados também podem se vincular a um bom retorno sobre o investimento inicial.
Um último benefício do MVP é construir uma base para apresentar seu projeto a investidores em estágio inicial. Anjos, aceleradoras e fundos pré-semente ou semente podem colocar dinheiro em projetos que ainda estejam na fase de MVP. Ter esses primeiros resultados melhoram o pitch (apresentação breve do negócio).]
Como fazer um MVP?
O passo a passo para fazer um MVP pode ser resumido como uma volta completa pelo ciclo “construir-medir-aprender”: ter ideias e construir um produto; medir dados e feedbacks; e aprender para perseverar ou para pivotar. Abaixo, veja em detalhes as tarefas para construir um MVP:
Defina hipótese de valor, hipótese de crescimento e métricas
Adaptar qualquer projeto para a metodologia enxuta começa por decompor sua visão em duas partes: hipótese de valor e hipótese de crescimento.
A hipótese de valor é formulada para testar se o produto ou serviço de fato fornece valor aos clientes. Os empreendedores devem fazer uma análise de mercado e criar uma teoria sobre qual problema será resolvido, para quais perfis ideais de clientes (personas) e por meio de quais benefícios (diferenciais em relação à concorrência).
Para comprovar essa hipótese de valor, devem definir quais serão as métricas de sucesso ou fracasso antes mesmo de construir o MVP. Uma métrica pode ser, por exemplo, a porcentagem dos primeiros usuários que comprará a solução.
Já a hipótese de crescimento é formulada para testar como novos clientes descobrirão o produto ou serviço. Os empreendedores devem criar uma suposição de como a solução chegaria a novos usuários e testá-la por meio do MVP. A hipótese de crescimento também deve ter uma métrica associada. Por exemplo, qual foi a taxa de indicação dos primeiros usuários.
O MVP será, portanto, um produto que checa a hipótese de valor e a de crescimento apenas com as funcionalidades que garantam a jornada essencial para promover os benefícios a serem testados.
Construa o tipo ideal de MVP
Como será o produto viável mínimo depende muito do setor em que sua empresa atua. Em produtos completamente digitais, o MVP costuma ser uma interface que parece automatizada, mas tem seus processos aprovados manualmente. Ter pessoas atuando no lugar das máquinas é uma forma de validar o interesse do cliente sem investir muito em programação.
Outras práticas comuns de MVPs digitais são começar com uma página de internet para capturar no que os usuários estão interessados (landing page); com sistemas gratuitos; e com atendimento altamente personalizado de apenas alguns clientes.
No caso de produtos físicos, como um sapato ou um smartphone, o MVP pode ser um exemplar simplificado e colocado depois em um teste de interação com usuários. Por fim, se o objetivo é escolher entre dois produtos ou serviços similares, esses dois MVPs podem participar de um teste A/B: uma parcela dos usuários vê a primeira versão, enquanto a outra parcela vê a segunda versão. A opção vencedora é a que mais atingir as métricas definidas por seus criadores.
Colete feedbacks dos early adopters
A intenção do MVP não é encontrar o consumidor comum do negócio. Você deve focar naqueles poucos consumidores potenciais que sentem uma grande necessidade pela solução. Eles são chamados de adotantes iniciais, ou early adopters. São usuários mais tolerantes com erros e mais dispostos a fornecer feedbacks.
Essa devolutiva dos consumidores potenciais é outra parte essencial do MVP: vai permitir anotar exatamente o que deve ser melhorado ou mudado no produto ou serviço. O MVP ideal é o que tem a maior proporção de aprendizagem em relação ao esforço empregado em sua construção.
Decida se você vai perseverar ou pivotar
O produto viável mínimo só receberá mais recursos e será melhorado caso as avaliações sejam majoritariamente positivas. Ou seja, caso as métricas definidas nas hipóteses tenham mostrado bons resultados. Dessa forma, a primeira versão do produto para o mercado geral será distribuída já com uma solução validada e uma pequena base de clientes.
Em caso negativo, os empreendedores precisam recolher as críticas e construir um segundo e novo MVP. Esse processo é conhecido como pivotagem. Mas a pivotagem não serve apenas quando seu MVP não funcionou: mesmo se o seu primeiro produto viável mínimo foi um sucesso entre os adotantes iniciais, você provavelmente terá que mudá-lo ao longo da vida do negócio. Com uma base maior de clientes, pode ser preciso rodar novos MVPs para atender mais problemas.
Quais cuidados tomar ao fazer um MVP?
É importante se atentar a diversos cuidados durante todo o passo a passo para construir um produto viável mínimo. Primeiro, escolha uma equipe capaz de enxergar diversas perspectivas do MVP. O recomendado é ter sócios que entendam de finanças, de marketing e de construção de produto.
Na construção da hipótese de valor, atenção especial para a construção de personas e para como seu negócio se diferencia das soluções que seus clientes ideias consomem hoje. Construa apenas as funcionalidades essenciais para testar essa hipótese de valor.
Também é importante que o MVP não seja apenas um produto inacabado. A solução mais simples para atravessar um rio é oferecer uma tábua de madeira, e não metade de uma ponte, o que não cumpriria o objetivo de atravessar um rio. Aquela tábua de madeira depois pode virar uma ponte.
Escolha poucos potenciais clientes para participar dos testes do seu MVP. A quantidade restrita de leads permite passar mais tempo coletando feedbacks aprofundados, e evita que a ideia seja muito divulgada para potenciais concorrentes. É possível que cada usuário tenha sua sugestão – mas filtre apenas aquelas que se apliquem a vários clientes e tenham potencial de lucratividade.
Outro ponto importante durante esses testes é definir quanto tempo será gasto. Especialmente nas startups, passar meses fora do mercado pode abrir espaço para concorrentes mais ágeis. Ao mesmo tempo, gastar pouco tempo pode não render feedbacks e dados suficientes. Você deve estabelecer quais hipóteses precisam mesmo serem testadas antes do lançamento ao mercado e quanto tempo será gasto no primeiro MVP – por exemplo, três semanas.
Quais empresas utilizam o método de MVP?
Gigantes como Dropbox, Facebook e Uber usaram MVPs no começo de suas empreitadas. Mas o produto viável mínimo também se vê entre empresas brasileiras – como algumas das entrevistadas no podcast do Do Zero Ao Topo.
“Investimos pouco no começo do negócio. A gente via o Dr. Consulta mais como um experimento científico”, contou o cofundador Thomaz Srougi, ecoando os ensinamentos de Ries. A primeira clínica médica da rede Dr. Consulta foi inaugurada na comunidade de Heliópolis, em 2011. “É um dos lugares mais difíceis de fazer o negócio dar certo, porque as pessoas têm muitos problemas de saúde e pouco dinheiro. Se desse certo lá, daria certo em toda a cidade de São Paulo. E se desse certo em São Paulo, daria certo no Brasil.”
Até esse experimento científico dar certo, Srougi não construiu um time típico de startup. “Naquela época era eu, a recepção, a equipe de enfermagem e os médicos. Não tinha dinheiro para atrair as pessoas. Só depois que a gente viu que estava no caminho certo – que estava construindo algo escalável, replicável e que médicos e pacientes amavam –, a gente montou um time enxuto, mas excelente. A hipótese foi validada.”
O Dr. Consulta é uma rede de clínicas médicas físicas, então seu produto viável mínimo precisou ser feito por meio de um pequeno estabelecimento. Já no marketplace de serviços GetNinjas, o MVP pôde ser completamente digital.
O fundador Eduardo L’Hotellier contou que a primeira versão da plataforma foi feita com um desenvolvedor indiano terceirizado e duas semanas de trabalho intenso. “Encurtamos o trabalho para testar as águas, e só depois lançamos uma plataforma escalável e com tecnologia própria. Foi importante termos colocados algo no ar com pouco esforço, só para provar que o mercado existia, que havia demanda do usuário e do profissional. Daí conversamos mais com eles para fazer nossa segunda versão.”
Como mencionamos na parte de pivotagem, o MVP também pode servir para testar um novo posicionamento dentro de um negócio que já passou do primeiro produto viável mínimo. Foi o caso da Stefanini. Fundada em 1987, a empresa brasileira fornece serviços de tecnologia da informação para 40 países e faturou R$ 5 bilhões em 2021.
Sua expansão internacional começou na Argentina, em 1995. “A sede na Argentina era uma unidade pequena e que investimos pouco. Fazer MVPs é o nosso estilo, e o do modelo digital como um todo. Você testa, vê se funciona e só depois investe mais”, contou Marco Stefanini, fundador e CEO da companhia.
A Stefanini acelerou sua expansão internacional a partir dos anos 2000, começando por América Latina e Estados Unidos. Cerca de 50% do faturamento da Stefanini está fora do Brasil.